Câmara Criminal do MPF reitera necessidade de apurar com profundidade casos de violência política de gênero
quarta-feira, 22 de março de 2023, 15h46
Nos casos de violência política contra a mulher, os membros do Ministério Público Federal (MPF) devem aprofundar as investigações, de modo a contemplar as nuances de práticas que dificultam ou impedem a participação feminina na política e em esferas de poder. Esse tem sido o teor de manifestações recentes da Câmara Criminal do MPF (2CCR), ao analisar pedidos submetidos ao colegiado, que é responsável por revisar os arquivamentos e homologá-los ou não. Para o órgão, a violência política contra a mulher nem sempre fica evidente quando se considera apenas o caso concreto que motivou a investigação. Em muitas situações, é preciso aprofundar a apuração, ouvir testemunhas e comparar comportamentos, de modo a tipificar adequadamente a conduta.
As manifestações da 2CCR foram proferidas em pedidos protocolados do fim do ano passado para cá. A exemplo do que ocorre com os colegiados responsáveis por revisar a atuação do MPF em outras áreas temáticas (meio ambiente, defesa dos povos indígenas, consumidor e ordem econômica, entre outras), os posicionamentos firmados pela Câmara Criminal orientam e estabelecem diretrizes para o trabalho desenvolvido pela instituição em todo o país, respeitada a independência funcional de cada procurador ou procuradora da República.
Competência federal – Ao analisar os casos, a 2CCR tem considerado que ofensas e ameaças a mulheres detentoras de cargos eletivos podem configurar o crime de violência política, inserido no Código Penal (art. 359-P) pela Lei 14.197, aprovada em setembro de 2021. E, nessas situações, a competência para atuar seria sempre do MPF, independentemente do cargo ocupado pela vítima, por se tratar de uma prática que ameaça o funcionamento das instituições democráticas.
Esse entendimento prevaleceu na análise de um pedido de declínio de competência para o MP Estadual formulado por membro do MPF num caso que envolvia ataques sucessivos, ofensas e ameaças de morte a uma ex-vereadora de um município de Santa Catarina. No voto acolhido por unanimidade, o coordenador da 2CCR e relator do caso, subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, apontou que o bem tutelado não seria o direito individual da vítima, mas sim a “ordem democrática no Estado de Direito, tratando-se assim de crime de natureza política”. Isso atrai a competência federal, conforme o art. 109 da Constituição Federal.
Posicionamento semelhante foi firmado por unanimidade em outro declínio de atribuições, em caso que envolvia ameaças recebidas por uma deputada estadual de São Paulo. Ao acolher o voto proferido por Luiza Frischeisen, a Câmara Criminal determinou que o MPF prosseguisse com a apuração, negando o pedido de declínio para o MP Estadual.
O crime de violência política previsto no Código Penal ocorre quando tenta-se restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena varia de 3 a 6 anos de prisão, além de multa.
Atuação institucional – Além disso, a 2CCR tem firmado entendimento no sentido de priorizar a apuração de casos de violência política de gênero, em complemento à atuação do Grupo de Trabalho (GT) Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero, vinculado à Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE). O GT recebe denúncias e encaminha representações para os respectivos procuradores regionais eleitorais analisarem eventuais medidas cabíveis na esfera criminal. Também acompanha o andamento dos casos e dialoga com os partidos políticos para prevenir e coibir práticas violentas. Desde dezembro de 2021, o grupo já encaminhou 29 representações.
A violência política contra a mulher passou a ser considerada crime em agosto de 2021, quando foi sancionada a Lei 14.192. A norma incluiu o artigo 326-B no Código Eleitoral para tipificar como crime o assédio, o constrangimento, a humilhação, a perseguição ou a ameaça, por qualquer meio, que tenha o objetivo de cercear ou impedir a participação política de mulheres, sejam elas candidatas ou detentoras de mandato eletivo. A pena varia de 1 a 4 anos de prisão e multa, podendo ser aumentada se o crime for cometido contra gestante, maior de 60 anos ou pessoa com deficiência. A norma também prevê aumento de 1/3 na pena se houver menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia ou se a prática for cometida por meio da Internet.
Nos votos que tratam do tema, os integrantes da 2CCR pontuam que, por se tratar de prática de recente tipificação, é necessária mudança cultural no âmbito do Judiciário e do MP para que condutas antes consideradas aceitáveis sejam revestidas da gravidade que de fato possuem. O subprocurador-geral da República Francisco Sanseverino, integrante do colegiado, diz que situação semelhante ocorreu com a Lei Maria da Penha: mesmo após a sanção da norma, as mulheres não encontravam espaço para encaminhar notícia-crime ou conseguir o acolhimento necessário. “A avaliação das provas era feita de forma distorcida, em especial, não dando credibilidade à palavra da vítima. Hoje, pode-se dizer que já houve mudanças em vários Tribunais”, afirma apontando que, no caso da violência política, as mulheres também precisam de acolhimento. O voto do subprocurador-geral foi acolhido pela Câmara Criminal do MPF por unanimidade.
Acesse a cartilha do MPF sobre Violência Política de Gênero e saiba como reconhecer e denunciar essa prática.
Fonte: MPF