Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

TJRN: Depoimento Especial é tema de novo encontro da 3ª Jornada Estadual dos Direitos da Criança

segunda-feira, 19 de julho de 2021, 13h08

Aconteceu na manhã dessa segunda-feira (19), o terceiro encontro virtual da III Jornada Estadual da Infância e Juventude, promovida pela Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude do TJRN (CEIJ/RN). O evento, que contou oficialmente com 472 inscritos, teve participação de autoridades na área de Depoimento Especial, tema da vez.

 

O juiz coordenador da CEIJ, José Dantas de Paiva, abriu o evento dizendo que a temática do Depoimento Especial é muito importante e necessária, “por esse motivo estendemos a participação também a todos que fazem parte da rede de proteção e garantia de direitos de crianças e adolescentes”. Ele aproveitou para saudar os palestrantes, ressaltando os bons frutos que viriam das discussões a serem realizadas durante o resto do dia.

 

Também abriu o evento o juiz da 1ª Vara de Caicó, André Melo Gomes, que agradeceu o empenho dos organizadores. “O evento foi planejado de modo horizontal e com muito carinho pela CEIJ/RN”, disse o magistrado.

 

 

“No passado, houve diversos questionamentos sobre o depoimento especial, quando não tínhamos base normativa muito clara. Agora, parte dos questionamentos está superada. Acho que todas as reflexões sobre esse tema vão qualificar também as oitivas de adultos, algo parecido com o que aconteceu com as medidas cautelares diversas de encarceramento, quando surgiu a Lei Maria da Penha”, explicou André Melo.

 

Para ele, criança e adolescente devem ser protegidas até quando vão ser ouvidas. “Que essa discussão possa contribuir para o respeito e dignidade das crianças e adolescentes, independente do motivo da oitiva”, concluiu o juiz da 1ª Vara de Caicó.

 

O segundo palestrante do dia, Élio Braz, juiz do Tribunal de Justiça de Pernambuco, agradeceu o convite e ressaltou similaridades entre os estados participantes. “É com muita honra e prazer que eu estou aqui hoje, quero também dizer que o tema de hoje reporta à toda a sociedade, desde a família até o Estado. Estamos dentro da mesma realidade do Nordeste, então vamos compartilhar nosso conhecimento”.

 

Violência contra crianças e adolescentes

 

O servidor Victor Gomes, secretário executivo da CEIJ/RN, iniciou o dia de palestras com o tema “Depoimento Especial de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de situação de violência”, contextualizando a situação do nosso estado.

 

Ele começou atualizando os presentes a respeito da situação mundial da violência contra a criança e adolescente. “No ano passado, a OMS apresentou um relatório sobre prevenção da violência contra criança. De acordo com o relatório, um bilhão de crianças são afetadas anualmente por violência física, sexual ou psicológica, o que corresponde a metade das crianças do mundo”, explicou o servidor.

 

Sobre o panorama legal no mundo, ainda de acordo com Victor, 88% dos países apresentam leis de proteção a crianças e adolescentes, mas apenas 47% as aplicam fortemente e somente 21% dos países usam dados nacionais para definir linhas de base e metas para o combate a esse tipo de violência.

 

“No Brasil, temos muita dificuldade na parametrização nos dados da violência. E no contexto de pandemia a taxa de crimes violentos diminuiu, principalmente por causa da subnotificação”, pontuou.

 

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apesar da diminuição dos crimes violentos e da subnotificação, os conflitos familiares cresceram em 2020.

 

Ainda de acordo com o Anuário, na comparação entre 2019 e 2020, todos os estados tiveram uma redução no número de notificações de estupro de vulnerável, por exemplo, mas o RN ficou em 3º lugar no ranking, com 26,4% variação positiva, na contramão do que acontece no Brasil.

 

Victor Gomes apresentou mais dados do Anuário para situar os participantes sobre a situação dos números de estupro de vulneráveis em 2020 no Brasil:

 

A maioria dos casos de estupro é em vulneráveis (73,4%) e em 85,2% dos casos são pessoas conhecidas que cometem o crime. 86,9% das vítimas são do sexo feminino e a maioria tem em média 13 anos de idade. Os dados contextualizam uma realidade presente no Brasil, esse tipo de crime necessita de atenção principalmente em relação a oitiva das crianças e adolescentes para não causar revitimização, um dos exemplos que demonstra a importância do Depoimento Especial.

 

Evolução legislativa

 

Em 1989, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança, que foi ratificada pelo Brasil em 1990. Nela está determinado que “os Estados Partes devem assegurar à criança que é capaz de formular seus próprios pontos de vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados a ela, e tais opiniões devem ser consideradas, em função da idade e da maturidade da criança. Para tanto, a criança deve ter a oportunidade de ser ouvida em todos os processos judiciais ou administrativos que a afetem”.

 

Essas questões foram evoluindo e em 2005 o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas convidaram os Estados-Membros a elaborarem legislação para crianças vítimas ou testemunhas de crimes. “Esse foi o maior expoente para o que culminou na legislação atual do Depoimento Especial”, explicou o servidor Victor Gomes.

 

No TJRN, iniciou-se a experiência do Depoimento Sem Dano em 2008, na 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Natal e posteriormente, em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicou a Recomendação nº 33, que fornece orientação sobre o Depoimento sem Dano.

 

Mas a legislação oficial veio com a Lei nº 13.431/2017 (Lei do Depoimento Especial ou Escuta Protegida), “que estabeleceu o sistema de garantia de direitos para a criança ou adolescente vitima ou testemunha de violência”, explicou Victor. Logo após, o Decreto nº 9.603/2018, regulamentou os termos de aplicação da lei.

 

Normatização no RN

 

Em 2008 teve início na 2ª Vara da Infância de Natal a implantação do Depoimento sem Dano, mas foi em 2019 que o TJRN normatizou o Depoimento Especial, segundo suas próprias experiências e as referências mundiais e nacionais.

 

A Resolução nº 22/2020 traz 13 artigos, com a estruturação centrada nos dez primeiros, que normatizam as reuniões periódicas com profissionais cadastrados e aptos a realizar a oitiva, além da capacitação de outros órgãos envolvidos direta ou indiretamente, para que capacitem seus profissionais de acordo com a resolução para a realização do Depoimento Especial.

 

Depoimento Especial

 

“A estrutura da requisição de um Depoimento Especial é similar a uma carta precatória”, explicou o palestrante. “É necessário anexar documentos relevantes do inquérito, a denúncia, a decisão que designou o pedido do Depoimento Especial, relatório ou estudo que já foi feito sobre a criança se ela já foi ouvida. Isso será encaminhado ao Núcleo do Depoimento Especial, que precisa estudar esse caso específico, para designar o profissional e um protocolo especifico. O Núcleo pode até contraindicar o DE, se já foi feito ou se vai prejudicar o desenvolvimento cognitivo ou se não vai contribuir para o processo, para não revitimizar a criança”, detalhou Victor Gomes.

 

Então, após o envio dos documentos necessários, o Núcleo tem um prazo de 48h para contraindicar ou não o DE. Nos mandados de intimação então devem constar a informação expressa que os responsáveis devem levar as crianças

 

A oitiva acontece necessariamente de forma presencial, com a criança e o profissional responsável, e vai ser transmitida em tempo real para a sala de audiência, onde o juiz pode determinar que os representantes participem por videoconferência ou presencial. O Depoimento é baseado no relato livre e a sala de audiência pode fazer perguntas ao final, que podem ser reformuladas em uma linguagem mais acessível a criança pelo profissional que está com ela.

 

“O espaço físico é um ambiente acolhedor em que a criança se sinta confortável”, comentou o servidor. Além de técnicas especiais e ambiente propício à criança, algumas normas da oitiva tradicional são diferentes, por exemplo, a prova emprestada. Se durante o Depoimento a criança ou o adolescente revelar alguma informação relevante para a abertura de um novo processo, não será necessária a realização de um novo em outro processo, para evitar a sua revitimização.

 

fonte: TJRN


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