As dificuldades enfrentadas pelos segurados do INSS para o deferimento dos benefícios por incapacidade e nas perícias médicas
terça-feira, 11 de outubro de 2022, 12h53
O presente artigo se destina a identificar as principais dificuldades enfrentadas pelos filiados da previdência social para concessão dos benefícios por incapacidade, haja vista a necessidade de realização de perícia pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e considerando a demora excessiva e o grande número de indeferimentos dos pedidos de concessão de benefício. Pretende-se abordar os procedimentos realizados para verificação da incapacidade e identificar as falhas desses procedimentos, bem como os prejuízos causados aos segurados quando da negativa injustificada. Inicialmente, pretende-se discorrer sobre a seguridade social, posteriormente sobre os requisitos para concessão do benefício previdenciário por incapacidade total ou permanente, que representa a maior parte dos indeferimentos. Em seguida, pretende-se analisar os requisitos legais para a concessão desses benefícios e, por fim, elencar as dificuldades enfrentadas pelos segurados para a comprovação de sua incapacidade na perícia realizada pelo INSS, destacando o agendamento pericial, o excesso de indeferimento e o impacto causado na vida do segurado com a demora estatal. A análise será feita principalmente com base em pesquisas doutrinárias e números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça.
Fonte: Alice Ferreira Betoni
INTRODUÇÃO
A nossa Constituição Federal vigente atualmente desde 1988 instituiu o Estado Social Democrático de Direito, delegando a responsabilidade ao poder público, de garantir a todos os cidadãos brasileiros um conjunto de direitos que possibilite a construção de uma sociedade justa e igualitária em diversos âmbitos jurídicos. Em função disso, o Estado ganhou um papel fundamental na realização da justiça social, principalmente no processo de eliminação das desigualdades e na prevenção aos riscos sociais.
No que tange aos direitos sociais expressos na Constituição Federal, está o direito à previdência social, incluído no art. 6º da Constituição brasileira, que determina que o regime de previdência brasileira só será constitucional se houver a cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, idade avançada, maternidade, desemprego involuntário e garantindo aos dependentes do segurado auxílio-reclusão e pensão por morte. Em outras palavras, a Constituição proíbe que haja uma proteção deficiente e que não seja capaz de assegurar plenamente as pessoas contra as eventualidades supracitadas.
A previdência social é um direito de prestação, ou seja, que demanda do Estado recursos financeiros necessários ao cumprimento da lei. Os filiados dependem diretamente dos recursos financeiros e orçamentários do Estado. Sendo então, a previdência social um direito previsto constitucionalmente e, dessa forma, protegido pelo princípio da proibição ao retrocesso, onde deveria-se vislumbrar melhorias para os segurados que necessitam do respaldo Estado.
A metodologia empregada neste artigo é de caráter bibliográfico, em que foram utilizadas referências disponíveis em artigos e livros, bem como na Constituição Federal de 1988 e na legislação referente ao direito previdenciário para o embasamento teórico deste estudo. Este trabalho se subdivide em três sessões. Na primeira, intitulada “requisitos para concessão do benefício por incapacidade”, que sustentará a necessidade da contrapartida do segurado para a efetivação do Estado Democrático de Direito. A posteriori, a discussão versará sobre dificuldades enfrentadas pelo segurado na concessão do benefício previdenciário. Por fim, serão analisadas de modo conclusivo
A relevância primordial dessa pesquisa é abordar e identificar as principais objeções que os filiados do Regime Geral da Previdência Social enfrentam na comprovação da sua incapacidade por meio da realização da perícia. Para que possam ter a mínima condição de subsistência em casos de afastamento por incapacidade laboral, seja por tempo determinado ou indeterminado.
Trata-se do questionamento do prejuízo a saúde do filiado no que tange a demora ou indeferimento indevido das perícias,, quando incapacitado, o indivíduo que exerce a atividade laboral não somente tem uma preocupação pessoal, mas sim abrange toda uma estrutura familiar. Por muitas vezes, necessitando do auxílio para o mínimo da subsistência de sua família, trazendo em tela que a incapacidade possui consequências que atingem a vida interpessoal do trabalhador.
1. SEGURIDADE SOCIAL
Presente em diversos países do mundo, os Sistemas Previdenciários são de suma importância no controle social. Deve-se frisar que esses sistemas são bastante diferentes entre si, mas todos eles possuem uma conformidade, que é a função de assistir, por meio de recursos financeiros, os trabalhadores que, por diversas razões alheias à sua vontade, encontram-se afastados do mercado de trabalho.
Hoje o sistema previdenciário está sob a responsabilidade do Estado, é importante destacar que não foi por iniciativa do Estado que a previdência social surgiu, mas, sim, do movimento de trabalhadores no início do século XX.
De acordo com Tafner , a previdência social é um seguro social, cujo objetivo é repor a renda do trabalhador ou de seu grupo familiar, seja de maneira parcial ou total, quando estes se encontrarem numa situação de perda da capacidade laborativa total ou parcial, seja por motivo de doença, morte ou invalidez, desde que o trabalhador esteja inserido no programa de previdência, ou seja, esteja assegurado.
O autor vem a explicar que apenas estará protegido o indivíduo que estiver vinculado ao sistema. Pois a Previdência Social tem caráter contributivo conforme previsto no art. 201, caput, da Constituição Federal de 1988.
Sendo assim, todo segurado contribui com base em sua renda mensal de forma obrigatória ou facultativa e, na ocorrência de umas das hipóteses de eventos de incapacidade laborativa pela idade, doença ou enfermidade incapacitante (invalidez), ou decorrente de morte do segurado (pensão por morte), fazem jus ao recebimento de um benefício correspondente ao valor de sua contribuição.
A iniciativa de previdência no Brasil não foi do Estado. No início do século XX, trabalhadores se reuniram e criaram um fundo de auxílio mútuo para que não ficassem desamparados quando sobrevivessem à velhice ou incapacidade para o trabalho. então aos poucos, o Estado foi se inserido, sendo sua primeira intervenção quando promulgou a Lei Eloy Chaves. Promulgada em 24 de janeiro de 1923, determinou a criação da CAP – Caixa de Aposentadorias e Pensões pela companhia ferroviária do país, e assim naquele mesmo ano, outras 27 empresas criaram as suas próprias Caixas de Aposentadorias e Pensões.
As CAP’s - Caixas de Aposentadorias e Pensões foram se expandindo para outras categorias funcionais, chegando a ter 180 pelo país, instituídas para categorias funcionais diversas. Em 1930, haja vista as transformações econômicas no Brasil, o Estado assume a administração previdenciária e institui o custeio da previdência social pela primeira vez, criando o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos – IAPM e, posteriormente, outros institutos para diferentes categorias profissionais ao longo daquela década.
Após mais de vinte anos da instauração das CAP’s, muitas decisões prejudiciais para os trabalhadores foram tomadas. Houve muita discussão sobre a necessidade de mudanças para a uma previdência social. Nesse contexto de necessidade, surge então em 1960, a essencial Lei Orgânica da Previdência Social, que, dentre outras mudanças, possibilitou a ampliação do rol de segurados da previdência social para incluir os beneficiários do auxílio-maternidade, auxílio-natalidade, auxílio-funeral e auxílio-reclusão.
Alguns anos depois, em 1966, vem a surgir o INPS - Instituto Nacional de Previdência Social como resultado da unificação dos diversos Institutos. Surgiram também novas modificações ao longo das décadas seguintes, dando origem ao IAPAS e ao Dataprev. Este último ainda existe e contém um banco de dados com informações da previdência social. Já os outros institutos fundiram-se dando origem ao conhecido nos tempos atuais como o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, autarquia responsável por administrar os recursos da Previdência Social.
É de suma importância destacar a finalidade da previdência social, que se encontra especificada no art. 1º da Lei no 8.213/91, que dispõe:
“Art. 1º - A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.”
Então, desde as suas primeiras versões a previdência social estava tocada em proporcionar aos trabalhadores que estavam filiados, os meios de manutenção. Sendo que, no primeiro momento essa iniciativa era dos próprios trabalhadores e mais tarde passou a ser responsabilidade do Estado promover os meios e administrar os recursos.
2. REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE
Até a emenda Constitucional 103/2019, os benefícios por incapacidade eram denominados como auxílio doença e aposentadoria por invalidez, tendo os nomes atualmente modificados para benefício por incapacidade temporária e aposentadoria por incapacidade permanente.
Em regra, a carência e qualidade de segurado são requisitos para a concessão de benefício previdenciário. Além desses, será exigido a incapacidade laboral para os benefícios por incapacidade.
2.1 Qualidade de segurado
A qualidade de segurado é adquirida com a filiação ao regime geral de previdência social, que por sua vez ocorre com o exercício de atividade laborativa remunerada (vínculo em CTPS) para os segurados obrigatórios, e pela inscrição e pagamento da contribuição previdenciária para os segurados facultativos (contribuições por carnês ou guias de recolhimentos).
Ou seja, que contribuem com a autarquia previdenciária e em razão disso, possuem o direito de desfrutar de todos os benefícios e serviços provenientes da cobertura previdenciária, passando a adquirir direitos e deveres.
Sendo assim, a manutenção da qualidade de segurado é simplesmente mantida pelas contribuições mensais. O artigo 15, inciso I, da Lei 8.213/91 prevê as formas de se manter a qualidade de segurado independentemente de estar vertendo contribuições:
“Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Nos períodos e taxação acima citados, o segurado mantém essa qualidade apesar de não verter contribuições ao sistema.
2.2 Carência
A contribuição vertente para o INSS tem uma finalidade muito clara que é garantir que, quando o contribuinte precisar, poderá desfrutar dos benefícios da Seguridade Social. Entretanto, é importante evidenciar que não basta pagar a contribuição para ter esse direito. É preciso preencher um requisito importante: o cumprimento do período de carência do INSS.
Carência é um tempo mínimo de contribuições efetuadas ao INSS para que o segurado ou seu dependente possa ter direito a receber um benefício, e o seu período é contado em meses e não em dias.
Então, é o número mínimo de contribuições mensais que o trabalhador ou contribuinte individual deve verter ao INSS antes que possa receber certo benefício de seguridade social. Ou, de acordo com a Lei 8.213 de 1991:
Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.
Existem regras gerais da realização da contagem da carência e são designadas a tipos distintos de segurados. Como por exemplo:
I- Empregados (incluindo empregados domésticos) e autônomos, nestes casos, o cálculo da carência inicia-se no primeiro dia do mês de adesão ao RGPS.
II- Contribuintes Individuais, Contribuintes Facultativos e Segurados Especiais, nestes casos, o início do período de cálculo da carência corresponde à data do efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso. Ou seja, a carência começa no dia em que o trabalhador paga a primeira conta do INSS sem atraso.
É importante notar que um período de carência não é necessário em todos os casos. Os benefícios que exigem um período de carência antes do direito são auxílio-doença, aposentadorias, salário maternidade e o auxílio reclusão.
Os que não exigem, ou seja, não requerem tempo mínimo de contribuição que é a carência para usufruir é o caso de pensão por morte e auxílio-acidente e também os benefícios assistenciais como o BPC - LOAS para idosos e deficientes.
Ressalta-se também que os benefícios de aposentadoria por idade ou invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão e auxílio-morte não exigem carência para os segurados especiais.
O período de carência para cada benefício está demonstrado na tabela abaixo:
|
BENEFÍCIO |
CARÊNCIA |
|
auxílio doença |
12 contribuições mensais |
|
aposentadoria por invalidez |
12 contribuições mensais |
|
auxílio reclusão |
24 contribuições mensais |
|
aposentadoria por idade |
180 contribuições mensais |
|
salário maternidade |
10 contribuições mensais |
|
segurado especial / rural |
12 meses de exercício |
É importante lembrar que além das informações acima, existem muitos outros fatores que podem afetar a distribuição dos benefícios da Previdência Social.
2.3 Conceito de incapacidade e de invalidez
O conceito de incapacidade laborativa do manual de perícias médicas da previdência é bem objetivo e sintetizado, não dando margens a uma classificação funcional nos termos da CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, e nem mesmo biopsicossocial como vem consolidando a jurisprudência.
Mesmo com a limitação conceitual, é possível extrair do texto médico normativo que a incapacidade laborativa, a priori, tem relação com a profissão habitual do periciando.
Saber estabelecer, portanto, o nexo entre as patologias e sintomatologias com as atividades inerentes à profissão de segurado é fundamental para uma correta conclusão pericial e apresentação do conceito de incapacidade.
“4.1 – Incapacidade laborativa é a impossibilidade de desempenho das funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência de alterações morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente. “
“4.1.1 – O risco de vida, para si ou para terceiros, ou de agravamento, que a permanência em atividade possa acarretar, será implicitamente incluído no conceito de incapacidade, desde que palpável e indiscutível.’’ (grifo da nosso)
Dentro desse conceito de incapacidade podemos adentrar no benefício por incapacidade temporária, que é quando o trabalhador se encontra impossibilitado de trabalhar por motivo de doença, acidente ou por determinação médica, durante os primeiros 15 dias de afastamento é dever do empregador custear sua remuneração referente a esse período. Contudo, uma vez que o período de afastamento excede esse limite, passa a ser responsabilidade da previdência social conceder benefício que possibilite a manutenção desse segurado. Podendo assim, requerer o auxílio-doença que é um benefício por incapacidade temporária.
Acerca desse benefício, Castro e Lazzari lecionam:
“O auxílio-doença é um benefício concedido ao segurado impedido temporariamente de trabalhar por doença ou acidente, ou por prescrição médica (por exemplo, no caso de gravidez de risco) acima do período previsto em lei como sendo de responsabilidade do empregador e, nos demais casos, a partir do início da incapacidade temporária.”
Portanto o conceito de incapacidade está atrelado ao tempo, nesse sentido temporário. E no o auxílio-doença pode ser concedido tanto em razão de doença comum como em decorrência de acidente de trabalho, sendo denominados, respectivamente, como auxílio-doença previdenciário e auxílio-doença acidentário.
Já o conceito de invalidez está atrelado ao benefício por incapacidade permanente, que nada mais é do que a aposentadoria por invalidez. A Lei no 8.213/91, em seu art. 18, inciso I, alínea a, apresenta a aposentadoria por invalidez como uma das prestações devidas pelo Regime Geral de Previdência Social ao segurado. Esse benefício, após a EC no 103/2019, passa a ser denominado benefício por incapacidade permanente, conforme se verifica no art. 201, I, da Constituição Federal de 1988 e Martinez explica:
“Juntamente com o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez é benefício de pagamento continuado, de risco imprevisível, devido à incapacidade presente para o trabalho. É deferida, sobretudo, se o segurado está impossibilitado de trabalhar e insuscetível de reabilitar-se para a atividade garantidora da subsistência. Trata-se de prestação provisória com nítida tendência à definitividade, geralmente concedida após a cessação do auxílio-doença.”
Portanto, assim como o auxílio-doença, no benefício por incapacidade permanente é necessário que o segurado esteja incapacitado para o trabalho. Contudo, a diferença está no caráter temporário do auxílio-doença em oposição ao caráter de permanência da anteriormente denominada aposentadoria por invalidez.
O § 1º do art. 42 da Lei 8213/91 exige a realização de exame médico-pericial para a constatação da incapacidade e invalidez, que deve ser realizado em uma APS - Agência da Previdência Social ou na Justiça Federal, órgão esse responsável pelas demandas judiciais em que a Autarquia é ré.
3. DIFICULDADES ENFRENTADAS PELO SEGURADO
Mesmo com toda proteção constitucional, a prestação de serviços relacionados à saúde, assistência e previdência social é deficiente.
A Previdência Social vem arrastando uma crise que já dura décadas, além da imensa dificuldade de funcionamento presencial de forma contínua, organizada e eficaz. Uma das dificuldades mais comuns são as filas de espera para o segurado comparecer perante um perito ou analista e comprovar que faz jus ao recebimento de seu benefício previdenciário.
Os serviços tem se mostrado cada vez mais precários, faltam médicos peritos, local devidamente adequado com acessibilidade aos segurados e uma devida acomodação e equipamentos aos servidores para que possam exercer dignamente o seu trabalho.
Diante desses fatores, torna-se importante a opinião de Carvalho e Murgel (2007) sobre o modelo do Estado do Bem Estar Social e a crise previdenciária brasileira:
‘’Sabe-se que o Estado do Bem Estar Social, o Estado Providência, eminentemente protecionista, é um modelo desestruturado e esgotado. Por outro lado, a prestação positiva dos direitos sociais não pode permanecer no alvedrio da vontade do legislador ou dos governantes, embora esteja na dependência do orçamento do Estado. Ora, trata-se de dever e obrigação do Estado zelar pela proteção dos direitos sociais, de forma positiva.’’
Não se pode afirmar que o crescimento das entidades de previdência complementar/privada são responsáveis por um impacto financeiro negativo aos cofres públicos, sob a alegação de que o segurado destinaria suas contribuições para outro regime que não seja o público. O comprometimento dos benefícios prestados pelo Regime Geral de Previdência Social verte principalmente a má gestão pública.
3.1 Agendamento de Perícia Médica
Instabilidade no sistema, falta de servidores e o aumento da demanda que cresceu após o Covid-19 são os pontos principais na demora no agendamento das perícias médicas nas Agências da Previdência Social.
Atualmente existem 1.110 agências em todo o país, conforme informação extraída do site do Governo Federal (Gov.br), agências essas que poderiam ser suficientes para todas as demandas, mas na prática não são. Atualmente no Espírito Santo existem 31 que não demonstram ser suficientes para toda a demanda existente.
O agendamento da perícia médica administrativa pode ser feito tanto pelo site, quanto pelo canal/ouvidora da própria Autarquia, então o INSS tem um prazo de 45 dias para agendamento de perícia, ou seja, para análise do requerimento. Mas é sabido que isso na maioria das vezes, para não dizer todas, não acontece.
Atualmente, para muitas agências do estado, os atendimentos presenciais estão sendo marcados para mais de 45 dias de comparecimento.
Sendo assim o contribuinte lesado pela demora excessiva e a extrema necessidade de sustentar-se. Permanecendo por muitas vezes afastado de suas atividades laborais por um tempo não planejado, devido a displicência da Autarquia.
3.2 Indeferimentos Administrativos x Concessão Judicial
A Autarquia em dado momento comprometeu-se em um acordo com o Ministério Público Federal concluir as perícias médicas para concessão de auxílios e benefícios previdenciários em um prazo de 45 dias até 90 dias, a depender do benefício pretendido.
A morosidade causa muitos prejuízos aos segurados, a realização da perícia é requisito essencial e inafastável para a concessão dos benefícios por incapacidade e a demora na sua realização prejudica o trabalhador e sua família. Outro problema relativo à análise dos benefícios por incapacidade, sobretudo quando se fala do benefício por incapacidade permanente, é o grande número de negativas na concessão do benefício com base na perícia.
A perícia médica não pode ser o único requisito,devendo ser levado em conta outros aspectos: sociais, ambientais e pessoais para analisar a possibilidade de retorno ou afastamento definitivo do segurado ao trabalho.
Muito frequentemente os segurados precisam recorrer ao judiciário para verem concedidos os seus requerimentos. .Pois a morosidade do INSS na realização da perícia ou na apreciação do requerimento é tão grande que deixa o segurado sem alternativa. Prova disso é que mesmo tendo firmado acordo com o Ministério Público Federal, o INSS ainda excede os prazos acordados, ou seja, não observa o prazo legal, tampouco o acordo firmado.
O excesso de negativas é outro ponto que abarrota o judiciário de ações previdenciárias. Sendo extremamente necessário recorrer ao direito por vias judiciais e não administrativas, negativas errôneas ou análises não concluídas são extremamente comuns.
Uma pesquisa encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2020, Constatou-se que a maioria dos indeferimentos ocorre em razão de divergência entre o pedido do segurado e o parecer da perícia médica. Identificou também um aumento no tempo médio para análise dos requerimentos.
A pesquisa mostra, ainda, que a maior causa de indeferimento dos benefícios, cerca de 28%, se dá em razão de emissão de parecer contrário na perícia médica, o que representa 1.147.026 benefícios negados. Sendo que parte considerável desses benefícios tem decisão reformada na esfera judicial.
Não obstante toda a demora administrativa, o processo judiciário levará certo tempo para ser julgado devido a todos os trâmites necessários. Toda essa judicialização, e consequentemente a saga enfrentada pelos segurados no momento de grande vulnerabilidade, poderia ser evitada, por exemplo, se a perícia médica se limitasse ao pedido feito pelo segurado ou se os prazos para análise dos requerimentos fossem respeitados pela autarquia.
3.2.1 Impacto na vida do segurado a espera da resposta estatal
É sabido que o segurado somente procura de fato o seu direito como contribuinte em caso de extrema necessidade atualmente no Brasil. Visto que, nenhum cidadão quer passar por todo o transtorno que o requerimento apresenta.
Hoje existem dois grandes impactos que afetam diretamente a vida do contribuinte e sua subsistência: a demora excessiva no agendamento das perícias e consequentemente o limbo previdenciário. Onde o contribuinte não recebe nem do INSS e nem do seu empregador, não consegue retornar ao trabalho mesmo que autônomo, e não consegue em tempo justo o comparecimento na perícia. O que evidentemente compromete a sua subsistência e de sua família.
O brasileiro que depende em sua grande maioria depende da previdência social para subsistência, e se esse sistema não funciona acarreta inúmeros transtornos. A falta de alimentação digna na mesa do trabalhador que é chefe de família é a principal delas.
E não somente na alimentação muitas famílias são prejudicadas, mas ao necessitar e procurar o respaldo da previdência social o segurado está enfermo, necessitando da pecúnia, ou seja, do deferimento do benefício para prosseguimento em tratamentos e compras de medicações.
Então, o indeferimento e principalmente a espera excessiva podem ocasionar danos irreparáveis no cunho pessoal e familiar.
4. CONCLUSÃO
O presente artigo foi dedicado à análise das normas previdenciárias, principalmente aquelas relacionadas à concessão de benefícios por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) e temporária (auxílio-doença), com o objetivo de identificar os problemas enfrentados pelos segurados quando do requerimento desses benefícios. Percebeu-se, assim, um aumento do número de indeferimento desses benefícios, em que a grande maioria se deve à perícia médica.
Iniciou-se com um importante destaque na Seguridade Social e estudo da história da Previdência Social pelo mundo. Assim como a responsabilidade da Previdência Social no Brasil e a busca por melhoria dos trabalhadores no início do século XX e criação da primeira CAP - Caixa de Aposentadorias e Pensões e o surgimento das INPS - Instituto Nacional de Previdência Social, hoje fundidos e conhecidos como o INSS - Instituto Nacional do Seguro Social.
Posteriormente foi abordado os requisitos para a concessão de um benefício por incapacidade, sendo elas a carência e qualidade de segurado como primordiais, prosseguimento com a comprovação da incapacidade laborativa.
Abordou-se em seguida sobre o conceito de incapacidade e invalidez, adentrando nos benefícios temporários e permanentes. Como o auxílio doença e a aposentadoria por invalidez.
Por fim, abordou-se a dificuldade enfrentada pelo segurado no agendamento das perícias, que é essencial para a análise dos benefícios por incapacidade e concessão dos benefícios. Dando ênfase nos problemas enfrentados pelo segurado desde o agendamento até a sua análise resultando na maioria das vezes na não concessão do benefício previdenciário. Em uma clara cultura de indeferimento, que prejudica muito os segurados, abarrota o poder judiciário e o próprio INSS, sendo necessária uma mudança no modelo de gestão e funcionamento da autarquia de modo a proporcionar maior efetividade e eficiência.
REFERÊNCIAS
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CARVALHO, Fábio Junqueira; MURGEL, Maria Inês. Tributação de Fundos de Pensão. Belo Horizonte: Decálogo, 2007.
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TAFNER, P. Seguridade e previdência: conceitos fundamentais. In: TAFNER, P.; GIAMBIAGI, P. (Org.). Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas. Rio de Janeiro: IPEA, 2007. p. 40.
Sobre os autores: Alice Ferreira Betoni - Graduanda do 9º período de Direito da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim. Valber Cruz Cereza - professor orientador
Fonte: JornalJurid