Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

ARTIGO - Medida de internação como meio de ressocialização do adolescente em conflito com a lei

quarta-feira, 06 de julho de 2022, 10h22

Postado em 05 de Julho de 2022 - 15:24

 

O artigo apresenta a internação, como medida socioeducativa destinada aos adolescentes que praticaram atos infracionais e os meios de ressocialização. Inicialmente disserta sobre a criação da lei voltada a proteção da criação e do adolescente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/1990), instituidor das medidas socioeducativas componentes que dão vazão a sua criação. Desenvolve-se o tema ao relacionar a medida de internação com as consequências que produz, trazendo dados de escala nacional referentes a quantidade de jovens internados e evidenciando a utilidade da criação e aplicação dos métodos de ressocialização. Por fim, aponta as principais políticas públicas criadas com a finalidade de atender as medidas socioeducativas, evitar o reingresso dos jovens e colaborar para o crescimento. Com isso, o objetivo é apresentar uma visão e trazer uma fala sobre a real eficácia da internação e da aplicação dos métodos de ressocialização.

Introdução

Em um passado não muito distante as leis, normas e princípios que protegiam as crianças e adolescentes ainda eram muito escassas e não tinham caráter geral, dado que “amparava” apenas aqueles em estado de abandono. Com a chegada da Constituição Federal de 1988 novos institutos foram criados com a motivação de garantir a aplicação de direitos e criar normas específicas. Diante disso surgiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 13 de julho de 1990, emprenhado em assegurar direitos básicos aos menores de idade e implementar medidas de “controle”.

Regulamentado pela Lei Federal nº 8.069/1990, o ECA pauta as medidas socioeducativas cabíveis de aplicação e, é atualmente o principal instrumento jurídico do direito das crianças e dos adolescentes no Brasil, juntamente com a Constituição de 1988. As medidas socioeducativas possuem a finalidade de tutelar sobre as crianças e adolescentes que cometeram algum ato infracional e tanto apresentavam riscos as demais pessoas da sociedade quanto a si próprio.

Dentre as medidas socioeducativas, a mais rigorosa e que gera mais discussões entre os estudiosos é a internação, por ser uma medida restritiva de liberdade mantendo os jovens longe do convívio da família ou responsáveis, mas, também pela possibilidade de desobedecer a preceitos básicos do ECA, como o direito a liberdade e a dignidade, em razão das condições das instituições de internação.

Sobrevém dar atenção a forma como a administração pública em todos os âmbitos esferas, lida com as crianças e adolescentes que cometeram atos infracionais e como eles recebem essas crianças e adolescentes nas instituições de internação. Despertando a necessidade da criação de políticas públicas voltadas a esses adolescentes.

Tendo isso em vista, questionam-se a existência e eficácia dos meios de ressocialização aplicados aos adolescentes cumprindo a medida socioeducativa de internação, pois trata do dever que as autoridades administrativas detêm para criar programas e mecanismos que evitem o reingresso do adolescente e, caso não consiga evitar, faça a devida criação e manutenção de estabelecimentos de intenção adequados e com profissionais capacitados.

1 Teoria geral das medidas socioeducativas no ECA

Muito se discute acerca do direito da criança e do adolescente, ainda mais com as constantes movimentações no âmbito socioeconômico e a falta de divisão igualitária dos benefícios, principalmente os de cunho financeiro, entre os membros da sociedade. Compreendendo que não se trata de uma questão atual, que esses fatores sempre existiram e com o passar o tempo apenas evidenciaram mais a necessidade e aprimoramento de garantias.

Aponta Nucci (2020, p. 36) discorrendo sobre um dos objetivos do ECA, que “é justamente esse: permitir que o menor de 18 anos goze de todos os direitos fundamentais do adulto, além de outros, especificamente destinados a ele”. Visando a proteção como bem maior, cita Ishida (2015, p. 9) que o ECA “surge a partir da proteção constitucional integral que ensejou a criação de disciplina científica destinada a estruturar, através de um microssistema, o direito da criança e do adolescente”.

Apesar da existência dos direitos, ainda há várias lacunas na aplicação deles, principalmente no que diz respeito aos garantidores, responsáveis por prover meios suficientes para formação (intelectual, moral e física) da criança e do adolescente, nesse período de desenvolvimento, de modo a tentar resguardar maiores oportunidades na vida adulta. A ausência de estrutura, apoio e/ou conhecimento que, juntada a insuficiência de diretos básicos, como moradia, saúde e educação, resulta numa vulnerabilidade por parte da criança ou adolescente.

Nesse sentido, ao discorrer sobre o revogado Código Penal do “Menor”, Liberati elucidou que tal código lidava apenas com a situação irregular da criança e do adolescente, mas ressalva que

[...] na verdade, em situação irregular estão a família, que não tem estrutura e que abandona a criança; os pais, que descumprem os deveres do poder familiar; o Estado, que não cumpri as suas políticas sociais básicas; nunca a criança ou o jovem. (LIBERATI, 2010, p. 15 e p. 16)

Projetemos a situação em que um jovem, em pleno processo de formação de consciência moral, é privado de direitos básicos. Partindo disso, eclode a probabilidade de atribuírem aquele jovem uma visão marginalizada.

Dessa forma, a vulnerabilidade suscitada, incorporada a diversos outros fatores, dá margem a inserção dos jovens em ambientes inadequados e/ou a prática de condutas descritas como ilícitas. Torna-se delicado abordar a questão da criança e do adolescente em conflito com a lei, tendo em vista a divergência de opiniões, que não se restringe apenas a esfera jurídica, mas também a sociedade na totalidade. Também ainda mais complexo por tratar de sujeitos de direito que ainda estão em fase de desenvolvimento.

Inicialmente, é necessário esclarecer que, conforme o ECA, caracteriza-se como ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal, que tenha sido cometida por um menor de 18 anos (art. 103), e maior de 12 anos, ou seja, um adolescente. Bem como, para o propósito dessa lei, o parágrafo único do art. 104 determina que “deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato” (BRASIL, 1990).

Conforme jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ):

3. O ato infracional se refere ao crime para definir os elementos típicos da conduta proibida (art. 103 do ECA) e dele difere pela impossibilidade de aplicação de penas e pela exigência de qualidade especial do autor, que deve ter menos de 18 anos. 4. Crimes e atos infracionais compartilham a norma primária, que incide sobre a mesma conduta, praticada por ambos os agentes. (STJ, 2019)

Diante disso, não há que se falar em terminologias como “criminoso”, ou derivados, para se referir a esses sujeitos, posto que, o emprego desta denominação imputa a prática de um crime. Além de insinuar uma imagem marginalizada a uma criança ou adolescente.

É comum ver pessoas comentando acerca de “penalização” do jovem infrator, surgindo os mais diversos pensamentos, quer sejam relacionados a idade que consideram mais eficaz para responsabilização pela prática de ato infracional ou quer seja pelos métodos utilizados nesses jovens.

Ao contrário do que alguns pensamentos apontam, tratar brandamente os jovens, em comparação aos maiores de 18 anos que cometem crimes, não se trata de não exigir a responsabilização devida ao praticante de determinado ato, mas sim, de evitar a exposição do adolescente a ambientes que piorem o(s) comportamento(s) irregular(es).

É notório o caráter benéfico da norma ao determinar que, para incorporar o jovem a prática do ato infracional, a idade observada ser da data da prática da conduta, não da audiência. É sugestivo também atribuir isso a tentativa de não permitir que o infrator seja lesado por alguma morosidade processual.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou uma análise acerca do perfil dos adolescentes com trânsito em julgado em 2015 utilizando os dados extraídos do Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), e concluiu que:

Dos 5.544 indivíduos em análise, 95% são homens e 5% mulheres [...]

Boa parte (28,66%) tinha dezesseis anos, seguido por aqueles com dezessete (25,61%) e quinze anos (23,94%). Aproximadamente 20% dos adolescentes tinham idades entre doze e quatorze anos no corte em questão, sendo possível concluir, pois, que os indivíduos costumam cometer ato infracional em um estágio um pouco mais avançado da adolescência. (CNJ, 2019, p. 29)

A partir disso, é possível constatar que, os atos infracionais são mais cometidos por jovens do sexo masculino, entre a idade de 16 e 17 anos.

O Ministério Da Mulher, Da Família E Dos Direitos Humanos, em levantamento anual de dados realizado conjuntamente ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), no ano 2017, constatou que: A maioria dos atos infracionais não é contra a vida (contra o patrimônio): 38,1% - roubo, 26,5% - tráfico de entorpecentes (contra a incolumidade pública), 8,4% - homicídio e 5,6% - furto.” (BRASIL, 2019)

No momento em que um adolescente age em conflito com a lei, é inevitável discutir a aplicação de providências de caráter socioeducativo. Em outras palavras, ao começar a oferecer riscos a si mesmo e a sociedade torna-se possível o apartamento do jovem de seu convívio social. Liberati define que:

A medida socioeducativa é manifestação do Estado, em resposta ao ato infracional, praticado por menores de 18 anos, de natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência, desenvolvida com finalidade pedagógica-educativa. Tem caráter impositivo, porque a medida é aplicada em sede de remissão, que tem finalidade transacional. (LIBERATI, 2010, p. 122)

O ECA arrola as medidas que podem ser adotadas em circunstâncias onde ocorra a prática de atos infracionais:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. (BRASIL, 1990)

Em vigência desde 18 de janeiro de 2012, a lei n°12.594 instituiu o Sinase, cujo objetivo é regulamentar a execução dessas medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional.

Aplicada quando o ato infracional é de natureza leve, ou seja, com pouca relevância e o adolescente está sendo conduzido pela primeira vez a um responsável de instituição policial, a advertência vislumbra “desde um conselho até uma repreensão, passando pelo alerta ou aviso. [...] O menor precisa ouvir o aconselhamento do magistrado, ou seja, da autoridade que julgou o que ele fez.”, esclarece Nucci (2020, p. 453). Fica incumbido ao juiz decidir como procederá com esse “conselho”, de modo que o leve a entender a situação e as consequências das ações, mas sem cometer excessos de caráter vexatório.

Tanto na obrigação de reparar o dano quanto na prestação de serviços à comunidade, nota-se que a busca é pela natureza reparadora a ação praticada, designada pelo juiz e, da mesma forma que a medida acima e as demais, acompanhada da obrigação de explicar ao jovem quais foram as ações que estarão o levando para o cumprimento das medidas.

Na liberdade assistida é escolhido um responsável que irá acompanhar o jovem e a sua família a serviços de assistenciais, supervisionando-os e encaminhando periodicamente relatos ao juízo competente.

O Sinase, apesar de destinado a regulamentar a aplicação de todas as medidas socioeducativas, tem enfoque maior nas medidas socioeducativas em meio fechado e na semiliberdade e embora o ECA reforce à liberdade como direito de todos os cidadãos, percebe-se que, nesta realidade brasileira, não há como manter o cumprimento dessa garantia sem sugerir em alguns casos a adoção dessas medidas privativas da liberdade, principalmente no que diz respeito aos jovens que cometem atos infracionais de natureza grave.

Na semiliberdade, o jovem é obrigado a permanecer em unidades de atendimento apenas durante a noite, devendo usar o período do dia para estudar e trabalhar.

Isto posto, por último, dentre as medidas socioeducativas listadas no ECA, e a que será mais tratada deste ponto em diante, está internação em estabelecimento educacional. Adotada apenas quando o ato infracional cometido for realmente grave, é a medida mais rigorosa e que mais divide opiniões. Consiste na privação da liberdade do adolescente o mantendo em um estabelecimento educacional por um tempo limite de 3 anos, podendo retornar após esses 3 anos caso cometa outros (ou os mesmos) atos infracionais.

2 Medida socioeducativa de internação no Brasil

Dentre as alternativas de medidas socioeducativas, o regime de semiliberdade e a internação são os únicos programas de privação da liberdade destinados aos jovens infratores, dos quais vislumbra o afastamento e a internação, os encaminhando a uma instituição governamental que deverá contar com profissionais qualificados para acompanhar, monitorar e proteger.

O ECA trata especificamente da internação no capítulo IV, seção VII, e traz sua definição:

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.

§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.

§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.

§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.

§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.

§ 7 o A determinação judicial mencionada no § 1 o poderá ser revista a qualquer tempo pela autoridade judiciária. (BRASIL, 1990)

A internação seguirá um procedimento visando a proteção integral do jovem, desde a apuração da prática ato infracional até o julgamento e possível condenação e, seguindo um dos princípios a que se sujeita, deverá ocorrer de forma célere. Para resultar na aplicação dessa medida, após ser apreendido, o jovem será encaminhado a autoridade policial responsável para lavrar auto e instaurar inquérito e o encaminharão a um representante do Ministério Público (MP) para representar à autoridade judiciária requerendo a aplicação de medida socioeducativa. Caberá ao Juiz da Infância e Juventude do local em que ocorreu a conduta infracional julgar o processo, e apontar a medida mais viável, decidindo pela internação em último caso, quando houver cessado todas as outras possibilidades.

Será conveniente a aplicação dessa medida mais agravante, conforme o ECA, nos casos em que:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

§ 1º. O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.

§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.(BRASIL, 1990)

Alguns pesquisadores assemelham as instituições de internação a prisões em virtude da visão estrutural dos estabelecimentos, tal como:

A medida de internação consiste em real e efetiva privação de liberdade em estabelecimento destinado a adolescentes, porém assemelhado aos estabelecimentos prisionais, dadas suas características de instituição total. (MINAHIM; SPOSATO, 2011)

Em certos momentos, surge um questionamento quanto ao real objetivo do programa de internação para menores de idade. Nucci (2020) atribui à internação como medida socioeducativa três finalidades: educativa, protetiva e levemente punitiva, justificando esta última com a ideia de que não pertence à essência dessa medida, mas que se torna inevitável atribui-la a uma ação que visa a restrição de liberdade. Além disso, conduz a uma analogia ao sistema educacional existente na relação entre pais e filhos, onde aponta a necessidade de impor limites para o controle. Desta forma, vê-se a “punição” como consequência positiva da intenção de proteger e educar com impacto mínimo.

Contudo, há outra linha de pensamento que enxerga este caráter punitivo transcendendo o protetivo, e violando direitos básicos daqueles que estão passando pelo período infantojuvenil. Nessa corrente de pensamento a questão do controle sobre a criança e ao adolescente é vista como extrema, neste sentido diz:

A partir dessa noção, os jovens em conflito com a lei são expostos a realidades distintas daquelas propostas pelo ECA. Esse dispositivo legal prevê a proteção a crianças e adolescentes como um todo, embora destine as medidas de proteção àqueles que sofreram violação de seus direitos. Entretanto, em casos de adolescentes em conflito com a lei, a garantia de direitos transforma-se, na prática, em punição. Os jovens que infringem a lei serão, então, punidos e controlados - ou, utilizando o eufemismo na interpretação do ECA, socioeducados -, considerando-se a gravidade da infração. O adolescente em conflito com a lei irá se relacionar com o sistema judiciário e com a sociedade a partir da violação da norma, e é pela sua vinculação ao ato infracional que seus caminhos serão direcionados. Dessa forma, ele segue sendo estigmatizado como infrator. (SCISLESKI et al., 2015)

A partir desse entendimento, observa-se o vislumbramento de uma das lacunas do ECA, atinente a interpretação. Nesta situação não se discute apenas a medida socioeducativa da internação, mas também a imagem atribuída ao adolescente durante o procedimento de implementação dessa medida, levando a pensar nas fundamentações utilizadas durante as audiências.

Esta linha de pensamento aponta como consequência, nada benéfica da aplicação mal fundamentada dessa medida, a marginalização do jovem com a justificativa de proteção, causando uma “mancha” na imagem pré-concebida do jovem.

Conforme o levantamento anual do Sinase, realizado pela Secretaria Nacional dos Direito da Criança e do adolescente com base em informações repassadas pelos estados e o Distrito Federal, em 2017 cerca de 17.811 jovens se encontravam cumprindo a medida socioeducativa de internação em algumas das 484 unidades de atendimento no país (considerando as modalidades de atendimento de internação, internação provisória, semiliberdade e atendimento inicial), destes cerca de 96% eram do gênero masculino.

A quantidade de reclusos exponencialmente baixa em comparação a quantidade populacional do país, não torna menos necessário a preocupação com os meios de ressocialização deles, haja visto que, no levantamento anual do Sinase em 2020 (p. 57) apontou-se uma taxa de reincidência de 17,4% do total de jovens reclusos.

3 Medida de internação como meio de ressocialização

Ao analisar a medida socioeducativa de internação é imprescindível buscar entender as consequências que resultam da privação da liberdade de uma pessoa, principalmente uma em fase de desenvolvimento (físico, psicológico, financeiro etc.), tais como exclusão e julgamento social. É evidente que, para evitar consequências negativas irreparáveis ao futuro do jovem infrator, convém tentar planejar o que acontecerá após o cumprimento da decisão, tal qual os meios de ressocialização.

Vale destacar que, assim como apontou uma pesquisa do CNJ (2015, p. 29), alguns jovens recebem a sentença para cumprimento da medida de internação indevidamente, pois há casos que o ato infracional cometido não pertence aos elencados como resultantes a pena de privação de liberdade.

No levantamento anual do Sinase em 2017, foi exposto que os atos infracionais de maior incidência na medida socioeducativa de internação foram o homicídio simples e qualificado, roubo simples e qualificado e tráfico e associação ao tráfico de drogas, sendo estes três últimos os com maior número de incidência no país.  

Com isso podemos tomar certas deduções quanto as motivações que levam a prática desses três atos, primeiro acerca da natureza econômica que possuem, indicando que geralmente a motivação para o seu cometimento tenha ligação com a estruturação financeira das famílias e apoio do governo. Segundo acerca da vulnerabilidade onde os jovens acabam sendo “ofertados” socialmente aos criminosos envolvidos com a venda ilegal de drogas, como meio de locomoção e distribuição, por estarem “protegidos” pelas leis de proteção à criança e ao adolescente. E terceiro acerca da falta de ocupação para os jovens, em ambientes que forneçam alternativas adequadas de utilização do tempo.          

Estando estas dentre as principais motivações que se pode observar de longe, após a prática do ato infracional deve-se buscar sanar esses problemas, para evitar o reingresso do jovem nessa situação.

A reincidência é uma expressão característica do código penal destinado aos que praticam crimes, os maiores de 18 anos, definido em seus artigos 63 e 64:

Reincidência

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

 Art. 64 - Para efeito de reincidência:

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos. (BRASIL, 1940)

Embora o ECA (BRASIL, 1990, art. 122) substitua essa expressão por “reiteração no cometimento de outras infrações graves” e “descumprimento reiterado”, a lei do Sinase (BRASIL, 2012), a insere tratando da avaliação de reincidência na prática de atos infracionais.

O levantamento anual de 2020 para o Sinase apontou que, dentre todos os adolescentes que passaram por todas as medidas socioeducativas no ano anterior, foi de 17,4% a taxa de reincidência, valor expressivo por se tratar de jovens.

É possível afirmar que as taxas de reincidência estão diretamente ligadas ao desempenho dos meios de ressocialização que podem ser definidos como:

[...] “a efetiva reinserção social, a criação de mecanismos e condições para que o indivíduo retorne ao convívio social sem traumas ou sequelas, para que possa viver uma vida normal. [...]

A ressocialização não tem como fim apenas a reeducação do apenado, visa também seu retorno ao convívio social, para que possa seguir sua vida sem ser taxado como um delinquente, mesmo após o cumprimento de sua respectiva pena.”  (SANTOS; WANDERLEY, 2021)

Dessa forma, destacamos a ressocialização como meio preventivo a reincidência, em uma tentativa de ensinar como retornar ou como iniciar a convivência social, principalmente através da educação, mas não exclusivamente, pois pode surgir mediante o provimento de oportunidades de emprego a exemplo, a alguém que foi privado de sua liberdade em razão do cometimento de uma conduta socialmente reprovável.

3.1 Políticas públicas voltadas aos meios de ressocialização dos adolescentes cumprindo medida socioeducativa de internação

Ao entender a necessidade de voltar-se mais aos jovens submetidos ao cumprimento de medidas socioeducativas de privação da liberdade, primordialmente no que tange ao reingresso deles no meio social, inevitavelmente a atenção será para o Estado como soberano territorial detentor de instituições públicas administrativas.

A lei do Sinase (BRASIL, 2012) destaca no artigo 3º que as principais ações voltadas aos atendimentos socioeducativos são de competência da União, mas em conjunto com os estados e municípios, sendo assim, os estados devem criar suas políticas públicas de atendimento conforme pré-determinado pela União, e assim sucessivamente. Ressaltando também que, a família e a sociedade em geral também assumem certa responsabilidade na conjuntura da ressocialização, contribuindo na

Após levantar algumas suposições acerca das definições de políticas públicas, Souza concluiu que:

Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, "colocar o governo em ação" e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real. (SOUZA, 2006)

A criação das políticas públicas voltadas a ressocialização busca produzir como resultado na vida do jovem um direcionamento mais adequado mostrando que há uma “saída” para as situações difíceis que o levaram a atual estado.

Dentre meios cabíveis voltados a ressocialização, temos os elencados pela lei n° 7.210/84, a Lei de Execução Penal, nos artigos 10 e 11:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:

I - material;

II - à saúde;

III -jurídica;

IV - educacional;

V - social;

VI - religiosa. (BRASIL, 1984)

No artigo 10 acima é possível notar que o legislador, além de pontuar a assistência para beneficiar aqueles em estado de internação os norteando ao caminho de volta ao meio social, também servirá para beneficiar a sociedade na totalidade, ao passo que vislumbra prevenir o reiterado cometimento do crime, no estudo em questão trazemos aos atos infracionais.

Com isso, o primeiro exemplo da efetivação das políticas públicas voltadas a esse tema, é o já citado Levantamento Anual do Sinase, que ocorre em meio a junção de dados fornecidos pelos gestores das unidades de internação de todas as unidades federativas (UF) e dos diretores do próprio sistema, com o intuito de acentuar dados comparativos entre as UFs. Dessa forma:

O status das políticas públicas ao que confere a escolarização, a educação profissional, o atendimento à saúde, dentre outros impõe desafios de melhoria na gestão do sistema, das unidades e dos programas/serviços, no atendimento socioeducativo realizado. Desta forma, estabelecer inovações com boas práticas de alguns estados da federação é precípuo para se buscar a unificação dos procedimentos de execução das medidas socioeducativas, e demanda a articulação com as demais políticas de atendimento ao adolescente, ratificando a intersetorialidade como premissa para a garantia de direitos. (BRASIL, 2019, p. 151)

Dentre as assistências citadas um pouco mais acima, o enfoque maior na solicitação da ampliação do acesso à educação nas unidades de internação. Garantir que a aplicação da medida não tenha caráter apenas punitiva demanda atender as necessidades do ser em formação, nesse sentido:

Adolescentes infratores, provisoriamente internados, ou em cumprimento de medida socioeducativa também devem ter assegurado o direito à educação, como parte integrante do processo de ressocialização. O período da execução da medida não pode ser motivo para interromper a formação do adolescente. Ao revés, de suma importância que seja prestada com qualidade e com maior ênfase aos valores sociais e morais, pois só assim a medida alcançará seu fim. (MACIEL et al., 2021)

Tem-se por certo que, a educação é a base para uma boa formação moral e ética do indivíduo e, a garantia da aplicação desse direito torna os demais próximos e os jovens mais capazes. Ressaltando que a responsabilidade mútua de proteger os jovens é tanto da família, quanto da sociedade, bem como do Estado, cada um com a sua própria função, mas com um objetivo em comum.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, verificou-se que a evolução legislativa das normas aplicadas a crianças e adolescentes representou o interesse em adequar os direitos fundamentais determinados pela Constituição Federal de 1988, para aqueles em estado de formação psicossocial, criando garantias mais específicas para proteção. O ECA serviu como apogeu para a sociedade e os governantes voltares a atenção aos jovens que, outrora eram tratados com discriminação ou ignorados.

É plausível salientar que, com a criação dos meios de proteção, também houve a definição dos meios de contenção, através das medidas socioeducativas. Apesar de possuir a finalidade de educar e proteger os adolescentes que incorrerem da prática de ato(s) infracional(is), também serve como meio de contenção deles, evitando continuidade das ações e a produção de mais resultados negativos.

Nesse sentido, o ECA proporcionou alternativas nas medidas socioeducativas, cada uma com a sua finalidade, e sempre buscando aplicação da mais branda em vista as mais rigorosas. Tanto que, apenas em casos muito específicos e como última opção, é aplicada a medida mais severa, de internação.

Enfatiza-se que, para proteção integral dos jovens em situação de internação, que já é vista como levemente punitiva e possui diversos pontos de vistas, positivos e negativo, denota necessidade a aplicação de políticas públicas para ressocialização cada vez mais eficazes, e parcerias mais bem trabalhadas em prol daqueles visivelmente mais vulneráveis.

Percebe-se que a porcentagem de reingressos tem relação direta com os métodos de ressocialização, pois a plena eficácia desses reduz significativamente as motivações que levam a prática dos principais atos infracionais. Implementação na educação, fornecimento de oportunidades de empregos, ações sociais como incentivo, aumentam o período de “ocupação” dos jovens, e tendem a mostrar novas formas de amadurecimento.

Concluindo, há muito ainda que se discutir sobre a real eficácia da medida de internação e da implementação dos métodos de ressocialização, mas pode-se afirmar que aplicando ou não, ainda há muito que aprimorar na esfera legislativa para garantir a proteção das crianças e dos adolescentes.

Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Reentradas e reinterações infracionais: um olhar sobre os sistemas socioeducativo e prisional brasileiros/ Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2019. Disponível em: Panorama-das-Reentradas-no-Sistema-Socioeducativo.pdf (cnj.jus.br). Acesso em: 30 out. 2021.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Dos espaços aos direitos: a realidade da ressocialização na aplicação das medidas socioeducativas de internação das adolescentes do sexo feminino em conflito com a lei nas cinco regiões. Brasília: CNJ, 2015. Disponível em: cb905d37b1c494f05afc1a14ed56d96b.pdf (cnj.jus.br). Acesso em: 15 meio 2022.

BRASIL. Código Penal, Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF, Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 15 maio 2022.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF, Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em: 30 out. 2021.

BRASIL. Lei de Execução Penal, Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Brasília, DF, Senado Federal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm. Acesso em: 10 junho 2022.

BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).  LEVANTAMENTO ANUAL SINASE 2017. Brasília: Ministério da Mulher, da Família e  dos Direitos Humanos, 2019. Disponível em: LevantamentoAnualdoSINASE2017.pdf  (www.gov.br). Acesso em: 30 out. 2021.

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Wellington Gomes Miranda

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro Oeste (2005) e graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual do Maranhão (1992). Atualmente é analista ministerial - ciências jurídicas - PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS e professor especialista da Centro Universitário Católica do Tocantins (UNICATÓLICA). Mestre em prestação jurisdicional em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Escola da Magistratura Tocantinense (ESMAT) e Universidade Federal do TocantinsTem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito, especialista em Direito do Trabalho pelo Instituto Processus/DF e cursando pós-graduação em Estado de Direito e Combate à Corrupção pela ESMAT, Atuando na docência há 32 anos, no ensino fundamental, médio, pré-vestibular e superior nas áreas de Medicina Veterinária, Agronomia, Zootecnia e Direito, principalmente nos seguintes áreas de direito civil, penal, tributário, comercial, consumidor e agrário. Informações coletadas do Lattes em 14/10/2021.

FONTE: www.jornaljurid.com.br


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