Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

GAZETA

Entregar para adoção não é crime

segunda-feira, 04 de abril de 2016, 10h24

MYLENA PETRUCELLI
DA REDAÇÃO

As medidas legais que dão aval para mães que engravidam, mas não querem ter seus filhos e pensam em entregá-los para adoção ainda são pouco divulgadas em Mato Grosso. A Justiça Estadual e a Promotoria de Justiça Especializada da Infância e Juventude possuem uma ampla estrutura profissional de acompanhamento psicológico, jurídico e de saúde sobre a entrega para adoção que ainda é pouco procurada pelas mulheres. Apenas entre cinco a 10 gestantes procuram este acolhimento anualmente em Cuiabá.

Conforme explica o promotor de Justiça José Antônio Borges, o procedimento legal adotado pela promotoria é a medida cautelar de proteção ao nascituro, que prevê o acompanhamento psicológico da mãe desde o dia em que ela procura o auxílio jurídico até o período puerperal, para verificar se ela realmente quer entregar seu bebê para adoção e manter sua decisão definitivamente.

Se a medida de proteção é concedida pela Justiça, logo quando a criança nasce ela é encaminhada para uma das Casas Lares Cuiabanas, que são os abrigos públicos de Cuiabá. A mãe tem o período que varia entre 15 e 30 dias para ratificar sua decisão, podendo retomar a maternidade ou permanecer com a decisão de doá-lo. “Esse acompanhamento pré-natal de entrega de filho para a adoção e depois ela sabendo que pode até desistir, ela tem uma segurança e é acompanhada constantemente por um psicólogo”, ressalta o promotor.

Borges correlaciona o acompanhamento adequado no processo de entrega para doação com o aborto, frisando que o procedimento que é enquadrado como crime e traz consequências gravíssimas para a mãe pode acontecer com menos frequência se esse acompanhamento fosse colocado como opção à mulher. “Às vezes o aborto só é visto como uma coisa criminal e nenhuma mulher vai fazer aborto com prazer, é algo muito delicado, é um trauma que gera sequelas para o resto da vida.

Seria muito mais interessante ela ter esse filho, já que por motivos íntimos não pode ter esse filho ou não quer, que entregue essa criança para adoção e não estaria tirando uma vida. Ela estaria muito mais leve espiritualmente falando, sabendo que não abortou e entregou o filho para a adoção”. Além da atual conjuntura legislativa que garante a legalidade na entrega para adoção, no dia 8 de março deste ano foi promulgada uma lei que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) incluindo as mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção dentro de todos os direitos garantidos ao acompanhamento de saúde da gestante, como nutrição adequada, atenção humanizada e atendimento pré-natal, perinatal e pósnatal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Já existia a referência a políticas públicas às gestantes que doam na Lei nº 12.010/2009, mas não era tão específico. Essa lei veio para reforçar essa garantia de saúde do bebê e da mulher”, explica Lindacir Rocha Bernardon, criadora da Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara), instituição que dá o curso de preparação para pais adotivos exigido pela Justiça e realiza diversos trabalhos relacionados à adoção.

MUDANÇA DE CULTURA - Lindacir é defensora “ferrenha” da adoção e inclusive é mãe adotiva. Para ela, é necessário conscientizar as pessoas que não é crime entregar um filho para adoção, pelo contrário, é um gesto de amor e de preservação da vida. “Abandonar um filho é crime. Entregar para adoção é um ato de amor”, afirma. Na visão da criadora da Ampara, a mudança de cultura sobre as mulheres que decidem não criar seus filhos é imprescindível para que o cenário de crianças abandonadas em hospitais, lixões ou em caixas mude em Mato Grosso.

“A mulher tem o direito de escolher se ela quer maternar, se quer ser mãe. Engravidou, ela pode ir até o final da gestação e entregar o filho para alguém exercer esse papel. Nós, mulheres, somos criadas para sermos mães, brincamos de boneca e de casinha desde cedo. Quando aparece alguém com uma mentalidade diferente, normalmente é julgada”, constata Lindacir. Como consequência destes julgamentos e da questão cultural, ela aponta a desassistência na qual se encontram as mulheres nessa situação, que são em sua maioria de baixa renda, já com outros filhos para criar, sem renda para sustentar a família e em situações de vulnerabilidade social.

“São mulheres sofridas, discriminadas, condenadas, abandonadas pelo marido. Tudo isso afasta essas mulheres da Justiça ou de qualquer entidade que queira dar apoio”. Se por um lado a entrega para adoção é legalizada e incentivada pelo Poder Judiciário, a prática de entregar o filho para que uma família conhecida da mãe o adote é crime, caracterizando a chamada entrega direta, conforme explica a assistente social da Ampara, Denise Campos. Apenas a adoção por parte da família extensiva ou a guarda conferida aos avós são previstas pela lei brasileira.

É muito comum gestantes que não querem ficar com seus filhos e optam por não abortar entregarem para alguém que queira cuidar da criança. “A gente ainda vê acontecer vários casos de casais que querem a criança e descobrem que alguém, muitas vezes de bairros de periferia e da zona rural, não quer aquela criança e acompanham a gestante, até pagando as consultas de pré-natal e o parto”, relata Denise. Nesses casos, não há outra saída a não ser a responsabilização criminal da família e a destituição de seu poder sob a criança adotada ilegalmente.

Denise explica que esse ato pode trazer imenso sofrimento tanto à família que ficou com a criança quando ao próprio adotado, que é afastado de quem já estava lhe cuidando e levado ao abrigo para aguardar o trâmite normal da fila de adoção. “O que a gente costuma instruir é que se você está na fila e conhece uma gestante que quer entregar, é uma maneira de fazer a fila andar, mais rápido vai chegar a sua vez de adotar dentro da legalidade, para que não incorra no crime e no sofrimento, que é incalculável para o desenvolvimento da criança”, esclarece a assistente social.

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