Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Crianças não são obrigadas a depor; e pais não podem obrigá-las

segunda-feira, 07 de julho de 2025, 16h29

O fórum é um espaço que foi historicamente concebido por e para adultos. Por vezes, contudo, crianças entram em contato com o sistema de justiça e são convidadas a comparecer ao fórum para prestar um depoimento em processo judicial. Em meio à formalidade dos ritos e à complexidade da linguagem jurídica, a voz das crianças luta para ser ouvida, não como um mero eco das vontades dos adultos que os cercam, mas como a expressão autêntica de um sujeito de direitos.

 

o cerne desse desafio, encontra-se a aplicação da Lei nº 13.431/2017, que instituiu o depoimento especial como modalidade adaptada de oitiva de crianças e adolescentes perante o Poder Judiciário. Entretanto, a prática forense revela uma tensão persistente em torno de uma questão: a quem pertence, de fato, a decisão de falar ou calar em um processo judicial?

 

Neste artigo buscamos enfrentar essa questão, defendendo duas premissas interdependentes e inegociáveis: o depoimento especial é um direito personalíssimo da criança, não se submetendo à autorização ou veto de seus pais ou responsáveis. E, como corolário desse mesmo direito, a criança não pode, sob nenhuma hipótese, ser coagida a depor. Para tanto, analisaremos a natureza do depoimento especial como um direito-faculdade, sua desvinculação da lógica da incapacidade civil e, por fim, como reflexo processual concreto, a inadequação da condução coercitiva do depoente infantojuvenil que, intimado, não comparece ao fórum para ser ouvido no dia e horário agendados.

 

Prestar depoimento: um direito e não um dever

 

Entendemos que o ponto de partida para qualquer reflexão sobre o tema deve ser a superação de um paradigma arraigado no sistema de justiça: a ideia de que o depoimento é um dever jurídico, uma obrigação imposta a todos para a busca da verdade pelo processo. Se essa lógica se aplica aos adultos, ela é fundamentalmente subvertida quando o depoente é uma criança ou adolescente. Para eles, ser ouvido em juízo não é uma obrigação, mas um direito fundamental.

 

Essa prerrogativa tem sua gênese na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989, um marco civilizatório que reposicionou a criança de mero objeto de intervenções a sujeito de direitos.

 

O artigo 12 desse tratado internacional contempla o direito de participação de crianças e nos processos judiciais (Lansdown, 2021). O direito que crianças têm de participar dos processos judiciais que possam afetá-las garante a possibilidade de opinar, expressar-se livremente e, acima de tudo, sentir-se verdadeiramente ouvidos. Esse direito assegura que suas perspectivas sejam consideradas, impactando diretamente sua capacidade de serem agentes ativos em suas próprias vidas e na sociedade. Em suma, é o direito de ter voz e o direito de que a sua voz possa ser ouvida e levada a sério (Lundy, 2007).

 

O direito à participação, agasalhado pelo artigo 12 da convenção, é o fundamento maior do depoimento especial previsto na Lei nº 13.431/2017. Aliás, não à toa o artigo inaugural desta lei estabelece que as suas normas devem ser aplicadas nos termos do artigo 227 da Constituição e dos tratados internacionais de que o Brasil é signatário, em especial a Convenção sobre os Direitos da Criança.

 

 

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