Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência STJ - Curatela. Idoso. Perícia judicial conclusiva. Decretada a incapacidade absoluta. Impossibilidade. Reforma legislativa. Estatuto da pessoa com deficiência

quarta-feira, 01 de junho de 2022, 10h17

RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. CURATELA. IDOSO. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE PARA EXERCER PESSOALMENTE OS ATOS DA VIDA CIVIL. PERÍCIA JUDICIAL CONCLUSIVA. DECRETADA A INCAPACIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE. REFORMA LEGISLATIVA. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INCAPACIDADE ABSOLUTA RESTRITA AOS MENORES DE 16 (DEZESSEIS) ANOS, NOS TERMOS DOS ARTS. 3º E 4º DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A questão discutida no presente feito consiste em definir se, à luz das alterações promovidas pela Lei n. 13.146/2015, quanto ao regime das incapacidades reguladas pelos arts. 3º e 4º do Código Civil, é possível declarar como absolutamente incapaz adulto que, em razão de enfermidade permanente, encontra-se inapto para gerir sua pessoa e administrar seus bens de modo voluntário e consciente. 2. A Lei n. 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, tem por objetivo assegurar e promover a inclusão social das pessoas com deficiência física ou psíquica e garantir o exercício de sua capacidade em igualdade de condições com as demais pessoas. 3. A partir da entrada em vigor da referida lei, a incapacidade absoluta para exercer pessoalmente os atos da vida civil se restringe aos menores de 16 (dezesseis) anos, ou seja, o critério passou a ser apenas etário, tendo sido eliminadas as hipóteses de deficiência mental ou intelectual anteriormente previstas no Código Civil. 4. Sob essa perspectiva, o art. 84, § 3º, da Lei n. 13.146/2015 estabelece que o instituto da curatela pode ser excepcionalmente aplicado às pessoas portadoras de deficiência, ainda que agora sejam consideradas relativamente capazes, devendo, contudo, ser proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso concreto. 5. Recurso especial provido.(STJ - REsp: 1927423 SP 2020/0232882-9, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 27/04/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/05/2021).

 

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.927.423 - SP (2020/0232882-9)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE : J J DE J

ADVOGADO : FABIO RICARDO DO NASCIMENTO - SP259702

RECORRIDO : E B DE J A

ADVOGADO : ROSANA SENHORINHO BORGES ARAUJO - SP337699

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. CURATELA. IDOSO. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE PARA EXERCER PESSOALMENTE OS ATOS DA VIDA CIVIL. PERÍCIA JUDICIAL CONCLUSIVA. DECRETADA A INCAPACIDADE ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE. REFORMA LEGISLATIVA. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INCAPACIDADE ABSOLUTA RESTRITA AOS MENORES DE 16 (DEZESSEIS) ANOS, NOS TERMOS DOS ARTS.  E  DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A questão discutida no presente feito consiste em definir se, à luz das alterações promovidas pela Lei n. 13.146/2015, quanto ao regime das incapacidades reguladas pelos arts.  e  do Código Civil, é possível declarar como absolutamente incapaz adulto que, em razão de enfermidade permanente, encontra-se inapto para gerir sua pessoa e administrar seus bens de modo voluntário e consciente.

2 . A Lei n. 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, tem por objetivo assegurar e promover a inclusão social das pessoas com deficiência física ou psíquica e garantir o exercício de sua capacidade em igualdade de condições com as demais pessoas. 3. A partir da entrada em vigor da referida lei, a incapacidade absoluta para exercer pessoalmente os atos da vida civil se restringe aos menores de 16 (dezesseis) anos, ou seja, o critério passou a ser apenas etário, tendo sido eliminadas as hipóteses de deficiência mental ou intelectual anteriormente previstas no Código Civil.

4. Sob essa perspectiva, o art. 84§ 3º, da Lei n. 13.146/2015 estabelece que o instituto da curatela pode ser excepcionalmente aplicado às pessoas portadoras de deficiência, ainda que agora sejam consideradas relativamente capazes, devendo, contudo, ser proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso concreto.

5. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 27 de abril de 2021 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.927.423 - SP (2020/0232882-9)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

Trata-se de recurso especial interposto por J. J. de J. contra acórdão do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Denota-se dos autos que, em 20/11/2017, E. B. de J. A. ajuizou ação

objetivando a interdição de seu genitor, J. J. de J., que, em decorrência de demência por

doença de Alzheimer, encontra-se incapacitado para os atos da vida civil, devendo ser

representado por terceiro.

Na sentença, o Juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido inicial para

"decretar a curatela de J. J. de J., declarando-o absolutamente incapaz de exercer

pessoalmente os atos da vida civil, na forma do art. II, do Código Civil/2002, em razão

do que, na conformidade do quanto disposto no art. 1.775, § 1º, do mesmo diploma legal,

nomeio em caráter definitivo o (a) requerente [E. B. de J.] para exercer o munus da

curadoria” (e-STJ, fl. 213).

Interposta apelação pelo curador especial nomeado para o interditado, a

Décima Câmara de Direito Privado da Corte de origem negou-lhe provimento, em acórdão

assim ementado (e-STJ, fl. 447):

INTERDIÇÃO. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DE INTERDIÇÃO DO REQUERIDO. INCAPACIDADE ABSOLUTA. RECURSO DESPROVIDO. Interdição. Insurgência contra sentença que julgou procedente o pedido de interdição do recorrido, decretando a sua incapacidade absoluta. Apelo para que o interdito seja declarado relativamente incapaz. Arts.  e  do CC. Recorrente padece de demência - Doença de Alzheimer de início tardio. A declaração da incapacidade relativa do apelante resultaria em falta da proteção jurídica garantida pela legislação. Sentença mantida. Recurso desprovido.

Nas razões do recurso especial (e-STJ, fls. 271-279), interposto com

fundamento na alínea a do permissivo constitucional, J. J. de J. aponta ofensa aos arts. 3º,

caput, e 4º, III, do Código Civil.

Sustenta, em síntese, que"não há como subsistir a sentença da forma

Superior Tribunal de Justiça

como lançada e mantida pelo Tribunal pois, inexistem atualmente no ordenamento jurídico o fundamento legal (artigo II do CC) e jurídico (absolutamente incapaz) haja vista a parte recorrente ter ultrapassado a idade núbil dos 16 anos e mesmo sendo permanente a causa da incapacidade a lei determinou a declaração como relativa"(e-STJ, fl. 277).

Busca, assim,"a anulação/reforma da decisão para ser declarada a parte recorrente como relativamente incapaz com fundamento no artigo , inciso III do CC"(e-STJ, fl. 278).

Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público de São Paulo, nas quais opina pelo provimento do recurso especial (e-STJ, fls. 287-290).

Inadmitido o apelo especial na origem, o insurgente interpôs agravo, que foi provido por esta relatoria, determinando a sua conversão em recurso especial (e-STJ, fls. 323-324).

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento do recurso especial, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls. 317-321):

Civil. Capacidade civil. Incapacidade relativa. Pessoa com deficiência. Limites da curatela. Parecer pelo provimento do agravo e parcial provimento do recurso especial.

É o relatório.

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.927.423 - SP (2020/0232882-9)

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

Enfatiza-se, de início, que o recurso especial foi interposto contra decisão publicada após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, sendo analisados os pressupostos de admissibilidade recursais à luz do regramento nele previsto (Enunciado Administrativo n. 3/STJ).

A questão discutida no presente feito consiste em definir se, à luz das alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, quanto ao regime das incapacidades, reguladas pelos arts.  e  do Código Civil, é possível declarar como absolutamente incapaz adulto que, por causa permanente, encontra-se inapto para gerir sua pessoa e administrar seus bens de modo voluntário e consciente.

Depreende-se dos autos que E. B. de J. A. ajuizou ação objetivando a interdição de seu genitor, que, por demência decorrente de doença de Alzheimer, se encontra incapacitado para a vida civil.

A ação foi julgada procedente para “decretar a curatela de J. J. de J., declarando-o absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, na forma do art. II, do Código Civil/2002, em razão do que, na conformidade do quanto disposto no art. 1.775§ 1º, do mesmo diploma legal, nomeio em caráter definitivo o (a) requerente [E. B. de J.] para exercer o munus da curadoria” (e-STJ, fl. 213).

A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

No presente recurso, o patrono do interditado alega que"não há como subsistir a sentença da forma como lançada e mantida pelo Tribunal pois, inexistem atualmente no ordenamento jurídico o fundamento legal (artigo II do CC) e jurídico (absolutamente incapaz) haja vista a parte recorrente ter ultrapassado a idade núbil dos 16 anos e mesmo sendo permanente a causa da incapacidade a lei determinou a declaração como relativa"(e-STJ, fl. 277).

Superior Tribunal de Justiça

(e-STJ, fl. 278).

Feito esse breve resumo, passo ao exame das razões recursais.

Com efeito, a Lei n. 13.146/2015, que entrou em vigor em 3/1/2016 e instituiu

o Estatuto da Pessoa com Deficiência, tem por objetivo assegurar e promover a inclusão

social das pessoas com deficiência física ou psíquica e garantir o exercício de sua

capacidade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Nos termos do art. 2º da mencionada norma, a pessoa com deficiência é

aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou

sensorial.

A referida lei prevê, ainda, em seu art. 6º, que a pessoa com deficiência não

deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz, uma vez que a deficiência

não afeta a plena capacidade civil.

Diante dessa nova temática, apresentada pelo Estatuto da Pessoa com

Deficiência, os arts.  e  do Código Civil passaram a vigorar nos seguintes termos:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

I a III - (Revogados pela Lei n. 13.146/2015)

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

IV - os pródigos

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

Como visto, a nova legislação trouxe alterações significativas na estrutura

prevista no Código Civil no tocante à capacidade das pessoas naturais, entre elas a

revogação dos incisos II e III do art.  do Código Civil, segundo o quais eram

absolutamente incapazes aqueles que por enfermidade ou deficiência mental não

tivessem o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil e os que não

pudessem exprimir sua vontade, mesmo por causa transitória.

No tocante ao art. 4º, que prevê as hipóteses de incapacidade relativa,

Superior Tribunal de Justiça

constata-se que foi excluída a referência à deficiência mental, passando a tratar, apenas,

das pessoas que"por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua

vontade"(as quais, anteriormente, eram consideradas absolutamente incapazes).

Dessa forma, a partir da entrada em vigor da Lei n. 13.146/2015, que ratifica

a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,

somente são consideradas absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da

vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Em face disso, não é mais possível, portanto, inserir as pessoas com

enfermidade ou deficiência mental no rol dos absolutamente incapazes.

Nesse sentido, asseveram José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas de

Araújo que"a nova redação do art. 3º restringe a incapacidade absoluta para as pessoas

menores de 16 anos com eliminação das demais hipóteses anteriormente previstas"

(Código Civil comentado: Com jurisprudência selecionada e enunciados das Jornadas do

STJ sobre o Código Civil. 3ª edição, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, p. 39).

Outrossim, afirma Flávio Tartuce que:

"não existe mais no sistema privado brasileiro pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade, afirmação esta que tem sido seguida por vários julgados prolatados sob a vigência do EPD. Por todos, do Tribunal Paulista: 'Reforma legislativa, decorrente da Lei n. 13.146/2015 (EPD), que restringe a incapacidade absoluta aos menores impúberes. Reconhecimento de que o interdito é relativamente incapaz, abrangendo a curatela os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. Artigo , inciso III, do Código Civil, e artigo 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Sentença reformada em parte. Apelo parcialmente provido' (TJSP, Apelação Cível com Voto 36.737, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Dese. Donegá Morandini, j. 16.12.2016)"(Direito Civil: lei de introdução e parte geral , v. 1, 15ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 142)

Para Pablo Stolze,"o que o Estatuto pretendeu foi, homenageando o

princípio da dignidade da pessoa humana, fazer com que a pessoa com deficiência

deixasse de ser rotulada como incapaz, para ser considerada - em uma perspectiva

constitucional isonômica - dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade

de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de decisão apoiada e,

extraordinariamente, a curatela, para a prática de atos na vida civil"(Disponível em:

Superior Tribunal de Justiça

https://jus.com.br/artigos/41381/o-estatuto-da-pessoa-com-deficienciaeosistema-jurídico-brasileiro-de-incapacidade-civil. Acesso em março de 2021).

Por conseguinte, ao excluir os deficientes do rol de pessoas absolutamente incapazes, o Estatuto lhes assegurou o direito ao exercício da capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

Sob essa perspectiva, o art. 84§ 3º, da Lei n. 13.146/2015 estabelece que o instituto da curatela da pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

Outrossim, o art. 85 dispõe que a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não abrangendo todos os atos da vida civil, tais como “o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”.

Portanto, de acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, é possível que pessoas com enfermidade ou deficiência mental, que são" plenamente capazes ", sejam excepcionalmente sujeitas à curatela.

Quanto ao tema, assevera Maurício Requião que se legisla assim"a obrigatoriedade da aplicação de tailored measures, que levem em conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando a tão comum saída, utilizada até então de forma quase total, de simples decretação da incapacidade absoluta com a limitação integral da capacidade do sujeito. A isto, aliás, conecta-se também a necessidade da exposição de motivos pelo magistrado, que agora terá, ainda mais, que justificar as razões pelas quais limita a capacidade do sujeito para a prática de certos atos” (Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-jul-20/estatuto-pessoadeficiencia-altera-regime-incapacidades. Acesso em março de 2021).

Na hipótese, o laudo pericial psiquiátrico foi contundente ao diagnosticar a impossibilidade do interditando em gerir sua pessoa e administrar seus bens e interesses, por ser portadora de CID 10-F00.1 e concluiu que: "o periciando apresenta comprometimento do raciocínio lógico, não conseguindo exprimir desejos ou necessidades, o que impossibilita de imprimir diretrizes de vida. Há restrição total para atos de vida negociai e patrimonial, como fazer empréstimos, conciliar, dar quitação,

Superior Tribunal de Justiça

alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, praticar atos que não sejam de mera

administração. O quadro descrito é irreversível" (e-STJ, fl. 212).

Extrai-se da leitura da sentença que o caso foi analisado pelo Magistrado

com base na Lei n. 13.146/2015, conforme se verifica dos seguintes trechos (e-STJ, fls.

211-212):

[...]

Além disso, "os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade" passaram a ser considerados relativamente incapazes (artigo III, do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015).

Não obstante tais modificações legislativas, o artigo 84§ 1º e § 2º da Lei nº 13.146/2015 prevê a possibilidade excepcional da pessoa com deficiência ser submetida à curatela, facultada a adoção de processo de tomada de decisão apoiada. O § 3º do mesmo dispositivo prescreve que "a definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível".

Prevê, portanto, que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

Ainda, o artigo 85, caput e § 1º e § 2º da Lei nº 13.146/2015 dispõe:

[...]

Portanto, de acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, é possível que pessoas com enfermidade ou deficiência mental, que são "plenamente capazes", sejam excepcionalmente sujeitas à curatela.

[...]

Nos termos do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o requerido é plenamente capaz. Entretanto, diante das conclusões do perito, no sentido de que o requerido não tem condições de administrar sozinho, seus bens, afigura-se necessário submete-lo à curatela, para tutela de seus próprios interesses.

A curatela, porém, está restrita aos atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, nos termos da lei. Ademais, diante do estado específico do requerido, é mais adequado que o curador o represente na prática dos referidos atos, e não apenas a assista.

Em face de tais constatações e da ausência de qualquer impugnação, impõe-se a decretação da interdição requerida e a nomeação do (a) autor (a) como curador (a) definitivo do interditando, dado o vínculo de parentesco (filha/genitor) que os une, suficientemente evidenciado nos autos ( CC/2002, art. 1.775§ 1º).

[...]

Não obstante a sentença tenha sido fundamentada com base na nova

legislação, o Juízo de primeiro grau, na parte dispositiva, declarou o ora recorrente

absolutamente incapaz, nos termos do então revogado art. II, do Código Civil/2002,

A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo com base

Superior Tribunal de Justiça

nos seguintes fundamentos (e-STJ, fls. 262-265):

[...] O fito do Estatuto da Pessoa com Deficiência é garantir àqueles portadores de alguma incapacidade mental ou intelectual o direito à gestão de sua pessoa e bens em igualdade de condições com as demais, daí a exclusão do rol dos absolutamente incapazes.

Porém, tal alteração, de todo louvável quanto aos nobres objetivos, é passível de crítica, vez que deixa desamparadas pessoas necessitadas de proteção legal.[...]

Constam do ordenamento jurídico pátrio diversos dispositivos protetores dos “absolutamente incapazes”.

A título de exemplo, são citados os artigos 198, inciso I208 e 1.244, todos do Código Civil, que proíbem a fluência de prazos prescricional e de decadência contra os absolutamente incapazes.

É de todo descabida a presunção que, diante da alteração promovida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência nos artigos  e  do Código Civil, tais dispositivos protetivos seriam aplicáveis apenas aos menores de dezesseis anos.

Portanto, tendo em vista o sistema jurídico protetivo ao qual o apelante faz jus, perfeitamente admissível seja declarado absolutamente incapaz, de acordo com a prova dos autos, pois o interditando não tem mínima condição intelectiva de gerir sua vida, eventuais bens, tampouco de praticar os atos da vida civil sem a indispensável representação, necessitando de curador incumbido de tal gestão.No laudo pericial de fls. 186/197, a experta assinalou, após exame do apelante: “Baseado nos dados obtidos e apresentados o periciando apresenta comprometimento de funções mentais globais e específicas que repercutem na execução de tarefas (restrição na atividade) em todos os domínios: sensorial; comunicação; mobilidade; cuidados pessoais; vida doméstica; educação, trabalho e vida econômica; socialização e vida comunitária. Em se considerando que o grau de comprometimento poderá variar de gravíssima limitação / grave limitação / moderada limitação / leve limitação / inexistência de limitação, é possível inferir que, no contexto da presente avaliação o periciando, apresenta grave limitação. Informo que o periciando necessita de supervisão e cuidados de terceiros no desempenho das atividades de vida diária.”

O diagnóstico foi de demência na Doença de Alzheimer de início tardio, diagnose : CID-10 F00.1. (fls. 193/194;196) A Dra. Maria Flávia Hares Fongaro conclui: “O periciando apresenta comprometimento do raciocínio lógico, não conseguindo exprimir desejos ou necessidade, o que o impossibilita de imprimir diretrizes de vida. Há restrição total para atos de vida negocial e patrimonial, como fazer empréstimos, conciliar, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, praticar atos que não sejam de mera administração.” (fl. 127)

Diante desse quadro, declarar o interditando relativamente incapaz é deixá-lo sem a proteção legal assegurada pelo ordenamento jurídico.

Assim sendo, diante do novo sistema de incapacidades promovido pela Lei

n. 13.146/2015, de rigor a modificação do acórdão recorrido, a fim de declarar a

Superior Tribunal de Justiça

incapacidade relativa de J. J. de J., conforme os ditames do art. III, do Código Civil.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para declarar a incapacidade relativa de J. J. de J., mantendo, no mais, a mesma curadora e a extensão da curatela fixadas na origem.

É o voto.

Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2020/0232882-9 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.927.423 / SP

Números Origem: 1001971-64.2017.8.26.0177 10019716420178260177

PAUTA: 27/04/2021 JULGADO: 27/04/2021

SEGREDO DE JUSTIÇA Relator

Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. MÁRIO PIMENTEL ALBUQUERQUE

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : J J DE J

ADVOGADO : FABIO RICARDO DO NASCIMENTO - SP259702

RECORRIDO : E B DE J A

ADVOGADO : ROSANA SENHORINHO BORGES ARAUJO - SP337699

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Tutela e Curatela

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do (a) Sr (a) Ministro (a) Relator (a).

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.


topo