Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

TJRS - Do caso Araceli ao avanço da legislação, crimes sexuais contra crianças e adolescentes são desafio à sociedade

segunda-feira, 15 de maio de 2023, 19h08

15/05/2023 - 15:00 - Porto Alegre

 

Uma mão infantil, de pele clara, segura um giz de cera cor-de-rosa e pintando o vestido da boneca que desenhou. Ao lado da boneca está o desenho de um homem que está numa posição de ataque à menina. Ele é alto, cabelos escuros, usa bigode, camisa azul e calça verde. Ao lado do papel em que os dois estão desenhados, há 4 giz de cera de cores variadas

  jpg - 54 KB Imagem meramente ilustrativaCréditos: Banco de Imagens - DICOM/TJRS


O crime brutal cometido contra uma menina de 8 anos, no Espírito Santo, que chocou o país e inspirou um dia nacional de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, está completando 50 anos. Em 18 de maio de 1973 a pequena Araceli Cabrera Sánchez Crespo não retornou da escola. Dias depois, seu corpo foi encontrado em estado avançado de decomposição em uma mata, na cidade de Vitória. A criança foi sequestrada, estuprada, drogada, morta e teve o corpo queimado. Em 2000, no dia de seu desaparecimento, foi instituído o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. O Maio Laranja também é alusivo à data.


O crime sexual é cruel e silencioso. Geralmente praticado por pessoas queridas, da confiança da vítima, ou por conhecidos, o que torna o problema ainda mais complexo e velado. Assim, a grande maioria dos casos nem chega a ser denunciado ou leva anos até que seja desvendado. Em apenas 30% dos casos há evidências físicas. A vítima carrega esse "segredo" por longo tempo, sofrendo de forma reiterada e silenciosa. Os efeitos são devastadores: medo, mudanças comportamentais, baixa autoestima, depressão e dificuldades de estabelecer vínculos afetivos são alguns deles.

 

Imagem em preto e branco da menina Araceli. A menina de 8 anos, pele clara, cabelos lisos e compridos segurando uma boneca enquanto sorri

  .png - 277 KB Araceli foi brutalmente assassinada no Espírito Santo, em 18 de maio de 1973Créditos: Arquivo - Jornal A Gazeta

 

A questão envolve diversos órgãos, desde o legislador, responsável pela criação e aprovação de leis que protejam e amparem as vítimas, até saúde, polícia e judiciário. Nesta semana, publicaremos diariamente matérias que mostrarão como é realizado o fluxo de atendimento às vítimas.


Em Porto Alegre, as ocorrências podem ser registradas em uma das três Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento 24 horas ou em qualquer Delegacia de Polícia. As vítimas serão encaminhadas para o Centro de Referência em Atendimento Infantojuvenil (CRAI), localizado no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, onde passarão por perícias e serão ouvidas por meio do Depoimento Especial. Na fase judicial, elas também conversarão com assistentes sociais capacitadas para esse procedimento e haverá audiência com os envolvidos e testemunhas até a sentença.

 

Fachada da 2ª Delegacia de Proteção a Criança e Adolescente da Capital

  .jpg - 2 MB Na Capital, Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente e de Pronto Atendimento 24h estão localizadas no CIACA, na Av. Augusto de Carvalho, nº 2.000Créditos: Juliano Verardi - DICOM/TJRS

 

Avanços na legislação

Desde o caso Araceli, na década de 1980, até hoje, muito se avançou do ponto de vista legal e também no que se refere à atuação da rede de atendimento e proteção. Além da Constituição Federal, do Código Penal e do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), há a Lei Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (Lei 9.970/00); a Lei Menino Bernardo (13.010/2014); a Lei da Escuta Protegida (13.431/2017) e, mais recentemente, a Lei Henry Borel (14.344/2022), que estabelece medidas protetivas específicas para crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e familiar, e considera crime hediondo o assassinato de menores de 14 anos.


Tipos de crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes


Abuso sexual

Qualquer forma de contato e interação sexual entre um adulto e uma criança ou adolescente, em que o adulto, que possui uma posição de autoridade ou poder, utiliza-se dessa condição para sua própria estimulação sexual.

Pode ocorrer de forma intrafamiliar (sempre que há uma relação de parentesco entre o autor do abuso e a criança/adolescente que sofre a ação), intrarrede social (o autor é vizinho, amigo ou conhecido da vítima) ou extrafamiliar (quando ocorre em espaços de socialização da vítima, como escolas, ONGs, igrejas, consultórios).


Exploração sexual

Compreende o abuso sexual por adultos e a remuneração em dinheiro ou espécie à criança ou a uma terceira pessoa. O jovem é tratado como um objeto sexual ou mercadoria. Constitui uma forma de coerção e violência que pode implicar o trabalho forçado e formas contemporâneas de escravidão.


Pode ocorrer através de troca sexual, trabalho sexual (autônomo ou agenciado), turismo com motivação sexual, tráfico de crianças e adolescentes e pornografia.

 

Foto colorida da parede com um cartaz em papel pardo escrito "Maio Laranja" e embaixo, CRAI, com letras brancas e fundo verde

  .jpg - 1 MB - Localizado no Hospital Presidente Vargas, CRAI é referência em atendimento especializado às crianças e adolescentes vítimas de abuso sexualCréditos: Juliano Verardi - DICOM/TJRS

 

Justiça humanizada e acolhedora

No Rio Grande do Sul, os crimes sexuais contra crianças e adolescentes tramitam em Varas Criminais. Na Comarca de Porto Alegre está a única unidade especializada nessa matéria, a 6ª Vara Criminal. São 2 mil ações, envolvendo em sua grande maioria abuso sexual (há também ações que apuram casos de lesões corporais). Ao manter uma unidade especializada para atender demandas tão sensíveis, o Poder Judiciário assegura uma tramitação mais célere ao processo e também oferece um ambiente menos traumático para a coleta de prova.


Nos corredores do sétimo andar do Foro Central I, crianças e adolescentes aguardam com seus responsáveis para serem ouvidos. O espaço é humanizado, tornando mais leve o peso da triste realidade que o circunda. Pensando no bem-estar dos jovens que por ali passam, foi disponibilizada uma sala de acolhimento, batizada de Flor de Lótus, para recebê-los enquanto aguardam os adultos deporem. Além de um ambiente lúdico, o espaço evita que a vítima possa cruzar com o seu agressor pelos corredores.

 

Imagem colorida, vista do corredor para dentro de uma sala lúdica, com tapete colorido, mesa e armário de madeira

  .jpg - 2 MB - Em Porto Alegre, sala de acolhimento recebe crianças e adolescentes que sofreram violência sexual ou lesões corporaisCréditos: Juliano Verardi - DICOM/TJRS

 

As oitivas também são realizadas de forma especializada, através do depoimento especial. O procedimento é realizado por Assistentes Sociais que fazem as perguntas adequadas em um ambiente acolhedor e seguro.  Essa metodologia nasceu no Rio Grande do Sul, criada pelo então Juiz de Direito, hoje Desembargador, José Antônio Daltoé Cezar, e se tornou lei nacional.

 

Foto colorida. Ambiente com paredes brancas, duas poltronas pretas, cada uma com uma almofada de emoji. no canto direito, uma mesa com uma câmera em cima

  .jpg - 1 MB - Na Sala do depoimento especial, as vítimas conversam com assistentes sociais em ambiente seguro e adequadoCréditos: Juliano Verardi - DICOM/TJRS

 

Denúncia

Entre as novidades trazidas pela Lei Henry Borel, qualquer pessoa que tenha conhecimento da violência ou a presencie tem o dever de denunciá-la às autoridades. São muitas as formas de fazer uma denúncia (que pode ser anônima) e de ajudar a por fim ao sofrimento das vítimas. Confira:

 

Leia amanhã: Delegacias especializadas são porta de entrada de denúncias

Texto: Janine Souza / Diretora de Imprensa: Rafaela Souza | dicom-dimp@tjrs.jus.br

 

FONTE: TJRS


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