Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

GAZETA

Ex-aluno afirma que desistiu para não ser morto por Ledur

sexta-feira, 21 de julho de 2017, 10h56

DANTIELLE VENTURINI
DA REDAÇÃO

O caso de tortura e afogamento praticado pela tenente do Corpo de Bombeiros Izadora Ledur de Souza Dechamps, que resultou na morte do aluno Rodrigo Patrício Lima Claro, 21, no fim do ano passado, não foi o primeiro registrado durante na Corporação. Em janeiro de 2016, M.S., 27 anos, já havia sido submetido ao mesmo sofrimento físico e mental. O jovem, que desistiu do curso, acredita que poderia ter morrido nas mãos da tenente.

“Ela pegou o cabo da boia, passou entre o meu pescoço e braços e me puxou para debaixo da água várias vezes até que eu não aguentei e desmaiei dentro d’água. Ela não tem escrúpulos”, fala, lembrando do dia do treinamento na Lagoa Trevisan. Mas na época Ledur era apenas a instrutora do pelotão e ele afirma que teve a sorte de ter um comandante que interviu no momento certo, o que salvou sua vida.

No caso de Rodrigo Claro, além de instrutora, Ledur também era a comandante. Por causa da tortura e perseguição de Ledur, M.S. conta que deixou o curso de formação faltando apenas 2 meses para se tornar um bombeiro. “Eu fiquei 9 meses, mas quando vi que eu ia morrer nas mãos dela se continuasse, desisti”. Conforme ele, os xingamentos e ameaças eram constantes por parte da tenente, assim como de outros oficiais, mas ele teria se tornado o principal alvo de Ledur por causa da sua dificuldade com água e após apresentar um atestado médico devido a uma virose.

Mesma situação que teria feito de Rodrigo o alvo dela. “Eles me avisavam constantemente que eu iria sofrer, que na hora que caísse na mão da Ledur iria arregar, que não iria aguentar”. As primeiras aulas não teriam ocorrido com a tenente, e M. conta que apesar do cansaço e da falta de habilidade com a água, as atividades eram feitas com certa tranquilidade. Mas a partir do momento em que começou a ter aulas com a Ledur, a perseguição teve início. “Comigo aconteceu tudo igualzinho ao que aconteceu com o Rodrigo.

A diferença é que eu consegui sair antes de morrer”. Para ele, uma tragédia só não ocorreu porque o comandante do seu pelotão, à época, o tenente Janisley Teodoro, deu um basta na sessão de afogamento quando percebeu que ele já não aguentava mais. Durante o treinamento, em dado momento, ele não conseguia mais se manter emerso e, por isso, o comandante teria jogado uma boia para que ele se apoiasse.

 Nesse momento, Ledur teria ordenado que ele se aproximasse dela, e teria pego a corda da boia e passou em volta do pescoço dele e do braço e começou a sessão de afogamento. “A minha cabeça mal saia da água ela me afundava novamente e eu não conseguia respirar, até que em um momento eu consegui forças e a segurei pelos ombros e disse pelo amor de Deus chega, eu não aguento mais, você vai me matar”.

Ela teria se irritado e dito. “Você está louco, está pegando numa oficial, e falou mais palavras de baixo calão, e continuou a me afogar”. Após os incontáveis “caldos”, M. se lembra apenas de não ter mais força para resistir e desmaiou dentro da água. “Meus colegas me contaram que nesse momento o meu comandante chegou até ela e disse chega Ledur, solta ele”. M. tem certeza que se não fosse essa intervenção a situação teria terminado como no caso de Claro.

Quando recobrou a consciência ele estava sendo arrastado por colegas para a margem da lagoa. Nesse momento, começou a vomitar muita água e sentia muita dor de cabeça, mesmos sintomas de Rodrigo antes das convulsões, e mesmo passando mal ele conta que Ledur gritava de dentro da água “volta para água, você tem que voltar”. Com a forte dor de cabeça e a pressão que a instrutora fazia, ele voltou a desmaiar e foi levado para a ambulância que, naquele dia específico, estava no local para atendimento.

Sorte que Rodrigo não teve. “Enquanto eu estava na ambulância escutei algumas vozes dizendo ‘não sei porque ela faz isso’”. Em seguida, ela teria ido até a ambulância e perguntado para o comandante o estado de M., e quando informada teria dito “Ah mais é uma bichinha mesmo”. Com o ocorrido, M. conta que o comandante do pelotão mandou que outro sargento que participava do treinamento retirasse da água outro aluno que também tinha dificuldades com água, para que ele o acompanhasse até o hospital.

“Na verdade ele sabia que se o meu colega continuasse lá ele também seria vítima dela”. De lá, ele foi levado para a policlínica onde foi constatado que ele estava com a pressão alta e foi medicado. Após o ocorrido, como faltavam apenas 60 dias para o fim do curso, o jovem conta que foi orientado para que alguém da família viesse do interior, onde morava, para ficar com ele. Segundo ele, a corda que foi passada em seu pescoço havia deixado marcas e sua mãe queria procurar a polícia, mas todo mundo dizia que não era para fazer isso.

“A gente tinha muito medo, porque éramos ameaçados o tempo todo e sabíamos que se fizéssemos isso a situação ia piorar para a gente ali dentro”. Após isso, M. conta que foi obrigado a pedir desligamento pois sabia que do “campo final”, a última avaliação, não passaria, pois havia ficado prometido de morte. “O comandante me disse que no campo final ninguém ia poder interferir, e que antes um frouxo vivo, que um arrochado morto”.

Segundo M., Ledur se vangloriava por cada aluno que desistia e se dizia inatingível. “Por ter pai e marido importante, ela dizia que com ela não aconteceria nada”. O pai de Ledur é coronel da Polícia Militar aposentado e o marido 1º tenente do Corpo de Bombeiros. Após desistir do sonho de ser bombeiro, M. conta que teve muitos problemas, como depressão e precisa de acompanhamento médico. “Ela acabou comigo”.

M. desistiu do curso em março de 2016 e em maio seus colegas se formaram. Em novembro do mesmo ano Rodrigo Claro fazia o treinamento na mesma Lagoa Trevisan, vomitou muito e teve fortes dores de cabeça após ser submetido ao mesmo sofrimento físico e mental que M., implorou diversas vezes para sair. Chegaram a jogar uma boia para ele, que Ledur não deixou pegar. Sem ambulância no local, Rodrigo teve que ir de moto até o Batalhão e de lá a pé até a policlínica, onde começou a convulsionar, foi direto para a UTI e morreu 5 dias depois.

Em dezembro seu colegas se formaram. “Quando fiquei sabendo da morte de Rodrigo, eu revivi tudo. Na hora tive certeza que era para ser eu. Ela me arruinou e ainda tirou uma vida”. Ledur foi denunciada esta semana por tortura seguida de morte e teve a prisão preventiva pedida pelo Ministério Público, devido à morte de Rodrigo. M. diz ser um bom começo para que ela pague por todas as “atrocidades”, mas afirma que ainda há muita coisa para se fazer e para vir à tona. “É uma vitória, traz um pouco de alívio, mas ainda não estou satisfeito. Ela ainda tem muito a pagar”.

Compartilhe nas redes sociais
facebook twitter
topo