Opinião
Lei de Incentivo à Reciclagem: limites de vigência e desafios para sua efetividade
terça-feira, 21 de outubro de 2025, 16h34
A Lei n° 14.260/2021 instituiu a Lei de Incentivo à Reciclagem (LIR), com o mecanismo de fomento à cadeia produtiva da reciclagem no Brasil e com a possibilidade de pessoas físicas e jurídicas aportarem recursos diretos em projetos previamente aprovados pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). O mecanismo da renúncia fiscal utilizado pela LIR permite a destinação recursos privados para pelo menos oito grandes finalidades públicas, que podem impactar nos números da reciclagem no Brasil.

O artigo 4º, da LIR, estabeleceu os limites de dedução em até 6% do imposto de renda devido pela pessoa física e até 1% do imposto de renda devido para a pessoa jurídica que se encontra no sistema de tributação lucro real, sem impactar o lucro real ou a base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Apesar de a temática estar na agenda política, a tramitação do projeto de lei e a sua respectiva transformação em normativo se deu com obstáculos, uma vez que pontos de seu texto foram vetados pelo presidente Jair Bolsonaro e precisaram ser reconhecidos pelo Congresso Nacional. Assim, após idas e vinda, a Lei n° 14.260/2021 foi sancionada, com a sua entrada em vigor no dia da publicação. Os seus efeitos somente a partir do dia 1º de janeiro de 2022, como prescrito em seu artigo 15 da lei.
Incentivos fiscais
O ponto que merece destaque neste texto é a prescrição constante no artigo 3º, caput, da LIR, que estabeleceu que os incentivos fiscais seriam concedidos nos cinco anos seguintes ao início da produção de seus efeitos.
Desse modo, levando em consideração o início dos efeitos da lei (1º de janeiro de 2022), como disposto no artigo 15, da LIR, e o prazo legal para a concessão dos incentivos (artigo 3º, caput), o benefício fiscal para pessoas físicas e jurídicas findará em 31 de dezembro de 2026.
A questão ainda se aprofunda, pois o prazo vigente, que já é curto para modificar a realidade da reciclagem no Brasil, se tornou mais exíguo devido a regulamentação do incentivo fiscal, prevista pelo Decreto n° 12.106, só ter sido publicada em 10 de julho de 2024. Esse decreto, apesar de reafirmar os limites de dedução e as finalidades elegíveis, delegou a definição dos procedimentos administrativos operacionais a um ato ministerial, fazendo que o marco essencial para a efetiva operacionalização da LIR fosse a publicação da Portaria GM/MMA n° 1.250, de 13 de dezembro de 2024.
O lapso temporal entre o início da vigência da Lei de Incentivo à Reciclagem e o detalhamento operacional dado pela portaria consumiu grande parte do prazo quinquenal estabelecido no artigo 3º da LIR. Em termos práticos, levando a legislação em vigor, o prazo útil real de aplicação do incentivo fiscal se resumiu ao período entre a publicação da Portaria n° 1.250/2024 (dezembro de 2024) e o término legal determinado para 31 de dezembro de 2026.
Os termos do artigo 3º, da LIR faz lembrar dos prazos quinquenais da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), que precisou ser renovada por pelo menos duas vezes (Storto, 2025). Aliás, a situação vivenciada pela LIE gerou no ecossistema do esporte incentivado risco de paralisação de projetos e de redução de patrocínios. No caso do esporte, a pressão social realizada por vários segmentos fez tramitar no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLP) n° 234/2024, para tornar permanente a LIE e assim garantir recursos privados para projetos. O PLP aprovado em julho de 2025 pelo Congresso está para sanção presidencial e, se assinado, tornará permanente a política pública que já garantiu mais de R$ 6 bilhões em recursos para o esporte nacional (ISG Estratégia Esportiva, 2025).
Recursos para projetos qualificados
Retomando a LIR, o governo federal anunciou em dezembro de 2024 que os recursos da renúncia fiscal previstos eram de R$ 345 milhões para 2025 (Brasil, 2024). A despeito do encurtamento do prazo real, o sistema demonstrou rápida adesão por parte dos proponentes.
De acordo com os dados extraídos em 13 de setembro de 2025 do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir), existem 118 projetos com qualificação de aprovado ou em captação. Os projetos nestas condições somam R$ 222.551.643,78. Com destaque para os estados de São Paulo (38 projetos, R$ 78,3 milhões), Santa Catarina (14 projetos, R$ 25,4 milhões) e Rio Grande do Sul (12 projetos, R$ 23,5 milhões), concentrando o maior volume de recursos autorizados.
A presença de projetos em praticamente todos os estados brasileiros mostra que o incentivo tem alcance nacional, algo fundamental para a efetividade da política pública e para que o prazo útil seja aproveitado ao máximo. Ao todo, existem projetos aprovados e em captação que representam 19 estados e o Distrito Federal.
O montante de R$ 222,5 milhões em vias de autorização para captação já representa aproximadamente 64,5% da previsão de renúncia fiscal de R$ 345 milhões para 2025. Os dados são muito interessantes, mas é importante lembrar dois pontos. O primeiro é que a grande maioria destes projetos ainda estão na fase de admissibilidade da proposta que é fase preliminar e mais simples (artigo 22, Portaria n° 1.250/2024). Sendo necessário alcançar uma captação financeira mínima para ser elegível a uma análise técnica mais aprofundada do projeto como colocado na Portaria GM/MMA n° 1.250/2024. O outro ponto é lembrar que historicamente dois terços dos projetos aprovados para captação não conseguem efetivamente levantar os recursos financeiros para sua execução (Simbi, 2024).
Estímulo à cadeia produtiva da reciclagem
Os dois parâmetros, somados ao curto prazo para concessão dos benefícios, fazem com que os atores sociais envolvidos com a agenda ambiental da reciclagem (proponentes, apoiadores e poder público) se mobilizem para garantir a extensão dos prazos dos benefícios fiscais. A experiência vivenciada na Lei de Incentivo ao Esporte demonstra que a movimentação intensa, rápida e conjunta para garantir a plena vigência de mecanismo pode gerar os efeitos pretendidos de manutenção do benefício no ordenamento jurídico brasileiro.
Assim, conclui-se que a Lei n° 14.260/2021 tem grande potencial para estimular a cadeia produtiva da reciclagem com investimentos privados de pessoas físicas e jurídicas. Ressalta-se que temas de cunho ambiental estão na pauta do governo brasileiro, podendo ajudar no aprofundamento do debate e priorização na tramitação legislativa necessária aos benefícios fiscais trazidos pela LIR.
Diante da premente expiração do prazo legal, a expansão do impacto da LIR dependerá, de forma imediata, da agilidade na captação e execução dos projetos já aprovados. A experiência acumulada nesse período de “prazo útil” será fundamental para avaliar a necessidade de uma eventual prorrogação ou de uma nova legislação que estabeleça o mecanismo de incentivo à reciclagem de forma permanente, garantindo que os objetivos de fomento à economia circular e de inclusão social dos catadores sejam plenamente alcançados.
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Bibliografia
BRASIL. Lei de Incentivo à Reciclagem será operacionalizada por meio da plataforma Transferegov. Disponível aqui.
ISG ESTRATEGIA ESPORTIVA. Relatório ISG 2025 – Indicadores e análises da Lei de Incentivo ao Esporte. Disponíve aqui.
SINIR +. Propostas em Captação. Disponível aqui.
SIMBI. Panorama dos Incentivos Fiscal. Disponível aqui.
STORTO, Paula Raccanello. Lei de incentivo ao esporte: Investimento permanente e avanços para o futuro. Disponível aqui.