Sinais sutis de autismo não bastam para caracterizar vulnerabilidade da vítima
terça-feira, 30 de setembro de 2025, 17h44
O laudo que aponta apenas sinais sutis de autismo, sem diagnóstico conclusivo, não é suficiente para caracterizar a vulnerabilidade da vítima de suposto crime sexual, especialmente quando não há provas de coação ou ameaça por parte do suspeito.
Com essa conclusão, a 1ª Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concedeu ordem em Habeas Corpus para trancar uma representação por ato infracional equiparado ao crime de estupro de vulnerável.
O acusado é um menor de idade que, quando tinha 13 anos, teve um relacionamento amoroso com uma colega de escola de 14, que resultou na gravidez dela. A relação era pública e aprovada pelas famílias.
Vulnerabilidade da vítima
A acusação é baseada no artigo 217-A do Código Penal, que trata do estupro de vulnerável cometido contra menor de 14 anos ou contra quem não tem discernimento para a prática do ato.
A apuração começou porque a mãe da menina fez boletim de ocorrência ao descobrir a gravidez. Ela alegou relacionamento abusivo e que a filha tem autismo. O casal foi afastado e o menor não acompanhou a gestação, nem teve contato com o filho.
A defesa, sustentou que o atestado médico usado para fundamentar a apuração de ato infracional cita sinais sutis de autismo, o que não importa no diagnóstico da condição.
Os defensores ressaltaram que as pessoas diagnosticadas com autismo grau 1 são, em regra, plenamente capazes para os atos da vida civil, e que a única violência no caso foi o afastamento do casal, o que fez a menor de idade passar pela gestação e pelo parto sem apoio do namorado.
Sinais sutis de autismo
Relator do HC, o desembargador Eduardo Augusto Dias Bainy observou que acusado e vítima tinham a mesma vulnerabilidade etária e que não há sequer menção à prática de violência ou coação.
Assim, não há justificativa para imputar o ato infracional exclusivamente ao menino, que à época dos fatos tinha 13 anos, e não à menina, que já tinha 14. Com isso, ele votou pelo trancamento do caso.
O magistrado ainda questionou em que medida a representação cumpre a função de proteger alguém, sobretudo diante da possibilidade de a suposta vítima ser portadora de algum grau de transtorno do espectro autista.
“Nessas circunstâncias, a preservação dos vínculos afetivos assume relevância ainda maior, de modo que o processo tende a produzir impactos emocionais significativamente mais gravosos, vivenciados por ela em paralelo ao representado, logo após o nascimento de seu filho — criança a quem, ademais, o representado foi impedido, por determinação familiar da suposta vítima, de ver, conhecer e estabelecer os laços iniciais de convivência.”
Em voto convergente, a desembargadora Cláudia Dipp Dreher classificou como incompreensível o fato de a representação imputar a alguém vulnerável, por ter 13 anos, a prática do ato infracional equiparado ao crime de estupro de vulnerável.
“Tenho entendido que merecem ser tratadas com certa parcimônia e comedimento algumas acusações de atos infracionais contra a dignidade sexual, sob pena de, em algum aspecto, passar-se a criminalizar o próprio descobrimento afetivo e sexual por parte dos adolescentes.”
HC 5233872-53.2025.8.21.7000
Fonte: Conjur