Litigância estratégica
IDPN lança projeto que monitora ações-chave envolvendo grupos minoritários
por Sérgio Rodas
quinta-feira, 23 de outubro de 2025, 14h56
O Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) inaugurou, no último mês, seu escritório em Brasília e lançou o Justiça Reversa — método de litigância estratégica desenvolvido pelo instituto para ser aplicado no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. O objetivo é monitorar ações prioritárias dos grupos minoritários que o IDPN representa.

Joel Luiz Costa, diretor-executivo do IDPN, participou de evento sobre justiça racial em Genebra. Reprodução.
Esses processos são selecionados de acordos com os três eixos de atuação do instituto: Justiça Criminal e Encarceramento em Massa; Justiça Climática e Racismo Ambiental; e Proteção Democrática, Gênero, Trabalho e Renda.
Alguns dos casos prioritários acompanhados pelo IDPN no Supremo são as ADPFs 635, sobre letalidade em operações policiais no Rio de Janeiro; 973, sobre racismo estrutural; 289, para impedir que a Justiça Militar julgue civis; 347, na qual a corte declarou o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário; e 442, que trata da descriminalização do aborto.
“O Justiça Reversa inaugura uma nova forma de atuação: seremos um escritório a serviço do movimento negro e dos movimentos sociais”, afirma Joel Luiz Costa, diretor-executivo do IDPN.
“Desejamos ser a ponte entre os acúmulos produzidos por pessoas e organizações e os processos de judicialização em nível constitucional. Vamos monitorar a pauta do STF e do STJ e incidir sempre que houver interesse da comunidade negra, levando para os autos o pensamento crítico do nosso povo.”
Casos urgentes
O advogado destaca temas importantes que ainda não foram devidamente enfrentados pelo STF e pelos tribunais superiores. Entre eles estão a criminalização de expressões culturais negras e periféricas, como funk e rap, e ataques contra religiões de matriz africana.
Costa também ressalta a importância do reconhecimento da violência racial institucional como fator de nulidade processual.
“Não há ainda consolidação jurisprudencial que permita a anulação de provas obtidas por abordagens seletivas, discriminatórias e racialmente direcionadas, embora a Constituição e tratados internacionais apontem nessa direção.”
Outra lacuna, segundo ele, é a de marcos jurídicos que assegurem proteção de dados, rastreamento de reconhecimento facial e uso justo de algoritmos na segurança pública. Essa ausência “atinge de forma desproporcional grupos racializados e periféricos”, diz o advogado.
Transformação da Justiça
O IDPN, que completa cinco anos, celebra um percurso marcado pela defesa de pessoas negras e periféricas vítimas de injustiças, pela formação de novos quadros jurídicos e pelo enfrentamento ao racismo institucional em casos de repercussão nacional.
Agora, com o lançamento do Justiça Reversa em Brasília, a organização se projeta para um novo ciclo, visando transformar o Sistema de Justiça brasileiro a partir da perspectiva e da intelectualidade negra.
Para isso, o instituto quer ir além de ações judiciais e investir em estratégias de comunicação, disputa de narrativas, formação de novos quadros e advocacy.
“Entendemos que, a partir de uma boa filtragem de casos estratégicos, vamos mobilizar a sociedade para o debate público e pressionar a Justiça. Para além da disputa jurídica, miramos em conscientizar a sociedade e promover acesso à Justiça através da informação irrestrita”, diz Costa.
O instituto também investe na formação de quadros jurídicos e políticos, com cursos de formação e laboratórios de litigância estratégica, que serão ministrados na Universidade de Brasília (UnB) em 2026.
“É dessa combinação — litigância estratégica, comunicação, advocacy e mobilização popular — que nasce a possibilidade de reverter a lógica excludente do sistema e abrir espaço para a intelectualidade e a experiência negra incidirem sobre a Justiça brasileira”, avalia Costa.