Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

OPINIÃO

Quando a natureza pede socorro diante do PL do Licenciamento Ambiental

por Adriana Macedo Faccio, Ana Alice De Carli

quinta-feira, 21 de agosto de 2025, 14h20

Desde os primórdios, a natureza tem sido — ao mesmo tempo — objeto de estudo, de contemplação e de exploração. Com efeito, vale fazer aqui breve distinção entre natureza e meio ambiente a despeito desses conceitos se interconectarem, e — muitas vezes — serem tratados como sinônimos. O sentido de meio ambiente relaciona-se a um “conjunto de elementos bióticos e abióticos que coexistem no ambiente” [1], sendo mais utilizado para descrever espaços onde há interação entre as pessoas e os demais microorganismos vivos. Por outro lado, o termo “natureza” abrange todas as formas de vida, com suas peculiaridades, que, ao mesmo tempo, as tornam diferentes quanto às suas características, mas se aproximam no tocante aos cuidados com a sua existência e resiliência.

 

Gustavo Lima/STJ

 

A luta pela sobrevivência e pelo lucro tem transformado a humanidade em exploradora cega, voraz e com pouca — ou nenhuma — preocupação com a saúde e o equilíbrio dos ecossistemas. Nesse sentido, o capitalismo, calcado no extrativismo dos recursos naturais, tem contribuído para o distanciamento, cada vez maior, entre o homem e a natureza, resultando no desrespeito aos ciclos naturais e no tratamento da Terra como mera fonte de recursos [2]. O modelo de crescimento econômico a qualquer preço, baseado em uma relação predatória utilitarista do homem sobre a natureza, não vai se sustentar por muito tempo. E o grande organismo vivo, chamado natureza, já está dando sinais visíveis, a exemplo dos efeitos climáticos recorrentes no Brasil e no mundo.

 

Nessa perspectiva de preocupação, entende-se premente a necessidade de o Estado e a sociedade em geral examinarem — com um olhar crítico — o Projeto de Lei 2.159/2021, que visa a instituir a Política Nacional do Licenciamento Ambiental, que, se aprovado, poderá aumentar ainda mais os riscos e os problemas ambientais e ecológicos, abrindo brechas para o aumento do desmatamento, comprometendo, assim, a fauna, a flora e os recursos hídricos, além de outros problemas de ordem social e econômica.

 

Aumento da crise ambiental

A lógica de separação entre o homem e a natureza reforça ainda mais a crise ambiental [3]. As sociedades em geral — em particular a brasileira — precisam superar o paradigma, segundo o qual a humanidade está no centro de todo o sistema jurídico e social, e trazer para a moldura protetiva de direitos e de dignidade outros seres que compõem a mãe terra. Com efeito, a Constituição do Equador de 2008, em seu artigo 71, reconhece a natureza como sujeito de direitos.

 

Nessa trilha, pontua Alberto Acosta, um dos congressistas equatorianos, que encampou o movimento em prol da constitucionalização dos direitos da natureza, “se queremos que a capacidade de absorção e resiliência da Terra não entre em colapso, devemos deixar de ver os recursos naturais como uma condição para o crescimento econômico ou como simples objeto das políticas de desenvolvimento [4]“.

 

Vale realçar que o reconhecimento dos direitos da natureza não deve ser visto apenas como uma retórica acadêmica, mas sim como um caminho para a reconfiguração das instituições jurídicas e políticas, a partir de uma ética relacional, e de uma visão pós-antropocêntrica, com a superação da centralidade humana, reconhecendo o valor intrínseco de todas as formas de vida existentes, a exemplo das não-humanas e dos ecossistemas, que podem ser caracterizados como sujeitos morais e jurídicos.

 

Segundo pesquisa realizada pela Nexus [5], o PL 2.159/2021 estaria indo contra o desejo da sociedade, defendendo apenas os interesses de um grupo específico, pois a maioria dos brasileiros pede mais rigor para as leis ambientais. Entre seus pontos nevrálgicos estão, por exemplo: 1) a LAC (Licença por Adesão e Compromisso), que permite que empreendimentos obtenham a licença ambiental mediante um formulário autodeclarado, sem ter a necessidade de entregar um estudo de impacto ambiental, junto aos órgãos competentes; 2) desnecessidade de apresentação de medidas compensatórias definidas em caso de danos ambientais [6]. Ainda, com a aprovação desse projeto, poderão ocorrer perdas de unidades de conservação e comprometer o direito fundamental a um meio ambiente equilibrado e sadio, nos termos do artigo 225, da Constituição.

 

Preservação de biomas

A preservação dos biomas, dos recursos hídricos, assim como da fauna e da flora, depende de mudança de paradigmas. Ou seja, é preciso mudar esta visão colonialista meramente exploradora dos recursos naturais. O que se infere do conteúdo do PL do (des)licenciamento é que o caminho escolhido, se aprovado, vai levar o Brasil para um retrocesso sob três perspectivas: a uma, em relação à segurança de uma sadia qualidade de vida; a duas, no tocante às bases principiológicas — os princípios da prevenção e precaução, por exemplo, perderão o seu conteúdo e a sua finalidade; e, três, o próprio Estado indicará a volta de um modelo ambiental predatório, que ignora os limites ecológicos e os sinais da natureza, por meio de chuvas intensas, secas, crise hídrica, temperaturas extremas etc.

 

Por fim, entende-se que se o Brasil anseia pelo protagonismo na agenda ambiental global, especialmente às vésperas da COP30, ele precisa reavaliar suas iniciativas, pois o crescimento econômico sem sustentabilidade ambiental trará a médio e a longo prazo mais prejuízos, que lucros para todos. Persistir em uma visão utilitarista meramente antropocêntrica é abdicar do futuro.

 


[1] Martínez, Esperanza. ACOSTA, Alberto. Los Derechos de la Naturaleza como puerta de entrada a otro mundo posible. Rev. Direito e Práx. 8 (4) • Dic 2017.

[2] ACOSTA, Alberto. La naturaleza con derechos: de la filosofía a la política. Quito: Abya Yala, 2011. Disponível em PDF. Acesso em: 23 jul.2025.

[3] CARTAY, Belkis. La naturaleza: objeto o sujeto de derechos. In: LOS DERECHOS DE LA NATURALEZA. Universidad Autónoma de Guerrero, 2012. Biblioteca Jurídica Virtual – UNAM. Disponível aqui.

[4] Tradução livre da autora. Trecho extraído de: ACOSTA, Alberto. La naturaleza con derechos: Una propuesta para un cambio civilizatorio. Fundación Rosa Luxemburgo, 2012.

[5] NEXUS – Pesquisa e Inteligência de Dados. 69% dos brasileiros pedem leis ambientais mais rigorosas. Realizada entre 14 e 20 de julho de 2025, com 2.021 entrevistas em todo o Brasil. Disponível aqui.

[6] CLIMAINFO. O que o PL da Devastação está pondo em jogo (Dica: seu futuro). 2023. Disponível aqui.

 

Adriana Macedo Faccio é advogada e mestranda em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

 

Ana Alice De Carli é professora adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal Fluminense e da pós-graduação "lato sensu" em Residência Jurídica na UFF/VR, doutora e mestre em Direito Público e Evolução Social, especialista em Direito Público, pesquisadora e professora do programa "stricto sensu" em Bioética, Ética Aplicada, e Saúde Coletiva (UFF/UFRJ/Fiocruz) e do mestrado em Tecnologia Ambiental (UFF/VR).

 

Fonte: Conjur


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