Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Vamos falar sobre incesto? A invisibilidade de uma violência doméstica

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023, 14h28

A origem etimológica da palavra incesto é construída a partir do privativo in e cestus, o prefixo in-, que indica um não de negação, e cestus é uma deformação de castus, que significa casto e puro, assim, incestus tem a definição de não casto, a palavra é derivada do Latim incestum, que quer dizer “sacrilégio”.

 

A proibição do incesto constitui um tabu na maioria das comunidades humanas, em síntese a relação carnal entre parentes é avaliada como algo indigno e imoral e devida a essa consideração a legislação na maioria dos países proíbe as relações de incesto.

 

A abordagem do incesto aqui é com enfoque para os casos em que o incesto ocorre com menores de quatorze anos, escondendo-se no silêncio com que as pessoas ocultam o mal que alimentam em seus lares, por mais grotesco que possa parecer, ainda não existe unanimidade em relação ao repúdio à prática do incesto.

 

Esta violência passou a ser mais fortemente analisada a partir de 1970 quando o movimento feminista tornou públicos temas até então considerados tabu, tais como o estupro, espancamento de mulheres no lar e abuso sexual de crianças. Anteriormente a essa época, o estudo sobre esses assuntos quase não era feito:

 

[...] o estudo da sexualidade humana tinha se pautado dentro de uma perspectiva falocrata que contribuiu seja para negar, por exemplo, o incesto pai-filha, na esteira da perspectiva freudiana, seja para minimizar sua incidência e seu impacto sobre as vítimas, na dos estudos de Kinsey [...] E foi exatamente porque o sexo intergeracional familiar equivalia a um escândalo na estrutura patriarcal da família que – tanto no nível da consciência comum quanto no nível da consciência científica americana – ele foi cercado por uma eficiente conspiração de silêncio (RANGEL, 2001, p.44).

 

O incesto cometido com crianças é uma violência doméstica em que afeto e violência estão presentes no mesmo delito, o incesto não resulta apenas do ataque de um indivíduo pervertido a uma vítima qualquer. É a expressão de dinâmicas familiares complexas, diz Susan Buck Forward, em sua obra “A traição da inocência. O incesto e sua devastação”.

 

O incesto entre adultos não é considerado crime no Brasil, mas é considerado uma forma de abuso sexual infantil quando ocorre entre um adulto e uma pessoa abaixo da idade de consentimento. Nosso ordenamento jurídico apenas proíbe as uniões civis entre parentes próximos por sangue ou afinidade.

 

Já foi proposto um projeto de Lei 603/2021 que será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania na Câmara dos Deputados para criminalizar a prática de incesto no Brasil, prevendo reclusão de um a cinco anos para quem mantiver relação sexual com pai ou mãe, filho ou filha, irmão ou irmã e ainda avô ou avó, seja parente consanguíneo ou por afinidade.

 

O incesto entre pai e filha foi durante muitos anos a forma mais comumente exposta e analisada, mas recentemente estatísticas apontam que o incesto do irmão mais velhos com irmãos mais novos tem sido a forma mais comum de incesto.

 

Nos tipos de incestos que ocorrem entre adultos com crianças, a descoberta acontece em geral pelo comparecimento da criança ao atendimento médico, momento em que se revela condições anatômicas desse relacionamento e que levam a gravíssimos ferimentos e até a mutilações.

 

No momento em que se identifica o incesto e se pretende intervir no sistema familiar, não basta apenas romper com uma corrente desses sistemas, é necessário desestruturar toda uma rede, cujos múltiplos nós sustentam os liames, porque sempre existirão pessoas dispostas a apoiar, ocultar e reforçar tais comportamentos incestuosos.

 

É a criança quem dá os primeiros sinais de alerta, com mudanças extremas de comportamento, medos, agressividade, gravidez precoce, baixo desempenho escolar, depressão e isolamento sem causa aparente, além de temor por certa pessoa ou medo de ser deixada sozinha, entre outras.

 

É necessário que se acredite na criança, não tratar como algo banal, visto que às mais novas, falta vocabulário para expressar o horror ao qual estão expostas, muitas das vezes quem o pratica podem ser aparentemente agradáveis, educados, com bom relacionamento interpessoal, o que torna a situação mais difícil de acreditar que pessoas assim possam praticá-lo.

 

“Quem viola uma criança, viola o seu próprio futuro” (apud AZEVEDO; GUERRA, 2005, p.206), a violência doméstica é um termo recorrente em nossa mídia, onde podemos verificar os mais diferentes sujeitos participantes dos mais variados atos de crueldade e desrespeito, principalmente em relação à mulher e a criança.

 

Os resultados nos mostram as deficiências que possuímos, tanto socialmente, quanto juridicamente, devido a não tipificação do incesto, sendo a prática contra ascendente, com prevalência de relações domésticas e contra a criança, apenas circunstâncias agravantes no momento de aplicação da pena.

 

Um avanço a ser observado é a admissibilidade dos filhos incestuosos, pois já possuem direitos específicos e presentes no ordenamento jurídico brasileiro com leis reguladoras que determinaram a não-discriminação dos filhos incestuosos e seus direitos ao registro civil de nascimento e a herança, além da Constituição Federal de 1988, podemos citar, a Lei de Registros Públicos n° 6.015/73, a Lei nº 8.560/92 e o Código Civil de 2002.

 

No Código Civil de 1916 não era admitido que o pai incestuoso registrasse a criança, fazendo com que levasse apenas o sobrenome de sua mãe. Porém, com a Constituição Federal de 1988 dispôs esse reconhecimento em seu art. 227, § 6º, concedendo aos filhos os mesmos direitos e qualificações, proibindo qualquer tipo de discriminação. 

 

Esses filhos sofreram com a injusta limitação dos seus direitos, já que o seu genitor falseava desconhecer-lhes a existência.

 

Na atualidade, podemos averiguar que a visão sistêmica também é bastante útil, na compreensão do processo incestuoso, ela nos revela que os limites entre subsistemas são imprecisos, fronteiras ultra permeáveis roubam aos indivíduos a identidade e o sistema maior revela-se amorfo, indefinido quanto aos seus valores e objetivos, essa disfunção no núcleo familiar se expande, incorporando parentes próximos dentro de um complexo onde experimentam uma convivência de todo condenável.

 

Por fim, o destaque dado a este tipo de violência na família, o incesto contra criança ou adolescente, tem por fundamento o fato de se constituir no embrião da violência social de maneira geral. Enfatizando que na unidade familiar encontra-se o laboratório sórdido das perversidades.

 

A síntese desta visão psicossocial e jurídica do incesto como violência doméstica pode ser feita com uma única recomendação, em vez de se investir exaustivamente na investigação, em profundidade deste tipo de comportamento violento, busque-se estratégias para implantar comportamentos não violentos, para uma cultura de paz, estes deslocarão aqueles para que esquemas mentais sejam modificados para incluir os que conduzam ao comportamento pacífico.

 

Assim troca-se a violência pela violência pela bem mais cômoda e socialmente ajustada paz pela paz.

 

Fonte: IBDFAM


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