Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

GAZETA

Córregos viram esgoto e as nascentes são extintas

segunda-feira, 11 de julho de 2016, 11h26

NATÁLIA ARAÚJO
DA REDAÇÃO

Espalhados por toda a capital, os córregos hoje enfrentam uma dura realidade com a poluição pelo esgoto despejado de forma completamente irregular, bem como a degradação por meio de lixo e também das pessoas que constroem suas moradias às beiras desses pontos. O cenário, infelizmente, caminha para ser cada vez pior, uma vez que as nascentes também têm enfrentado problemas que resultam na sua extinção.

Na Capital, segundo a Defesa Civil Municipal, existem 24 córregos que deságuam nos rios Coxipó e Cuiabá, os outros que percorrem a cidade que vemos quando transitamos pelas ruas, acabam se formando nos períodos de chuva, dando mais força às águas, como é o caso do Mané Pinto, ou ainda aqueles que se originam justamente por causa do esgoto. O exemplo disso, aponta o coordenador do órgão, José Pedro Ferraz Zanetti, é aquele encontrado no Parque Mãe Bonifácia.

“A nascente dele está na avenida Getúlio Vargas, debaixo de um prédio público, mas ela é muito pequena, praticamente não tem mais água, é só o esgoto”. Zanetti aponta que 99% dos córregos estão com as margens ocupadas e com a água comprometida. É o caso do Córrego do Abacaxi, no setor Bela Vista. Uma das casas, está praticamente ilhada em meio à água turva, poluída e com lixo.

Do total, seis córregos são canalizados, totalmente, como é o caso do Mané Pinto, também conhecido com Oito de Abril, por causa da avenida em que ele passa, o Engole Cobra que também sai na mesma avenida e o Córrego do Gambá, cuja nascente está no bairro Lixeira; ou ainda, parcialmente, como o do Barbado, que dentre os locais em passa está a região do Jardim das Américas, Lavrinha, no Parque Cuiabá, e Quarta-feira, próximo à rodoviária, no bairro Despraiado.

Zanetti explica que esse problema atual é resultado do processo de ocupação da cidade, ou seja, as pessoas foram construindo as casas, muitas delas já à beira dos córregos, sem ter a preocupação com as redes de esgoto. “Por exemplo, o bairro Santa Isabel. O córrego passa por baixo da maioria das casas que estão ali”. O coordenador reconhece que para resolver o problema seria preciso realizar o tratamento do esgoto que é lançado nessas águas.

Para isso, seria preciso ainda fazer as redes nas ruas, bem como organizar o direcionamento para uma estação de tratamento, a qual também precisaria ser construída. Para realizar esse tipo de trabalho, destaca Zanetti, seria preciso desapropriar tanto as margens quanto as casas de bairros que foram construídas em cima desses córregos. “Essas pessoas, muitas vezes, moram ali há muitos anos porque a casa foi passando de geração em geração. E também, o processo todo é muito dispendioso”.

O mesmo empecilho é encontrado com relação à limpeza dos córregos, que consiste em um processo muito caro, uma vez que o maquinário necessário precisa ser alugado porque o Município não tem. É ainda demorado, porque é realizado em vários dias e precisa de uma licença do órgão ambiental. “Há ainda a problemática com relação a entrada dessas máquinas no canal que, em alguns casos, é impossível”. Neste ponto, Zanetti aproveita para citar que os próprios moradores das regiões próximas aos córregos contribuem também jogando lixos nessas águas. “Ali podemos achar de tudo praticamente, até mesmo
eletrodomésticos”.

ÁREAS DE RISCO - Essas pessoas que moram irregularmente às margens dos córregos da cidade vivem também no que é definido como zona de risco, devido à alta probabilidade de enchentes, inundações e alagamentos. De acordo com Zanetti, o órgão responsável pela habitação levantou que aproximadamente seis mil famílias viviam nesse tipo de condição. “É preciso retirar essas pessoas, mas também é necessário acompanhar o que acontece depois dessa retirada”.

Zanetti analisa que, na moradia próxima aos córregos, a pessoa não tem despesas, mas ao ir para os residenciais, acaba tendo que lidar com isso, mas sem o devido preparo. “Brigamos pela geração de emprego e renda, além de treinamento e capacitação. Falta esse acompanhamento. Não é só retirar. Esse é o primeiro passo, mas ele acaba voltando”, ressalta. Mas poucos acabam sendo retirados pelos programas sociais, como é o caso do Minha Casa, Minha Vida. Contudo, a Prefeitura de Cuiabá garante que uma vez que essas famílias participam dos programas, a equipe de assistência sempre está em contato com elas e reitera que está à disposição para auxiliá-las.

NASCENTES - o Ministério Público Estadual (MPE) parte na direção contrária e busca uma forma de garantir que as nascentes saiam desse futuro predito e continuem existindo. Pelo menos aquelas que ainda são passíveis de recuperação. Essa é a proposta do projeto “Água para o futuro”. Essas nascentes foram identificadas e chegou-se a um total de 107. Deste número, 19 foram confirmadas como tal. Para esse trabalho, considerasse nascente o local onde a água emerge naturalmente de uma rocha ou solo para a superfície do solo ou para uma massa de água superficial.

As nascentes, assim como os córregos, sofrem com a degradação, uma vez que, as pessoas ocupam a região de nascente de forma irregular e, em alguns casos, inclusive, fazem o aterramento dessa nascente ou constroem um desvio para essa água. “É claro que há consequências, mas se tivermos sucesso no projeto, teremos água futuramente. Se não, as torneiras estarão vazias”, afirma o promotor Gerson Barbosa.

A proposta é que todo o trabalho seja finalizado no ano que vem, porém, assim que uma situação irregular é encontrada, o MPE aciona o responsável e busca resolver o problema por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAG). Caso não seja possível, instaura-se uma Ação Civil Pública (ACP). Até o momento, foram propostos 12 TAGs, o que, segundo o promotor, é um número alto. Além desses instrumentos jurídicos, haverá também a atribuição de valor ao dano causado à nascente, como aconteceu a uma empresa que realizou uma obra em um hospital público da Capital.

“Eles construíram um emissário clandestino de esgoto. Para esse dano, chegamos a um valor de R$ 850 mil”, menciona Barbosa. Contudo, esses valores podem ser muito mais altos e chegarem à casa dos milhões. “Caro mesmo será o preço que pagaremos e as consequências com as quais sofreremos no futuro. Isso é uma insanidade”, conclui o promotor.

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