POLUIÇÃO
PMCMV: MPF pede indenizações de R$ 130 milhões para reparar danos sofridos por centenas de famílias em Patos de Minas (MG)
por MPF
sexta-feira, 06 de novembro de 2020, 08h12
Construções foram erguidas em terrenos vizinhos à Estação de Tratamento de Esgoto da cidade, resultando na convivência diária com gases tóxicos e intenso mau-cheiro. Ação também aponta danos ao erário e ao meio ambiente urbano
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal (Caixa), a empresa Pizolato Construtora e Incorporadora Ltda e o Município de Patos de Minas, para que cessem e reparem todos os danos ao meio ambiente urbano, aos consumidores e ao erário público federal causados pela aprovação, construção e entrega de centenas de imóveis defeituosos a beneficiários do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) na cidade de Patos de Minas (MG).
Os Residenciais Quebec I, II e III possuem ao todo 884 unidades residenciais. De acordo com a ação, cerca de dois terços dessas unidades (isto é, 590 casas) são imóveis impróprios à moradia, porque os empreendimentos foram construídos bem ao lado da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Patos de Minas, que trata todo o esgoto dos cerca de 150 mil habitantes da cidade, o que faz com que os moradores estejam diuturnamente expostos aos gases tóxicos e, sobretudo, aos maus odores liberados pela estação.
O agravante é que a Estação de Tratamento de Esgoto já estava instalada e operava no local anteriormente à aprovação e implantação desses empreendimentos, o que tornava previsível para a construtora, a Caixa e a gestão do Município da época que os futuros moradores viriam a sofrer as consequências da proximidade de suas casas à estação.
Isso, no entanto, não impediu que os réus aprovassem e implantassem com recursos públicos destinados ao Programa Minha Casa Minha Vida os loteamentos para a residência de mais de 800 famílias, sujeitando-as aos gases tóxicos e ao mau cheiro de esgoto permanentemente emitidos pela ETE.
Essa proximidade torna insuportável o cotidiano das pessoas que ali vivem. O problema é tão grave, que, na prática, tornou boa parte das residências praticamente inservível à moradia.
Os moradores relataram ao MPF inúmeros problemas de saúde: náuseas, irritação nos olhos, falta de apetite, alergias de pele e respiratórias, diarreias, fadigas, cefaleias, doenças respiratórias e depressão, estes os sintomas mais comuns da exposição contínua aos gases e maus odores. Não raro, eles se veem obrigados a procurarem atendimento clínico nas unidades de saúde em decorrência do ambiente insalubre a que estão expostos noite e dia, ano após ano. À péssima qualidade de vida somam-se despesas médicas e com remédios e até violências de ordem moral, pois os moradores sofrem todo tipo de constrangimento na cidade em razão do fato do habitarem esse local.
“Além de todos esses graves danos à saúde, qualidade de vida, prejuízos financeiros e abalos morais, os relatos dos moradores mencionam ainda que, por causa da falta de apetite que os fortes odores que atingem as residências lhes causa, eles são muitas vezes obrigados a realizarem suas refeições em horários diferentes do usual ou mesmo a deixarem de realizar algumas refeições. Há casos de crianças que vão para a escola com fome, porque sentem tanta náusea com o cheiro do esgoto, que não conseguem se alimentar”, descreve a procuradora da República Polyana Jeha.
“A construção e a destinação a mais de 800 famílias de casas populares construídas à beira de uma estação aberta de tratamento de esgoto causaram e ainda vêm causando os mais diversos danos a direitos, seja na órbita ambiental-urbanística, seja na órbita consumerista, e até mesmo danos ao erário público federal, pela má gestão e aplicação indevida de recursos do FAR e do FGTS. E os responsáveis precisam ser devidamente obrigados a, na justa medida de suas responsabilidades, reparar e indenizar todos esses danos causados”, destaca Polyana.
Falsas informações – A ação relata que os fatos tiveram início em 2013.
A Caixa atuou como agente executora da política habitacional, tendo sido responsável por selecionar e aprovar a “melhor” proposta (que, conforme se apurou, estava longe de ser a melhor) entre as construtoras que se candidataram à execução de projetos habitacionais na cidade; repassar os valores necessários à compra do terreno e à construção das casas; acompanhar a execução do projeto; celebrar o contrato com os particulares e gerir os imóveis até a futura alienação aos adquirentes. Foi, portanto, a Caixa que aprovou o projeto da Pizolato Construtora e Incorporadora Ltda para a implantação do empreendimento nesse local e contratou a empresa para a construção das centenas de residências.
Perícia de engenharia civil realizada pelo MPF atestou que, já nessa fase, as avaliações imobiliárias dos loteamentos Jardim Quebec I e II feitas pela Caixa não levaram em consideração, nem para a estimativa do preço desses terremos que estavam sendo adquiridos pelo FAR, nem para fins de viabilidade de construção de moradias populares no local, a circunstância de o loteamento estar situado ao lado de uma Estação de Tratamento de Esgoto.
No pedido de licença ambiental que encaminhou aos órgãos competentes, a construtora inclusive prestou informações inverídicas sobre os empreendimentos, escondendo quais seriam suas reais dimensões e população, para se ver livre da exigência do procedimento de licenciamento ambiental que era exigido por lei (e que exigiria vistoria in loco e a apresentação de estudos de impacto etc.) e conseguir uma autorização ambiental simplificada para os residenciais.
Por conta dessas falsas informações prestadas pelo empreendedor, o órgão ambiental ficou impedido de qualificar corretamente o tipo/porte do empreendimento. Em consequência, a ausência do correto procedimento de licenciamento ambiental também impediu que o órgão ambiental pudesse analisar e impedir os impactos negativos do empreendimento à saúde humana.
A ação apresenta provas de que a própria Pizolato Construtora já enunciava como um “tópico de relevância” do empreendimento Residenciais Quebec I e II “o controle de odores gerado pela ETE”, o que demonstra, desde o início, a “plena ciência tanto por parte da construtora e do gestor municipal quanto por parte da Caixa de que as mais de 800 casas que seriam construídas ali receberiam alto influxo de gases tóxicos/mau-cheirosos provenientes da estação de tratamento de esgoto”.
O MPF afirma que, mesmo se essa ciência não estivesse tão bem comprovada como está, ainda assim a legislação ambiental e consumerista determina que eles respondam pelos danos causados pelo empreendimento (responsabilidade objetiva). Mas as provas da “ciência desses fatos por parte dos envolvidos reforça o quão ilegais e afrontosas são suas condutas ao Direito (à vida, à saúde, à qualidade de vida e à moradia digna de centenas de famílias de baixa renda e, portanto, já mais vulneráveis, e ao erário público federal)”.
Houve outras graves irregularidades ambientais-urbanísticas no procedimento de aprovação dos empreendimentos, tais como a ausência do Estudo de Impacto à Vizinhança, que é obrigatório para empreendimentos habitacionais desse porte, mas não foi nem apresentado pela construtora, nem cobrado pela Prefeitura à época. Também foram feitas intervenções em Área de Preservação Permanente autorizadas por órgão incompetente, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (Codema), o que “torna todos os procedimentos de aprovação e licenciamento desses empreendimentos nulos”, afirma a procuradora da República.
Durante o inquérito civil, o MPF investigou também as operações e atividades da estação de tratamento de esgoto pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
Após vistorias in loco na estação, os laudos técnicos da SUPRAM e da perita do MPF concluíram que a liberação de gases e maus odores é intrínseca às atividades de uma estação desse tipo e que a COPASA vem cumprindo com todas as medidas mitigadoras e condicionantes que lhe foram atribuídas pelos órgãos ambientais quando da concessão das licenças de instalação e operação. Portanto, a ETE-Patos de Minas está operando legal e regularmente em termos ambientais.
Recomendação não atendida - Em fevereiro de 2019, durante vistoria, o MPF constatou a construção de aproximadamente 40 novas unidades habitacionais dentro dos mesmos loteamentos dos Residenciais Quebec I e II.
Era o Residencial Quebec III: no mesmo local, um novo empreendimento aprovado e financiado pela Caixa também no âmbito do PMCMV e com a mesma construtora.
Diante dos novos atos temerários de gestão, operação e execução de recursos públicos e ações no âmbito do PMCMV, e ainda antes de serem finalizadas as obras e repassada a totalidade dos valores pactuados à construtora, o MPF expediu recomendação à CEF, para a suspensão dos repasses até que os empreendimentos fossem regularizados. Mas a Caixa optou por deliberadamente insistir no erro, levando adiante um empreendimento habitacional ilegal que, naquela altura, mais que sabidamente, traria danos à saúde e à qualidade de vida dos moradores, tal como já haviam trazido os Residenciais Quebec I e II.
Por sinal, o MPF lembra que, neste caso, a conduta do agente financeiro foi ainda mais grave, porque, em 2018, já estava em vigor a Portaria nº 269/17, do Ministério das Cidades, que proíbe, de forma clara, que as unidades habitacionais de programas federais de moradia fiquem a menos de 250 metros de distância de unidade de tratamento de esgoto aberta, exatamente como acontece com os residenciais.
Para o MPF, “as condutas dos requeridos, no plano ambiental-urbanístico, impediram que fossem devidamente analisados e mesmo impedidos os impactos extremamente negativos desses empreendimentos habitacionais na vida dessas famílias; e no plano consumerista e de gestão do patrimônio público e execução de políticas públicas (recursos do FAR e do FGTS; PMCMV), levaram a cabo dois empreendimentos que desde o início já se apresentavam como inviáveis ou no mínimo temerários em termo de riscos à saúde e à qualidade de vida de mais de oitocentas famílias de baixa renda necessitadas de moradia, atendidas pelo PMCMV, com grave comprometimento dos recursos públicos federais aplicados nesses empreendimentos”.
Pedidos – Diante da gravidade da situação a que estão expostas as mais de 800 famílias, o MPF pede, na ação, que a Justiça Federal obrigue a Caixa e a construtora a propiciarem a saída das famílias dessas casas, seja, liminarmente, pagando-lhes o valor do aluguel de um imóvel semelhante na mesma cidade, seja ao final da ação promovendo a entrega de um novo imóvel, congênere ao atual mas salubre e condigno, para o qual possam se mudar em definitivo.
O Ministério Público Federal ressaltou que não considera como medidas adequadas para a cessação e a reparação do vício dos imóveis “a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos” (II); ou “o abatimento proporcional do preço” (III), conforme previsto no art. 18, do Código de Defesa do Consumidor.
Isso porque o tipo de vício de que padecem os imóveis é tão grave, que os torna completamente impróprios ao fim a que se destinam, não sendo o simples abatimento proporcional do preço do imóvel capaz de reverter a drástica situação dessas famílias de falta de um imóvel digno e apto à moradia.
Além disso, “por se tratarem de imóveis com alto percentual de valor de custo subsidiado com recursos públicos (transferências financeiras da União para o FAR na Faixa 1, e recursos do FGTS no Faixa 1,5), tendo as parcelas e os demais encargos financeiros do contrato pagos pelos adquirentes, sobretudo na Faixa 1, reduzido impacto no valor de custo desses imóveis, o eventual abatimento proporcional do preço do imóvel em razão do vício de que padecem seria medida muito pouco expressiva para reparar a situação da falta de um imóvel adequado à moradia vivida por essas famílias”.
“A verdade é que essas famílias provavelmente não teriam condições de adquirir outro imóvel congênere no mesmo município com os valores que eventualmente recebessem a título de restituição de todas as quantias pagas em razão do contrato, devidamente atualizadas, mais perdas e danos. Para não falar da possibilidade de que esta medida inflacionasse ainda mais o mercado imobiliário local correspondente a essa faixa de renda, dado o expressivo número das famílias consumidoras lesadas (algumas centenas) frente ao pequeno porte do Município (150 mil habitantes) e do seu mercado imobiliário; ou mesmo da possibilidade de que os imóveis disponíveis no mercado imobiliário local para essa faixa de renda sequer existam em número suficiente para atender às demandas dessas centenas de famílias”, explica a procuradora da República.
Segundo a ação, a Caixa ainda deverá arcar com o valor equivalente a todas as melhorias que os beneficiários do PMCMV tenham realizado nos imóveis, com o serviço de transporte dos mobiliários e com outras despesas inerentes e necessárias à desocupação desses imóveis e ocupação dos novos, além do ressarcimento de quaisquer prejuízos financeiros que os moradores tenham tido em razão da exposição de seus imóveis aos gases/maus odores liberados pela ETE-Patos de Minas, desde que comprovados.
Também foi pedido que a Prefeitura, entre outras providências, seja obrigada a efetuar análise da situação de saúde de cada família moradora dos residenciais, a partir de dados levantados através de entrevistas com os moradores bem como de registros de atendimento, prontuários e outros documentos médicos relacionados a eles, implantando em até 60 dias uma rede de serviços e atendimentos médico-psicológicos específicos para os moradores que apresentem sintomas e doenças possivelmente associados aos gases tóxicos/maus odores liberados pela ETE.
A Construtora, por sua vez, além de outras medidas de cumprimento da legislação, deverá providenciar a apresentação de um projeto que indique e detalhe medidas alternativas viáveis de serem executadas na ETE-Patos de Minas para eliminar completamente ou ao menos minimizar os gases tóxicos/maus odores liberados pela ETE que atingem os Residenciais Quebec.
Caso condenadas pelo Juízo, a Caixa e a construtora Pizolato deverão providenciar medidas de reparação, inclusive do erário público, e pagar aos moradores indenizações por danos materiais individuais, morais individuais e morais coletivos que dificilmente serão inferiores a R$ 130 milhões.
Clique aqui para ter acesso à íntegra da inicial da ação.
Fonte: Ministério Público Federal