Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Adolescente que matou os pais pode herdar? Ronald Dworkin responde

segunda-feira, 07 de julho de 2025, 16h19

O inverno ainda dava seus primeiros sinais no Brasil em 20 de junho de 2025, quando um adolescente de 14 anos, morador do interior do estado do Rio, premeditou e executou o assassinato dos próprios pais visando obter a herança.

 

Aquilo que mais parecia o novo episódio de um seriado assustador, como o polêmico Adolescência, da Netflix, ganhava contornos dramáticos, na medida em que a polícia descobria os detalhes do caso.

 

Não vou tratar de como a Psicologia ou a literatura deveriam abordar este trágico tema, o parricídio. O assunto já foi esgotado na obra Os Irmãos Karamazov, do grande mestre Dostoiévski.

 

Cabe-me falar a partir da perspectiva do Direito, na medida em que dediquei parte de minha vida adulta ao estudo das relações entre a Moral e o Direito.

 

O Código Civil brasileiro não trata deste tema específico. O artigo 1.814 não prevê, de forma expressa, a exclusão da herança do menor de idade que assassinou os pais. Ainda assim, a 3ª Turma do STJ já decidiu, nos autos do REsp 1.943.848-PR, que a lei exige uma interpretação lógica e extensiva neste caso, e o menor deve ser excluído da herança.

 

O caso representa um desafio, na medida em que os tribunais sempre consideraram que a lista de casos de indignidade para a sucessão não poderia ser ampliada pelo Judiciário. Caberia, então, ao Congresso corrigir o defeito do Código Civil, impedindo que menores fossem beneficiados por atos cometidos contra os pais.

 

Riggs v. Palmer

 

Ronald Dworkin já respondeu a essa questão no livro Levando os Direitos a Sério, quando cita o caso Riggs v. Palmer, decidido por uma corte em Nova York, em 1889. Estudei com Dworkin no ano de 2008, na NYU, e conheço bem suas posições e livros.

 

Dworkin respondia que para casos inéditos seria impensável que os juízes não pudessem criar o Direito no sistema anglo saxônico e que isso não significava decidir a partir de um breviário moral de valores. Em 1889, a lei de Nova York não prévia os casos de indignidade de herdeiros. Assim como já havia defendido o próprio Kelsen, os juízes tinham a obrigação de criar Direito nas lacunas da lei. Defendia que o assassino não poderia herdar.

 

Retrocesso civilizatório

 

No caso brasileiro as situações são semelhantes apenas em aparência. Na realidade, o Código Civil já regulou o tema de forma clara. No Direito brasileiro e mundial, as restrições aos direitos devem ser interpretadas de forma restritiva pelos juízes. Não cabe o uso da analogia para prejudicar a parte.

 

A decisão do STJ nesse caso afrontou tal máxima do Direito, ainda que moralmente correta. Dworkin defendia que quando a opção do legislador fosse clara, o papel dos juízes era restrito.

 

Ronald Dworkin teria respondido que o adolescente de 14 anos no Rio não poderia ser excluído da herança dos pais que assassinou e que caberia ao Congresso Nacional corrigir o defeito da lei para os casos futuros.

 

Os juízes não podem julgar a partir de pautas morais e muito menos teológicas. O risco de uma invasão da Moral e da religião nas cortes de Justiça não pode ser desprezado porque significaria um retrocesso civilizatório com dramáticas consequências para as gerações futuras. Esse era o maior temor de Ronald Dworkin e Hans Kelsen e sobre isso concordavam.

 

FONTE: CONJUR


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