Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

A iseminação depois da morte

terça-feira, 08 de junho de 2010, 13h52

A inseminação depois da morte

(07.06.10)

 

Por José Carlos Teixeira Giorgis,
desembargador aposentado e coordenador do Memorial do Judiciário.
 
O roteiro da novela conta que o pai preserva o sêmen do filho, agora falecido, para usá-lo em candidata de sua eleição, gerando herdeiro para seu rendoso centro médico.
 
O tema se parece com fato acontecido na França e que originou jurisprudência recorrente sobre a inseminação póstuma.
 
Dois jovens passam a conviver; semanas após a união surgem sintomas de câncer nos testículos do varão; assustado, antes de submeter-se à quimioterapia que o ameaça com a esterilidade, opta em depositar seu esperma numa clínica de conservação, para uso futuro.
 
Em fase terminal da doença acontece a boda in extremis, e alguns meses após o óbito, a jovem comparece em busca das células guardadas, intentando o projeto; a empresa recusa a restituição por falta de previsão legal, instaurando-se litígio.
 
No processo se discute a titularidade do material; uma parte alude um contrato de depósito; o setor médico defende que o produto é coisa fora de comércio, e que no território francês não há regra que autorizasse a técnica depois da morte.
 
Após anos de debate o tribunal condena a clínica a devolver o motivo da discórdia, impondo indenização em caso de delonga; porém a intervenção fracassa, pois os espermatozóides não estavam mais potencializados para a fecundação.
 
O aproveitamento de material depositado para uso póstumo é assunto controvertido nos diversos ordenamentos jurídicos: é vedado nas legislações alemã, sueca, francesa; as regras espanholas também a proíbem, embora garanta os direitos do nascituro, desde que haja declaração feita em escritura pública ou testamento; as normas inglesas a aceitam, mas sem direitos hereditários, salvo documento expresso; a lei portuguesa também o interdita, seja no casamento ou na união de fato.
 
Além das questões jurídicas, como definir a quem toca a decisão sobre o esperma ou embrião depositado ou quais as responsabilidades da clínica de fertilização, uma das indagações relevantes é que a criança assim nascida não se beneficia de estrutura biparental de filiação, eis que já condicionada a uma família monoparental: ou seja, o filho já nasce órfão de pai, o que afeta seu desenvolvimento, onde paternidade e maternidade constituem valores sociais eminentes.
 
Como diz a psiquiatria, o recém-nascido é reduzido ao papel subalterno de continuador simbólico de vida conjugal prematuramente desfeita, pois uma paternidade  artificial torna duvidosa uma maternidade que é bem real no plano biológico.
 
Outra incidência se refere aos direitos sucessórios do descendente assim havido achando alguns que se devam firmar limites temporais para se operar a técnica em vista da tramitação do inventário, que pode estar findo antes do nascimento tardio, lembrando-se que muitas nações afastam qualquer direito hereditário.
 
O código atual garante a presunção de paternidade dos filhos nascidos por fecundação artificial com células maritais, mesmo que o esposo tenha falecido; presunção que se contém nos trezentos dias posteriores ao óbito; mas como não há dúvida sobre a origem do patrimônio genético, a interpretação favorável conduz ao entendimento de que a paternidade deva ser assegurada também depois do prazo e até dois anos do decesso.
 
Como óbvio aqui se cuida de esperma marital usado pela viúva; já o manejo pelo pai do sêmen congelado do filho, além das controvérsias jurídicas, envolve graves contornos éticos que somente a ficção pode superar.

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