Transição energética. COP28 aprova acordo para afastar países dos combustíveis fósseis
por Mariana Ribeiro Soares, Carlos Santos Neves - RTP
quarta-feira, 13 de dezembro de 2023, 13h50
Thomas Mukoya - Reuters
Após uma maratona de negociações que obrigou a expandir o calendário dos trabalhos, a Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas aprovou esta quarta-feira um acordo de alcance potencialmente histórico que visa promover a transição energética, distanciando as nações dos combustíveis fósseis.
Esta é a a primeira vez, na história das conferências das Nações Unidas dedicadas ao clima, que um documento final dos trabalhos reflete a transição dos combustíveis fósseis para fontes energéticas alternativas. A aprovação do documento ultimado pelos Emirados Árabes Unidos desencadeou aplausos generalizados entre as delegações à COP28.
O presidente da Conferência sobre as Alterações Climáticas, Sultan Al Jaber, saudou depois o que descreveu como uma decisão "histórica para acelerar a ação climática".
"Temos uma formulação sobre as energias fósseis no acordo final, pela primeira vez. Devemos estar orgulhosos deste sucesso histórico e os Emirados Árabes Unidos, o meu país, estão orgulhosos do seu papel para aqui chegarmos. Deixamos o Dubai de cabeça erguida", clamou.
O texto, cujas palavras foram negociadas pelos Emirados Árabes Unidos, apela à "transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, com o objetivo de alcançar a neutralidade carbónica em 2050, de acordo com recomendações científicas”.
O documento final evitou, assim, a utilização da palavra “eliminar”, que era contestada pelos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e pela Arábia Saudita, e substituiu-a por “transição”, o que deixa uma janela aberta para a continuação da expansão dos combustíveis fósseis.
Estados insulares sinalizam "preocupações"
Muitos delegados de países celebraram o acordo como um avanço significativo. No entanto, os defensores da justiça climática e a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS) afirmam que o texto ficou muito aquém do necessário e sinalizam “preocupações”.
“Vemos uma série de lacunas neste texto que são uma grande preocupação para nós. Vemos referências à ciência ao longo do texto, mas depois abstemo-nos de um acordo para tomar as medidas relevantes, a fim de agir de acordo com o que a ciência diz que temos que fazer”, diz a AOSIS. “Não é suficiente fazermos referência à ciência e depois fazermos acordos que ignoram o que a ciência nos diz que precisamos de fazer”, acrescenta.
“Sentimos que o texto não proporciona o equilíbrio necessário para reforçar a ação global para a correção do rumo das alterações climática. É incremental e não transformacional”, aponta.
“Demos um passo em frente relativamente ao status quo, mas o que realmente precisávamos era de uma mudança exponencial”, declarou Anne Rasmussen, representante das ilhas Samoa que preside a AOSIS.
Eliminação dos combustíveis fósseis "é inevitável"
O secretário-geral da ONU, António Guterres, saudou o acordo que diz reconhecer “pela primeira vez” a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis.
“Pela primeira vez, há um reconhecimento da necessidade de abandonar os combustíveis fósseis – depois de muitos anos em que a discussão desta questão esteve bloqueada”, escreveu Guterres na rede social X.
O secretário-geral da ONU destaca que o acordo global da COP28 reafirma "claramente" a necessidade imperativa de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius, “exigindo reduções drásticas das emissões globais de gases com efeito de estufa nesta década”, disse Guterres.
Science tells us that limiting global heating to 1.5°C will be impossible without the phase out of fossil fuels.
This was also recognized by a growing & diverse coalition of countries at #COP28.
The era of fossil fuels must end – and it must end with justice & equity. pic.twitter.com/4BJThdZNLs
— António Guterres (@antonioguterres) December 13, 2023
"A ciência diz-nos que é impossível limitar o aquecimento global a 1,5 graus sem eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis dentro de um prazo compatível com este limite. Este facto foi reconhecido por uma coligação crescente e diversificada de países", afirmou Guterres.
“A era dos combustíveis fósseis deve terminar – e deve terminar com justiça e equidade”, apelou, afirmando que “a eliminação dos combustíveis fósseis é inevitável”. “Esperemos que não chegue tarde demais”, declarou.
O secretário executivo da ONU para o Clima, Simon Stiell, também saudou os resultados da COP28, mas alertou que os compromissos têm de ser efetivamente cumpridos com urgência e que os países têm de apresentar resultados.
"Todas as iniciativas anunciadas aqui no Dubai serão objeto de uma análise aprofundada (...). Esta é uma `tábua de salvação` para a ação climática, não uma linha de chegada. Todos os governos e empresas devem agora transformar estes compromissos em resultados económicos concretos, sem demora", alertou Stiell numa intervenção final na 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas.
Neste sentido, o responsável disse que é preciso "avançar com a aplicação do Acordo de Paris" e que no início de 2025, os países devem fornecer novos contributos a nível nacional.
"Cada um destes compromissos, em termos de financiamento, adaptação e atenuação, deve permitir aproximarmo-nos de um mundo com um aumento de temperatura de 1,5 graus. Os países devem preparar e apresentar os primeiros relatórios bienais de transparência até ao final do próximo ano", avisou Simon Stiell.
A presidente da Comissão Europeia também saudou o acordo que merca “o início da era pós-fóssil”.
Congratulations #COP28!
A crucial part of this historic deal is truly made in Europe.
The whole world endorsed our 🇪🇺 2030 targets:
👉 to triple renewable energy
👉 to double energy efficiency, both by 2030
Today's agreement marks the beginning of the post-fossil era.
— Ursula von der Leyen (@vonderleyen) December 13, 2023
“O mundo apoiou os objetivos da UE para 2030: triplicar as energias renováveis e duplicar a eficiência energética”, disse Ursula von der Leyen numa mensagem partilhada na rede social X.
O representante da delegação saudita saudou o “grande sucesso” da cimeira da ONU e expressou a sua “gratidão” após o acordo.
“O grupo árabe expressa a sua gratidão aos grandes esforços da presidência dos Emirados e de sua equipa”, declarou Albara Tawfiq, que preside o grupo árabe na ONU Clima.
John Kerry, emissário dos Estados Unidos para o clima, congratulou-se com o acordo alcançado na COP28 no Dubai, afirmando que se trata de "uma razão para o otimismo" num mundo em conflito.
"Penso que todos ficarão satisfeitos com o facto de, num mundo abalado pela guerra na Ucrânia e no Médio Oriente e por todos os outros desafios, existir uma razão para sermos otimistas, para estarmos gratos e para nos congratularmos todos juntos", afirmou Kerry.
O presidente francês, Emmanuel Macron, saudou o acordo adotado como “um passo importante” que “compromete o mundo com uma transição sem combustíveis fósseis”, ao mesmo tempo que apelou à “aceleração” da luta contra as alterações climáticas.
A ministra francesa da Transição Energética, Agnès Pannier-Runacher, também aplaudiu o acordo que considera ser “uma vitória para o multilateralismo e para a diplomacia climática”.
“O texto apela pela primeira vez à saída gradual dos combustíveis fósseis, em linha com o objetivo de 1,5°C”, disse a ministra francesa. “Esta é a primeira vez que todos os países convergiram neste ponto”, salientou.
Pannier-Runacher também aplaudiu o facto de, “pela primeira vez, o texto mencionar repetidamente a contribuição da energia nuclear para a luta contra as alterações climáticas”.
O Brasil instou os países desenvolvidos a liderar a transição energética e a fornecer “os meios necessários” aos países em desenvolvimento.
“É fundamental que os países desenvolvidos assumam a liderança na transição para o fim dos combustíveis fósseis”, disse a ministra brasileira do Ambiente, Marina Silva, apelando também a que “assegurem os meios necessários aos países em desenvolvimento”.