Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Vítimas de crimes sexuais: atendimento psicológico

por LUIZ FLÁVIO GOMES e ÁUREA MARIA FERRAZ DE SOUSA

sexta-feira, 28 de maio de 2010, 17h07

A região sul do país, dentre outras, com freqüência nos revele surpresas dignas de elogios. Exemplo disso é, dentre outros, a bandeira que lá foi levantada pela distinguida Maria Berenice Dias (ex-desembargadora do Rio Grande do Sul) acerca do reconhecimento das uniões homoafetivas.

O juiz Iolmar Alves Baltazar, da Comarca de Balneário Camboriú, ao condenar um homem pela prática de atentado violento ao pudor contra uma menina de nove anos (hoje, estupro de vulnerável – art. 217-A, CP) ressaltou a relevância de a vítima ser acompanhada por profissionais psicológicos sem deixar de respeitar, paralelamente, os direitos e garantias fundamentais do acusado.

Em notícia publicada oficialmente na página do TJ/SC informou-se o seguinte sobre a decisão:

Na sentença condenatória, o juiz Iolmar Baltazar frisou a necessidade de a vítima poder contar com acompanhamento psicológico.

“Considero que o tratamento psicológico por parte da vítima de delitos sexuais constitui importante processo restaurativo, à medida que pode impedir que o abusado seja um abusador no futuro, em razão de um comportamento socialmente inadequado ou pervertido, incluindo psicopatologias no campo da sexualidade”, registrou o magistrado.

Em outro ponto, ele exige, também, que o cumprimento da pena pelo réu ocorra dentro do que preceitua a Lei de Execuções Penais (LEP).

“Malfere também a Constituição o administrador que não providencia prisões adequadas para o recolhimento de segregados, bem como o julgador que, ciente desse descaso histórico dos poderes constituídos, torna-se cúmplice, ordenando o cumprimento cego da norma legal em ambientes com hiperlotação carcerária”, explicou. O réu, que aguardou o julgamento em liberdade, poderá recorrer da sentença também nessa condição.

Fonte: www.tjsc.jus.br

A decisão retrata alto nível de consciência e responsabilidade por parte do julgador, encontrando-se em perfeita consonância tanto com os postulados da Vitimologia como com os princípios civilizatórios norteadores do cumprimento pena.

A humanidade como princípio do Direito penal proíbe qualquer tratamento cruel, desumano ou degradante e, ao mesmo tempo, impõe respeito à integridade física do detento, a separação dos presos, dentre outras medidas.

A base internacional do princípio reside na Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo art. V prevê: Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou punições cruéis, desumanos ou degradantes. Assim também, a regra 6.2 – das Regras de Tóquio sobre penas alternativas – refere-se expressamente à humanidade com que deve ser administrada a prisão preventiva. No campo interno, a própria Lei Maior serve de apoio para a construção do referido princípio ao considerar como fundamento do Estado a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), ao proibir penas degradantes (art. 5º, III), ao impor a individualização da pena (art. 5º, XLVI) etc.

Com isso, é possível concluir que, na verdade, o princípio da humanidade é válido e informador de todo e qualquer tipo de intervenção penal no âmbito dos direitos fundamentais da pessoa. Na louvável decisão em apreço constatamos o mais respeitoso tratamento aos direitos fundamentais da pessoa. Vítima e réu foram devidamente tratados como pessoas humanas merecedoras do devido respeito imposto constitucionalmente dentro de suas respectivas condições. Nos crimes sexuais contra crianças a tendência (atávica) é prestigiar a vítima em total detrimento dos direitos dos acusados. Sabiamente o juiz soube conciliar os direitos de todos os envolvidos (e não transformou o réu numa vítima do mau funcionamento do sistema penal).

Como se sabe, um dos fatores prováveis para o apontamento da possível tendência pedófila de um adulto é o fato de, na sua infância, ter sido vítima de abuso sexual. Atento a essa realidade, o juiz indicou o necessário acompanhamento psicológico à criança em questão, ressaltando que a medida se faz necessária ao impedimento de que o ora agredido se torne no futuro um possível agressor.

Por outro lado, ao permitir que o réu permanecesse em liberdade durante toda a instrução criminal (pois, certamente, não se evidenciou a necessidade da segregação cautelar) bem como que faça uso do seu direito ao duplo grau de jurisdição também em liberdade, garantiu ao réu a observância aos seus direitos fundamentais. Atrás de um infrator, não se pode esquecer, há uma pessoa humana que, ressalvada a devida resposta estatal merecedora por ter transgredido a norma e perturbado a paz social com sua conduta, também é merecedora de respeito e tem em seu favor direitos mínimos a serem observados, como a proibição do tratamento desumano.

Que a decisão sirva de exemplo e que se espalhe em todo o território nacional: tanto a Vitimologia como os Direitos Fundamentais dos acusados devem merecer a devida atenção de todos os juízes.

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