Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

ARTIGO

Dano moral coletivo ambiental: finalmente um critério

por Marcelo Kokke Karina Marx Macêdo

sexta-feira, 30 de maio de 2025, 16h00

A definição do dano moral coletivo ambiental é um assunto tormentoso, repleto de posicionamentos e perspectivas. É possível traçar uma divisão na compreensão dos pontos polêmicos em dois aspectos essenciais. O primeiro diz respeito à existência do dano moral coletivo ambiental. O segundo diz respeito a como estabelecer sua valoração.

 

Este artigo tratará do segundo dos problemas, versará sobre a fixação do dano moral coletivo em matéria ambiental. Parte-se daqui em virtude de posicionamento consolidado do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não é necessário que haja perturbação à paz social ou impactos relevantes sobre a comunidade local para que se configure o dever de reparação pelos danos morais coletivos (STJ — REsp nº 1.555.220/MT; AREsp 1.717.869 / MG; REsp 1.058.222/SP; REsp nº 1.989.778/MT; REsp 1.198.727/MG, dentre outros).

 

Em verdade, o dano moral coletivo é uma dimensão de dano extrapatrimonial, com configuração de dano social em virtude de afetação do valor da existência do bem ambiental. Por isso, conforme reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, trata-se de um dano in re ipsa, isto é, dano presumido. Seguindo as linhas de construções e estudos jurídicos desenvolvidos, a Advocacia-Geral da União, por meio da Procuradoria Federal Especializada junto ao Ibama, firmou posicionamentos gerais para atuação em todas as ações ambientais de sua atribuição. Fixou-se que a reparabilidade do dano moral coletivo deriva do princípio da reparação integral dos danos ambientais. Portanto, o dano moral coletivo também está albergado pela imprescritibilidade, em plena conformidade ao Tema 999 — RE 654.833 — STF.

 

Fixada a existência e exigibilidade do dano moral coletivo ambiental, tem-se o desafio de determinar sua valoração, de definir o valor devido. Quando se fala de fixação de dano moral, seja ele qual for, a locução no sentido de que sua fixação deve guardar os trilhos da proporcionalidade e da razoabilidade é uma constante.

 

Esse entendimento, contudo, não afasta a necessidade de uma amarração concreta, segura, para fins de definir o dano moral coletivo ambiental, sob pena de se lastrear a fixação deste dano em referenciais excessivamente abstratos, o que conduz inexoravelmente à insegurança jurídica, abrindo espaços para contorno flutuante, revelando uma aparente situação de estabilidade, quando, em verdade, estar-se-á simplesmente fechando as cortinas em uma aeronave que sobe e desce em meio à turbulência. Aliás, mesmo aqueles que discordam quanto à sua existência, admitem, em uma espécie de concordância subsidiária ou sucessiva, que deve haver um critério caso seja determinada sua indenizabilidade.

 

A partir do Despacho nº 00460/2024/Ceresp/PFE-Ibama-Sede/PGF/AGU, em âmbito federal, nas ações de dano ambiental em que o Ibama pleiteia a reparação desses danos, foi fixado critério para o pleito de reparação de dano moral coletivo ambiental a ser apresentado ao crivo do Poder Judiciário, explicitando pontos referenciais claros na definição do quantum indenizatório.

 

O resultado vem ao encontro de anseios tanto da parte autora, quanto da parte ré, tal como do Judiciário, na perspectiva da atuação do sistema de justiça em busca de aperfeiçoamento da segurança jurídica. Asseguram-se parâmetros de previsibilidade para ambas as partes, assim como vem fornecer ao Judiciário um referencial que está sendo adotado em escala nacional, de modo a se evitar tratamentos díspares e conflituosos, assim como anomalias decisórias. Ter um critério referencial é o primeiro passo para qualquer estabilização de expectativas.

Percurso da valoração
O posicionamento adotado ancora-se no método bifásico para fins de fixação da valoração do dano moral coletivo ambiental, metodologia já adotada pelo Superior Tribunal de Justiça em outras esferas da responsabilidade civil. A fixação do valor reparatório pelo método bifásico efetiva-se pelos seguintes percursos. Inicialmente, fixa-se um valor básico, definido de forma ancorada em critérios claros calcados no interesse e proteção jurídica pertinentes ao bem ecológico lesado, inclusive tendo em relevo o grupo de precedentes judiciais afetos ao tipo de degradação ocorrida.

 

A segunda fase do método se dá pela avaliação referencial do caso concreto, tendo em questão fatores e elementos próprios que influem na relação entre a ação ou omissão praticadas e o resultado danoso, com avaliação qualitativa e quantitativa.

 

Para fins de efetivação da primeira fase, adotaram-se os critérios de valoração do dano ambiental material, previstos na Portaria Ibama nº 118, de 3 de outubro de 2022, que veio a instituir o Procedimento Operacional Padrão (POP) para Estimativa dos Custos de Implantação e Manutenção de Projeto de Recuperação Ambiental nos Biomas Brasileiros. Essa portaria, que em verdade é uma consolidação de estudos técnicos e analíticos, determinou o valor médio de reparação estimada por hectare degradado em cada bioma brasileiro. É a partir dela que a AGU demanda a valoração de estimativa reparatória do dano ambiental material.

 

Ancorado nas estimativas do Procedimento Operacional Padrão, o desenvolvimento jurídico efetivado alcançou, sob a avaliação de estimativas técnicas de impacto e precedentes jurisprudenciais, o referencial de 5% como base para a estimativa na primeira fase na estipulação pelo método bifásico. Isso significa, v.g., que se a valoração do dano material ambiental foi estimada em R$ 1 milhão, o referencial da primeira fase do método parte do valor de R$ 50 mil. Em seguida, aplica-se a segunda fase.

 

Na segunda fase, todos os elementos do caso concreto são avaliados. Em que termos se deu a ação ou omissão que levou ao ato de degradação ambiental? A participação ou ocorrência foi para fins de benefício econômico do sujeito? Qual a capacidade econômica do responsável? Quais os impactos ambientais derivados da gravidade dos fatos, considerando os motivos e consequências para a saúde humana e para o meio ambiente? Quais são os antecedentes do sujeito e o grau de reprovabilidade existentes no caso concreto? Esses elementos são motivacionais para fins de definição de percentual de acréscimo ao valor referencial, obtido na primeira fase. Cada um dos fatores pode levar a acréscimos ou decréscimos percentuais, tanto a ponto de manter-se em nível próximo ao referencial da primeira fase, quanto a ponto de ultrapassar o percentual de 100%, devidamente motivado.

 

Suponha-se que haja situação de gravidade mediana, motivada no caso concreto, a que se leve o referencial de 50% sobre o valor base da primeira fase, aferido, no exemplo acima, em R$ 50 mil. O valor total demandado para a reparação do dano moral coletivo será estimado em R$ 75 mil. A metodologia e o posicionamento alcançados permitem um fluxo lógico, um vetor de coerência e mensuração a fim de que se tenha em avaliações, inclusive, casos semelhantes e casos díspares, a evitar a instabilidade. Permite-se tanto a partes quanto ao Poder Judiciário ter uma matriz de atuação, a evitar tratamentos incongruentes e críticas sociais, muitas delas legítimas, a afastar a triste e trágica fala que remete ao realismo jurídico: cada cabeça uma sentença.

 

Marcelo Kokke é pós-doutor em Direito Público Ambiental pela Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), mestre e Doutor em Direito pela PUC-Rio, pós-graduado em Ecologia e Monitoramento Ambiental, procurador federal da Advocacia-Geral da União, coordenador da Coordenação de Assuntos Estratégicos e Responsabilidade Civil da PFE-Ibama, professor da Faculdade Dom Helder Câmara.

Karina Marx Macêdo é procuradora federal da Advocacia-Geral da União e procuradora-chefe da PFE-Ibama.

 

Fonte: CONJUR


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