CONJUR: Proteção à maternidade, Constituição e STF
segunda-feira, 17 de novembro de 2025, 17h58
Pode-se dizer que atualmente é impossível estudar Direito doTrabalho sem prestar atenção à pauta trabalhista presente de nossa Corte Suprema, que, não sem motivo, tem sido tão criticada por subverter a lógica protetiva ao trabalhador em diversos julgados, proferidos em controle de constitucionalidade ou pela via da reclamação constitucional. Entretanto, no que diz respeito à proteção à maternidade, o STF tem avançado substancialmente nos últimos anos.
O direito à maternidade tem sede legal no artigo 6º da Constituição e, como direito fundamental social, é um mandamento de otimização [1], devendo ser efetivado em sua máxima potência, pelos entes públicos e particulares, vez que possui justiciabilidade, figurando como direito subjetivo para as trabalhadoras.
Melhor seria que o referido artigo, quando pensado na Assembleia Nacional Constituinte, tivesse assegurado o direito à parentalidade, ainda sem previsão normativa específica em terras brasileiras, embora tal direito possa ser extraído da combinação hermenêutica firmada entre os artigos 226 e 227 da Carta Política. Enquanto o avanço legislativo não vem, pode-se afirmar que o artigo 6º da Constituição deve ser interpretado de modo a também se dirigir aos homens que estão desempenhando atividade de cuidado, até porque o artigo 226, § 7º estatui que a família é a base da sociedade e é guiada não só pela dignidade da pessoa humana, mas igualmente pela paternidade responsável. Assim, para além de se afirmar que somente as mulheres devem exercer o direito à maternidade, os homens também podem ser titulares do referido direito fundamental, que deve ser lido em conjunto com outros direitos fundamentais, como a proteção à família e à infância.
Proteção integral da criança
Julgando o Tema 1.182, de Repercussão Geral, o STF atribuiu constitucionalidade à licença maternidade, prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição e regulamentada pelo artigo 207 da Lei 8.112/1990, ao pai monoparental servidor público, em atenção aos princípios da isonomia (artigo 5º, I, CF), da legalidade (artigo 37, caput, CF), e da proteção integral da criança com absoluta prioridade (artigo 227 da CF), reconhecendo a unidade familiar formada só por um pai e seu filho.
Se a Constituição disse menos do que poderia ter dito literalmente, a Corte Suprema, aplicando a interpretação evolutiva, acresceu sentido ao texto constitucional, praticando o que a doutrina chama de decisão aditiva ou manipulativa [2], dando concretude ao princípio da isonomia.
Sendo bastante coerente com a sua própria jurisprudência, que reconhece a união homoafetiva como entidade familiar, a Corte Maior, julgando o Tema 1.072, fixou tese, afirmando que a mãe servidora pública ou trabalhadora não gestante, que engravidou após procedimento de inseminação artificial, em união homoafetiva, tem direito ao gozo de licença-maternidade. Se a companheira já tiver utilizado o benefício, fará jus à licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade.
Pode-se apontar como mais um julgamento de grande importância o Recurso Extraordinário nº 842.844 (Tema 542, de repercussão geral), em que o STF assegurou o direito de servidoras públicas detentoras de cargos comissionados à garantia do direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória. A tese foi assim fixada: “A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado, nos termos dos artigos 7º, XVIII; 37, II; e 39, § 3º; da Constituição, e 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.
Estabilidade no emprego
Ainda nesse mesmo sentido, decidiu a Corte Suprema, julgando o Tema nº 497, que a incidência da estabilidade prevista no artigo 10, inciso II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa. Ou seja, não importa o tipo de regime de contratação e o tipo de contrato, se com ou sem prazo, o que é relevante, para fins de garantia de emprego, é a trabalhadora estar grávida.
Tal diretriz interpretativa foi fundamental para a última alteração operada na Súmula nº 244, do TST, que passou a prever que a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea b, do ADCT, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.
De forma bastante contraditória, o IAC nº 2 do TST estabelece que “é inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei nº 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no artigo 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.
No dia 27 de junho de 2024, foi instaurado incidente de superação do entendimento firmado no IAC nº 02 do TST, em razão das teses jurídicas de repercussão geral fixadas pelo STF no RE 629.053 (Tema 497) e RE 842.844 (Tema 542), mas o referido incidente ainda não foi julgado.
Ineficiência do STF
Em importante decisão proferida em outubro de 2022, o STF, ao julgar a ADI nº 6327, decidiu que o Estado-Legislador, ao não prever a possibilidade de início da licença-maternidade e do salário-maternidade quando da alta hospitalar da mãe ou da criança, agiu de forma ineficiente[3], desprotegendo os direitos à maternidade, à infância e à família.
Ao proferir a aludida decisão, o STF, por unanimidade, conheceu da ação direta de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental e, ratificando a medida cautelar, julgou procedente o pedido formulado, para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 392, § 1º, da CLT, assim como ao artigo 71 da Lei nº 8.213/91 e, por arrastamento, ao artigo 93 do seu regulamento (Decreto nº 3.048/99), de modo a se considerar como termo inicial da licença-maternidade e do respectivo salário-maternidade a alta hospitalar do recém-nascido e/ou de sua mãe, o que ocorrer por último, prorrogando-se em todo o período o benefício, quando o período de internação exceder as duas semanas previstas no artigo 392, § 2º, da CLT, e no artigo 93, § 3º, do Decreto nº 3.048/99.
A decisão possui relevância imensa, pois reconhece que os direitos fundamentais, em sua perspectiva objetiva, são valores e, como tais, vinculam o Estado-Legislador e o Estado-Juiz; dessa forma, quando o primeiro é insuficiente, cabe ao segundo agir positivamente, dando concretude à proteção estabelecida na Constituição. O avanço consiste, inclusive, em reconhecer a sindicabilidade do direito social à maternidade e todas as suas nuances, que se materializam, sobretudo, na convivência mais ampla possível entre mãe e filho (a), com obstáculos legislativos removidos pelo Estado-Juiz.
Risco na pejotização
Se a Corte Suprema avançou sobremaneira na proteção à maternidade, o que é digno de aplausos, é certo que o órgão maior do Poder Judiciário precisa igualmente evoluir na sua jurisprudência, para não permitir a famigerada “pejotização” das pessoas que trabalham, pois todo o avanço hermenêutico estabelecido a favor da proteção à maternidade, à família e à infância, cai por terra quando pessoas físicas são tratadas como pessoas jurídicas, porquanto estas não engravidam, não parem, não amamentam, não têm família e, muito menos, meio ambiente de trabalho protegido.
Eis o grande problema de se interpretar como “modernidade” a desproteção social às pessoas físicas, como se isso não tivesse consequências práticas nocivas à sociedade, formada por pessoas que trabalham e vivem da força laborativa.
FONTE: CONJUR