GAZETA
'A cadeia deixou de ser um lugar exclusivo aos pobres'
terça-feira, 14 de fevereiro de 2017, 10h40
GLÁUCIO NOGUEIRA
DA REDAÇÃO
Depois de quatro anos, o promotor de Justiça Marco Aurélio de Castro deixa nesta semana a coordenação do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco). Substituindo o Procurador-Geral de Justiça, Paulo Prado, Castro esteve à frente do órgão em todas as grandes operações de combate à corrupção realizadas neste período, que resultaram na prisão de uma parcela considerável da elite política de Mato Grosso, que esteve no poder nos últimos anos.
Além de deixar o comando do Gaeco - será substituído pelo promotor Marcos Bulhões - Castro também deixará, temporariamente Mato Grosso, uma vez que irá se dedicar ao seu mestrado. Nesta entrevista, ele fala sobre as mais recentes operações, reafirma que novas investigações deverão ser reveladas nos próximos meses e faz um balanço de sua gestão na coordenação do Grupo.
Qual o seu maior mérito à frente do Gaeco nos últimos quatro anos?
Sem dúvidas foi a formação de uma equipe de excelência, incluindo policiais militares, delegados, promotores e servidores que atuam no Gaeco. Isso possibilitou um combate intransigente à corrupção, que resultou em um grande número de investigações, operações e processos. Este combate à corrupção, que levou para a cadeia diversas personalidades políticas e empresariais também é mérito do Gaeco, que alcançou importantes êxitos neste sentido ao longo de sua existência.
O momento atual vivido pelo país ajudou o Gaeco neste trabalho de investigar casos de corrupção e processar acusados por estes crimes?
Sem dúvidas que sim. Tanto o momento nacional, que coloca a população cansada de tantos desvios, de tamanha ineficiência do Poder Pùblico, quanto o momento do Judiciário, ajudaram o nosso trabalho. A crise econômica, por incrível que pareça, também deu sua contribuição. Em um momento de cortes, a população fica ainda mais vigilante, ainda mais intolerante com a corrupção. Isso tudo contribuiu.
O senhor imaginava se deparar com um número tão grande de lideranças políticas e empresariais envolvidas nos casos de corrupção descobertos pelo Gaeco?
Sinceramente, não. Sabíamos que pela qualidade da equipe descobriríamos casos de corrupção, mas nunca pensamos que estes casos envolveriam tantas pessoas que comandavam o Estado e tantas pessoas da elite social de Cuiabá envolvidas nestes episódios. E isso mostrou para a sociedade que não importa a classe social, crimes devem ser punidos. A cadeia deixou de ser um lugar exclusivo aos pobres.
Além dos casos de corrupção, o Gaeco atuou no combate aos “criminosos comuns”, que integram facções que atuam fortemente nos presídios, caso do Primeiro Comando da Capital e do Comando Vermelho. Partindo-se da premissa de que o crime é algo odioso, quem é pior, o traficante ou o político?
O traficante é alguém que comete um crime grave, um péssimo exemplo para a sociedade, mas em regra ele não tem poder político e isso não tem preço. Por isso, digo que os políticos são muito mais perigosos, porque eles estão com o poder, eles ditam como os demais poderes podem trabalhar. Veja o que ocorreu com as 10 medidas de combate à corrupção, propostas pelo Ministério Público Federal (MPF). Isso é uma mostra do que é o poder político. No contexto da atuação do Gaeco, ganhou força o trabalho exercido pela juíza da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, Selma Rosane Santos Arruda.
O senhor acha que seria possível avançar tanto quanto se avançou sem ela?
A doutora Selma foi imprescíndivel, uma juíza sem dúvida corajosa, que tomou decisões importantes nos processos. Temos muitas “Selmas” em Mato Grosso. Sem um juiz sério, com vontade de trabalhar, não teríamos conseguido avançar tanto. Além dela, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso também merece todo o nosso reconhecimento por sua atuação no combate à corrupção. Estamos muito satisfeitos com o trabalho.
E a colaboração premiada? Foi também importante na descoberta dos casos de corrupção?
O instituto da colaboração é fundamental. Sem ele não teríamos conseguido “quebrar” a lei de silêncio que impera em organizações criminosas, como ocorre na máfia com a chamada “Omertá”, que é o código de silêncio dos mafiosos. Sem a colaboração, certamente, não teríamos chegado ao núcleo das organizações.
Em janeiro de 2014, o desembargador Juvenal Pereira suspendeu a investigação do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) que resultou na deflagração da operação “Aprendiz”. Entre os motivos apontados estava o chamado vício de composição, por conta da ausência de participação da Polícia Civil. Hoje isto está superado?
Definitivamente, sim. O Gaeco conta hoje com dois delegados, escrivães, é nosso importante parceiro. Este é, sem dúvida, um mérito da atual gestão de Mato Grosso, que atuou para fazer com que isso fosse possível, nos dando autonomia para montarmos a equipe que atua no Gaeco. Hoje não há mais possibilidade de que isso seja apontado, o grupo é formado por policiais civis, militares, promotores e servidores do Ministério Público Estadual (MPE).
Uma das críticas feitas ao trabalho de combate à corrupção está na recuperação do dinheiro desviado pelos acusados. Acha que isso ainda precisa ser aprimorado? Se sim, de que forma?
Aceitamos com humildade as críticas que são feitas e reconhecemos que é necessário nos aprimorarmos em relação à devolução do dinheiro, embora tenhamos conseguido identificar. Ocorre que é muito difícil chegar no dinheiro desviado, os criminosos usam de muitos artifícios, “laranjas”, várias formas de ocultação. Para avançarmos, temos que ter um Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro, fazer acordos de cooperação com os órgãos federais e internacionais, cursos e capacitações. Tenho certeza de que vamos avançar nisso.
Lidando com diversos casos de corrupção, mudaria algum aspecto da atual legislação?
Em primeiro lugar é preciso mexer no foro privilegiado, que serve de proteção a muitos agentes públicos (No Brasil, estima-se que mais de 20 mil pessoas tenham algum tipo de foro por prerrogativa de função). Além disso, é preciso relativizar a presunção da inocência, o que já vem sendo feito no Supremo Tribunal Federal (STF), com a questão do cumprimento da pena após condenação em segunda instância. Uma última coisa, o endurecimento das penas em casos de corrupção. Estes seriam importantes aliados no trabalho desenvolvido pelo Gaeco.