Casal não inscrito na lista de adoção garante a guarda provisória de menor
por Cynthia Amaral Campos
sexta-feira, 08 de janeiro de 2010, 19h02
Data de publicação: 16/12/2008Criança adotada fora do cadastro de adoção ficará com os adotantes (Fonte: www.stj.jus.br)
Criança adotada por casal não cadastrado em lista de adoção continuará sob a guarda dos adotantes. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não atendeu a recurso do Ministério Público de Santa Catarina e manteve decisão de segunda instância segundo o qual a ausência do casal no cadastro de pretendentes à adoção, por si só, não configura situação de risco e não afasta de maneira definitiva a possibilidade de adoção.
O Ministério Público (MP) recorreu ao STJ após a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que concedeu a guarda provisória da menor aos adotantes. Para o TJ, não se deve afastar uma criança dos braços de quem a acolhe desde o nascimento e cujo requerimento de adoção já foi efetuado.
Em sua defesa, o Ministério alegou que o processo de guarda e adoção deve observar as cautelas legais que se destinam à proteção da criança e à garantia da idoneidade do procedimento, entre elas, o cadastro judicial de pretendentes à adoção. Além disso, a adoção deve ser assistida pelo Poder Público, o que não aconteceu no caso. Por fim, argumentou que o cadastramento é indissociável da validade da colocação em família substituta, sem que o instituto e o Estado percam sua razão de ser, favorecendo adoções prontas. De acordo com o MP, esse procedimento dá margem a situações que, em vez de proteger a criança, podem transformá-la em instrumento de barganha ou negócio.
O relator, ministro Aldir Passarinho Junior, destacou que a questão foi decidida à luz das circunstâncias fáticas e do acervo probatório dos autos, entendendo-se que a solução mais adequada e que melhor atende aos interesses da criança é a permanência sob a guarda provisória dos adotantes.
O ministro destacou também que rever o posicionamento somente se faz possível, por um lado, com um cotejo pormenorizado entre as circunstâncias fáticas e sociais em que colocada a criança provisoriamente e, de outro lado, a eventual situação em que ficaria a menor caso retirada dos adotantes e colocada à disposição do Serviço Social, o que recai no óbice da Súmula n. 7 do STJ.
NOTAS DA REDAÇÃO
No caso em debate, o Ministério Público recorreu do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que concedeu a guarda a um casal que não estava inscrito na lista de adoção. O Parquet argumenta que, por esta razão, estaria configurada a guarda irregular da criança pelo casal adotante.
Contudo, a decisão foi mantida sopesando as circunstâncias fáticas e o acervo probatório dos autos, pois garantia uma melhor condição para a criança adotada, em detrimento da burocracia elaborada para proteção do infante.
Prova disso é o fato dos adotantes auxiliarem a mãe biológica da criança pretendendo adotá-la regularmente, muito embora não se encontrassem cadastrados na lista de casais interessados à adoção. Não trata-se de adoção à brasileira, pois logo após o nascimento, o casal ingressou com pedido de adoção, objetivando regularizar a situação.
O relator do TJ/SC, Jorge Schaefer Martins, entendeu que "A situação de risco estaria evidenciada na hipótese de se observar, mediante estudo social, relatório de Conselho Tutelar ou informações confiáveis, que a criança estivesse sendo submetida a maus tratos, não estivesse recebendo a atenção e cuidados indispensáveis à sobrevivência e crescimento de um recém-nascido, fossem os agravantes pessoas irresponsáveis, absolutamente inaptas para cuidar de criança etc."
Nesse sentido foram colacionados os seguintes arestos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADOÇÃO. POSSE DE FATO DA CRIANÇA POR QUATRO MESES COM CASAL ADOTANTE. BUSCA E APREENSÃO DO MENOR INDEFERIDA. ESTUDO SOCIAL FAVORÁVEL À MANTENÇA DA CRIANÇA COM O CASAL ADOTANTE. RECURSO DESPROVIDO.
Não se deve afastar uma criança dos braços de quem a acolhe desde o nascimento, cujo requerimento de adoção já foi efetuado, a pretexto de inobservância cadastral de pretendentes à adoção, a não ser que se comprove de plano a inabilitação moral para o ato.
Omissis. (Agravo de instrumento n. 99.017563-4, de Pomerode, rel. Des. Carlos Prudêncio, j. 17/10/00)
APELAÇÃO CÍVEL - PEDIDO DE ADOÇÃO - CONCORDÂNCIA DOS PAIS - ESTUDO SOCIAL FAVORÁVEL - NÃO INCLUSÃO NA LISTA DE INTERESSADOS EM ADOÇÃO DA COMARCA - FORMALISMO LEGAL NÃO SUPERIOR AO INTERESSE DA CRIANÇA - ESPORÁDICA MANUTENÇÃO DE CONTATO COM O PAI BIOLÓGICO - PREJUDICIALIDADE FUTURA - SUPOSIÇÃO - DEFERIMENTO DA MEDIDA - PROVIMENTO RECURSAL
Não pode um formalismo legal, ainda que de extrema importância, sobrepujar os interesses de umacriança manifestados no caso concreto. Embora seja a inscrição no cadastro de interessados à adoção uma determinação legal, a sua ausência não pode servir de óbice ao deferimento dessa medida, sobretudo quando o infante já desenvolve há anos laços de afetividade com os adotantes e todas as demais situações lhes são favoráveis (Apelação cível n. 03.007437-6, de Orleans, rel. Des. José Volpato de Souza, j. 20/10/03).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE VERIFICAÇÃO DE SITUAÇÃO DE RISCO PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - CRIANÇA ENTREGUE PELA MÃE A TERCEIROS NÃO CADASTRADOS NA COMARCA - PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO DO MENOR DEFERIDO PELO JUÍZO A QUO - IMPOSSIBILIDADE - PREVALÊNCIA DO INTERSSE DO INFANTE, QUE VIVE EM COMPANHIA DOS ADOTANTES DESDE O NASCIMENTO - AGRAVANTES COM CONDIÇÕES MORAIS E ECONÔMICAS - RECURSO PROVIDO.
Não se deve afastar uma criança dos braços de quem a acolhe desde o nascimento, cujo requerimento de adoção já foi efetuado, a pretexto de inobservância cadastral de pretendentes à adoção, a não ser que se comprove de plano a inabilitação moral para o ato.
Revelando o estudo social a boa índole da família adotante e o carinho e amor conferidos ao menor, é de indeferir-se pedido de busca e apreensão deste, requerido pelo Ministério Público, porquanto silogismos críticos, impostos à simples leitura de texto legal, não podem prevalecer sobre o bem-estar da criança" (AI n. 99.017563-4, Des. Carlos Prudêncio). (Agravo de Instrumento n. 02.016110-7, de Orleans, rel. Des. Mazoni Ferreira, j. 17.10.02).
Nesse contexto, prossegue o relator:
"Não se trata, por óbvio, de questão meramente de direito. Cuida-se de matéria que se refere a envolvimento emocional, disposição de acolher como sua criança estranha, buscar entregar amor, proteção, enfim, doar-se em prol de outrem, com o fito de proporcionar-lhe melhores condições de vida e expectativa de um futuro melhor."
Desta feita, a ausência do casal no cadastro de pretendentes à adoção não seria suficiente para configurar situação de risco.
Por fim, foram colacionados trechos da doutrina:
"O artigo em tela menciona a forma como se deve interpretar o Estatuto. O fim social é o de proteção integral da criança e do adolescente e o bem comum é o que atende aos interesses de toda a sociedade. Os direitos e deveres individuais e coletivos são elencados no ECA, relativos à criança e ao adolescente.
Entendemos que 'a condição peculiar da criança e do adolescente' deve ser o principal parâmetro na aplicação das medidas na Vara da Infância e Juventude. Obedecidos os critérios legais, as autoridades devem procurar as medidas mais adeqüadas à proteção da criança e do adolescente." (ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Atlas, 1998, p. 28)
"Certamente, deve-se levar em conta o fato de que todas as decisões mais importantes são a cargo dos adultos. Mas reconhece-se formalmente que existe uma categoria de cidadãos - as crianças - que têm seus próprios interesses específicos, os quais nem sempre coincidem - e às vezes contrastam - com os dos adultos. Esta categoria não pode proteger-se por si mesma, não tem força contratual dentro da sociedade, não vota e não protesta. Por conseguinte, os adultos responsáveis - não só os pais, mas também, e sobretudo, aqueles que tomam decisões coletivas que envolvem milhões de crianças (administradores, políticos e aqueles que detêm o poder econômico) - são investidos da responsabilidade de exercitar os direitos fundamentais das crianças em seu lugar.
O comportamento destes adultos deverá, portanto, ser avaliado, política mas também juridicamente, por sua conformidade aos verdadeiros interesses da criança, por sua adequação à função de representar aquela categoria especial de cidadãos.
Esta também é uma declaração programática do Estatuto, a qual poderá e deverá ser levada em conta pelos operadores do Direito; talvez uma das mais importantes, se estes souberem fazer bom uso dela, na prática." (CURY, Munir; AMARAL E SILVA, Antonio Fernando e MENDES, Emílio García (coordenadores). Estatuto da criança e do adolescente comentado. 3. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 19/20).