Tecnologia verde sob patente trava a transição energética no Sul Global
por Redação USP
terça-feira, 24 de junho de 2025, 14h00
A corrida por tecnologias verdes, como a energia eólica e a solar, se depara com um obstáculo: o regime internacional de propriedade intelectual. A crítica vem sendo articulada por países do Sul Global que, embora enfrentem os maiores impactos da crise climática, estão à margem do desenvolvimento tecnológico necessário para uma transição energética justa. Quem explica é João Telésforo, pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.
Ele comenta que os países do Sul Global, por terem grande dependência de importações para o seu desenvolvimento tecnológico, acabam tendo maiores custos, uma vez que as tecnologias estão patenteadas:
Telésforo é autor de duas notas recém-publicadas, que analisam, respectivamente, o papel das patentes como barreira à transição energética no Sul Global e o desempenho das políticas brasileiras voltadas à indústria eólica. Os dados apontam uma concentração drástica: de 2000 a 2024, apenas dez países foram responsáveis por mais de 81% dos depósitos internacionais de patentes em energia eólica. Entre os líderes, apenas a China não é de alta renda.
Em energia solar, o cenário é ainda mais desigual: cinco países concentram 77% dos pedidos de patentes.
O “chutão da escada”
Para o pesquisador, esse quadro reflete não apenas um problema de mercado, mas de regras do jogo. “Os países do Norte Global acabam gerando algo que o economista Ha-Joon Chang chama de ‘chutão da escada’. Eles adotaram medidas de exigência de transferência de tecnologia, de engenharia reversa e, depois que alcançaram o topo, tornaram essas práticas ilegais para o resto”, afirma. Ele lembra que acordos internacionais como o TRIPS, administrado pela Organização Mundial do Comércio, impõem uma blindagem às patentes e até limitam cláusulas de exigência de transferência de tecnologia nos contratos com empresas estrangeiras. “Isso cria uma armadura internacional para impedir o desenvolvimento sustentável dos países periféricos.”
Diante desse impasse, o Sul Global tem proposto medidas como o licenciamento compulsório de tecnologias verdes — ou, em termos mais radicais, a criação de um regime de bens públicos globais para tecnologias da transição ecológica. “Um sistema de bens públicos globais nessa área é um sistema em que você não pode patentear qualquer tecnologia associada à transição ecológica”, argumenta Telésforo, comentando que o secretário-geral da ONU, António Guterres, defendeu essa proposta. “Se os países do Sul Global continuarem enfrentando barreiras econômicas e tecnológicas, nós não conseguiremos enfrentar as mudanças climáticas no ritmo necessário.”
O cenário nacional
Internamente, a trajetória brasileira expõe uma contradição. Apesar do crescimento da geração eólica — concentrada sobretudo no Nordeste, com destaque para o Rio Grande do Norte —, o País está fora da lista dos 20 maiores depositantes de patentes na área.
Houve retomada parcial em 2023, mas com limitações. “Houve um fato positivo, com a volta dos investimentos em ciência e tecnologia, inclusive na área de transição energética. Porém, é um fato preocupante que também houve uma retomada ainda mais forte no setor de combustíveis fósseis”, critica Telésforo. “Essa é a contradição que precisamos abordar: reduzir investimentos em fósseis e aumentar ainda mais em renováveis e em desenvolvimento tecnológico.”