Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

O vício em vídeos curtos e o fenômeno do ‘cérebro podre’

sexta-feira, 11 de julho de 2025, 13h09

Écomo um jogo de recompensa. Quanto mais o dedo desliza na tela e os olhos fixam em um vídeo curto, mais o cérebro dispara a sensação de “quero mais”. São conteúdos rápidos e até absurdos: dancinhas, piadas, gatos fofos ou imagens surrealistas geradas por inteligência artificial. “É uma espécie de ‘comidinha ultraprocessada para o cérebro’. Tem cor, sabor, atrai, mas não nutre”, explica Nay Macêdo, psicóloga e pesquisadora em proteção infantojuvenil na era digital.

 

Basta que a criança toque na tela, arraste para cima e tenha imediatamente, de bandeja, o que ela chama de “fast food neurológico”. Não há interação, desafio ou reflexão. “É fácil de engolir, mas de baixo valor cognitivo e educativo. Depois de um tempo, ela só quer ‘ingerir’ aquilo.”

 

Segundo Nay, esses conteúdos são de estímulo bruto, sem construção simbólica, sem narrativa e sem lógica. Além disso, “geram estímulos sensoriais que capturam a atenção de forma artificial, desregulando os circuitos naturais e saudáveis de satisfação, motivação e foco.”

 

O que acontece no cérebro a cada vídeo curto?

 

Um dos estudos pioneiros sobre os efeitos dos vídeos curtos na atividade cerebral foi publicado na revista científica NeuroImage. Através de ressonância magnética, os cientistas da Universidade Zhejiang, na China, perceberam que as pessoas que assistiam vídeos indicados pelo algoritmo do TikTok ativavam no cérebro centros de dopamina – neurotransmissor ligado à satisfação. Para os pesquisadores na área da saúde mental, esse excesso de dopamina pode ser viciante. Além do TikTok, os vídeos também estão no Kwai, reels de Instagram e no YouTube, a plataforma mais utilizada entre crianças de 9 a 12 anos.

 

Para a professora Nara Magalhães, quando o filho Cristovam, 9, precisava se desconectar do celular depois de algumas horas jogando e vendo vídeos, a mudança de comportamento era perceptível. “Parecia outra criança”, afirma. “Ele ficava irritado, demonstrava insatisfação com qualquer coisa e nunca aceitava bem a hora de tomar banho e dormir, por exemplo. Nessas situações, tinha dificuldade para regular as emoções e lidar com a frustração.”

 

“Não consigo mais assistir um filme inteiro”

 

Cristovam faz parte do grupo de 93% de crianças e adolescentes que acessam a internet, de acordo com a pesquisa Tic Kids Online Brasil 2024. Noventa e oito por cento deles estão conectados por um celular. “Gosto de assistir vídeos no YouTube, Shorts e de Roblox”, diz. A mãe conta que o filho já até sonhou em ser youtuber. “Ele fez uma conta no YouTube e TikTok com meu e-mail. Criou conteúdo, vídeos dançando, explicando sobre jogos. Mas conversamos que ainda não é o momento”, lembra Nara.

 

Cristovam confessa que já se sentiu cansado de ver muitos vídeos, principalmente à noite. Além disso, Nara percebeu a dificuldade do filho em se concentrar em atividades mais longas. “Aos domingos, tentamos assistir a algum filme em família, embora ele raramente consiga assistir até o fim, pois prefere ver YouTube no celular.”

 

Para os especialistas, esse é um efeito direto do alto consumo de vídeos curtos e da facilidade em ter tudo na palma da mão. “A pessoa fica contaminada a sempre receber uma recompensa de dopamina. Por muito tempo, esse neurotransmissor era associado apenas ao prazer, mas, antes de tudo, tem a ver com motivação”, explica Gustavo Estanislau, psiquiatra especializado em Infância e Adolescência. Segundo ele, quando a criança está em uma atividade superdopaminérgica, fica hiperconectada a ela e não quer mais fazer outra coisa.

 

Em um fórum da rede social Reddit, uma jovem confessa: “Não consigo mais assistir um filme inteiro. Tenho certeza que é por consequência do excesso de uso de telas no dia a dia e da aceleração de tudo (áudios, vídeos etc.). Sem foco e paciência.”

 

O relato tem dezenas de respostas de outras pessoas que afirmam não ter mais concentração ou interesse em acompanhar uma narrativa mais longa e profunda. Em comum, elas admitem que o uso excessivo das telas e o consumo de conteúdo acelerado em áudio ou vídeos curtos claramente são os responsáveis.

 

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