Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

TJMG nega pedido de mulher para voltar a usar sobrenome do ex-marido após 30 anos de divórcio

por Débora Anunciação

quarta-feira, 08 de outubro de 2025, 14h01

A 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG manteve decisão da Comarca de Juiz de Fora e rejeitou o pedido de uma mulher para retomar o sobrenome de quando estava casada. O entendimento é de que a alteração de nome do registro civil é admitida apenas de forma excepcional e mediante motivação relevante, não se prestando a retificação ao simples arrependimento ou conveniência subjetiva.

Na ação, a autora pleiteou a reincorporação do sobrenome do ex-marido, alegando que foi casada e, após o divórcio, há 30 anos, continuou assinando o nome de casada. Ela argumentou que não percebeu que fora deferida a alteração para retomar o nome de origem. Segundo a autora, só descobriu a mudança recentemente, ao pedir a renovação do documento de identidade.

Conforme a defesa, a mulher atualmente encontra-se arrependida, pois não se atentou para o tópico do pedido na época. “Na verdade, para a requerente, o nome teria continuado o de casada, porém, no decorrer do presente ano, precisou renovar o documento de identidade e foi quando descobriu que seu nome havia sido alterado para o nome de solteira”, alegou a defesa.

A tese não foi acolhida na origem e ela recorreu. Ao avaliar o recurso, o relator também rejeitou o pedido por considerar que “a simples alegação de arrependimento posterior ou mesmo engano, conquanto respeitável no plano pessoal, não se qualifica como motivação suficiente à luz do regime legal vigente”.

“Portanto, os artigos 56 a 58 da Lei de Registros Públicos (6.015/1973) exigem causa justificada para a alteração, “não bastando o uso habitual do nome ou a conveniência pessoal como fundamento”, anotou o magistrado.

Ainda conforme o relator, “o uso prolongado do nome de casada pela apelante, por mais de 30 anos após a dissolução da sociedade conjugal, não possui força jurídica para afastar a manifestação de vontade regularmente expressa no acordo de separação, por meio do qual se operou a alteração do nome para o de solteira”.

Direito ao nome

A registradora Márcia Fidelis Lima, presidente da Comissão Nacional de Registros Públicos do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, acredita que a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG é tecnicamente acertada e alinhada aos princípios que regem o direito ao nome no Brasil.

Segundo ela, a utilização do sobrenome de um cônjuge é uma faculdade que se fundamenta na existência de um vínculo conjugal, com o objetivo de formar uma identidade familiar comum. “Embora a lei permita a manutenção do nome de casado após o divórcio, essa prerrogativa se justifica pelo princípio da continuidade, protegendo o direito da personalidade daquele que se tornou conhecido social e profissionalmente por aquele nome.”

No caso em tela, explica Márcia, a requerente, no momento da separação, manifestou expressamente sua vontade de retornar ao nome de solteira, rompendo, assim, a continuidade e o direito de uso. “A pretensão de, 30 anos depois, reaver o sobrenome do ex-marido não se configura como a correção de um erro ou a manutenção de um direito, mas sim como um arrependimento sobre uma decisão tomada no passado.”

Na visão da especialista, o Poder Judiciário agiu corretamente ao indeferir o pedido, pois o vínculo familiar que originalmente justificava o uso do sobrenome não existe mais, e a manifestação de vontade expressa na separação é um ato jurídico válido que deve ser respeitado, em nome da segurança jurídica.

Alterações

De acordo com a registradora, a recente alteração na Lei de Registros Públicos (6.015/1973) facilitou diversas modificações de sobrenome que podem ser feitas diretamente no cartório, sem necessidade de processo judicial. Entre as hipóteses mais comuns, estão a Inclusão de sobrenomes familiares; a Inclusão ou exclusão do sobrenome do cônjuge ou companheiro/a na constância do casamento ou união estável; a exclusão do sobrenome do ex-cônjuge após o divórcio; e alterações de filiação que impactam nos registros de familiares.

Neste contexto, Márcia Fidelis Lima destaca que motivos puramente subjetivos, como o arrependimento, não constituem "justa causa" para a alteração do nome. “O nome é um pilar da identificação da pessoa perante a sociedade e o Estado, garantindo a segurança das relações jurídicas.”

“Se fosse permitido alterá-lo com base em mera conveniência ou mudança de opinião, essa segurança seria fragilizada. A ‘justa causa’, exigida para alterações judiciais fora das hipóteses legais, precisa se basear em fatos objetivos que justifiquem a medida, como a correção de um erro ou a adequação do registro a uma realidade social consolidada”, observa.

A diretora nacional do IBDFAM pondera ainda que, embora a decisão do TJMG mencione ‘arrependimento’, a alegação da autora foi a de que não se atentou para a cláusula que determinava seu retorno ao nome de solteira. “Independentemente da motivação, seja um descuido, como alegado, ou um arrependimento posterior, houve uma manifestação de vontade formalizada em um acordo judicial.”

Ela acrescenta: “Essa ‘falha’ em não se atentar ao que estava assinando consolidou um ato jurídico que não pode ser desfeito, pois o casamento, que era o único fundamento para o uso do sobrenome do ex-cônjuge, foi dissolvido. Não há, portanto, mais causa jurídica para o acréscimo do sobrenome de quem não é mais seu cônjuge”.

Uso contínuo

De acordo com a especialista, o uso contínuo e público de um nome pode, em muitas situações, gerar um direito à sua formalização, com base no princípio da identidade pessoal e da realidade social. Isso ocorre, por exemplo, quando alguém é universalmente conhecido por um apelido e busca adicioná-lo ao seu registro.

Apesar disso, ela ressalta a particularidade do caso dos autos: “A origem do uso do nome tornou-se ilegítima a partir do momento em que a própria pessoa concordou, em um acordo judicial homologado, em retomar seu nome de solteira. O uso do sobrenome de casada por 30 anos ocorreu, portanto, em desacordo com seu registro oficial”.

O direito à identidade pessoal, segundo a registradora, não pode se sobrepor a um ato jurídico perfeito, praticado pela própria titular do direito, que formalmente renunciou ao uso daquele nome.

Ela explica: “Para que o uso prolongado gerasse um direito, seria necessário que não houvesse essa quebra formal. Como ela mesma desfez o elo legal com o sobrenome, o uso posterior, ainda que prolongado, não tem o poder de restaurar um direito que foi voluntariamente extinto”.

Tribunais

Márcia esclarece que a decisão está em plena sintonia com a jurisprudência dominante, inclusive do Superior Tribunal de Justiça – STJ. “Os Tribunais brasileiros são consistentes em diferenciar a manutenção do nome de casado da reincorporação após a renúncia.”

“É pacífico o entendimento de que a pessoa divorciada tem o direito de manter o sobrenome adotado no casamento, especialmente se, com o passar dos anos, ele se consolidou como parte de sua identidade profissional e social. Essa é uma proteção ao seu direito de personalidade”, explica.

A registradora ressalta, no entanto, que a situação de quem optou por voltar a usar o nome de solteiro e, anos depois, deseja readotar o sobrenome do ex-cônjuge é vista de forma muito mais restritiva.

Segundo ela, a jurisprudência majoritária entende que, com o divórcio e a renúncia expressa ao nome, cessa a causa jurídica para sua utilização. “A tentativa de reincorporação é, em regra, negada por ausência de justa causa, exatamente como decidiu o TJMG.”

Legislação

Márcia Fidelis Lima reconhece que “a legislação de registros públicos passou por uma modernização muito bem-vinda e significativa em 2022, que já introduziu uma flexibilidade considerável, desjudicializando muitos procedimentos e ampliando as hipóteses de alteração”.

“O sistema atual, que combina regras claras para os casos mais comuns (a serem resolvidos em cartório) com a necessidade de análise judicial para situações excepcionais via ‘justa causa’, me parece equilibrado”, afirma.

Ela entende que incluir uma hipótese legal específica para a reincorporação do sobrenome do ex-cônjuge seria juridicamente questionável. “O sobrenome, nesse contexto, não é um patrimônio da pessoa, mas uma consequência de um estado civil que não existe mais.”

Complementa ainda que a adoção do sobrenome se justifica pela identidade familiar e sua manutenção, pela continuidade do uso. “Criar uma regra que permita um ‘vai e vem’ desvinculado de sua causa original poderia gerar insegurança jurídica.”

Por fim, Márcia conclui que a moderna abordagem do direito ao nome busca harmonizar a necessidade pública de identificação com o direito privado à identidade, que é uma das facetas da dignidade da pessoa humana.

“Embora a legislação tenha avançado para ser mais sensível às histórias de vida, ela também reforça que nossas escolhas geram consequências jurídicas. A decisão do TJMG, portanto, serve como um importante lembrete de que o nome, como expressão da nossa identidade, deve ser tratado com liberdade e responsabilidade, preservando o delicado equilíbrio que sustenta uma ordem jurídica justa e estável para todos”, finaliza a especialista.


Fonte: IBDFAM


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