Competência Transoceânica
Brasil pode julgar pedido de criança que mora no Japão, decide TJ-PR
quarta-feira, 17 de dezembro de 2025, 14h09
17 de dezembro de 2025, 11h56
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afirma que a competência para ações envolvendo interesses de crianças e adolescentes é determinada pela residência habitual. Essa regra, porém, pode ser flexibilizada em benefício do interesse do menor, especialmente quando o trâmite no exterior impuser barreiras burocráticas e financeiras ao acesso à Justiça.
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Regra do ECA que atrai competência para local de residência da criança pode ser flexibilizada
Com base nesse entendimento, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná deu provimento ao recurso de uma mãe e seu filho para reconhecer a competência da comarca de Assaí (PR) em uma ação ajuizada contra o pai da criança.
O colegiado anulou uma sentença que havia extinguido o processo sem resolução de mérito pelo fato de mãe e filho morarem no Japão.
O caso envolve uma ação de alimentos cumulada com pedido de guarda e visitas. Embora a ação tenha sido proposta em Assaí, o juízo de primeira instância declarou sua incompetência e extinguiu o feito, fundamentando que os autores têm residência habitual em Tatebayashi, no Japão, o que atrairia a jurisdição estrangeira.
A autora recorreu alegando que a estadia no exterior é temporária e comprovou a manutenção de vínculos com a cidade paranaense, como contrato de locação ativo, conta bancária e declaração de imposto de renda, além do fato de o pai da criança estar preso no Brasil.
Domicílio e residência
Ao analisar a apelação, o relator, desembargador Eduardo Augusto Salomão Cambi, afirmou que existe uma diferença teórica entre os conceitos de residência física e domicílio.
“Enquanto esta [residência] se refere à permanência física em determinado local, aquela [domicílio] representa a projeção normativa da personalidade no espaço, constituindo-se como ponto de referência para a imputação de efeitos jurídicos. O domicílio exige, além da habitação estável, a exteriorização de um vínculo de permanência que transcende a mera intenção subjetiva”, explicou.
A decisão reconheceu que, embora em litígios internacionais usualmente se aplique o conceito de residência habitual (conforme descrito na Convenção da Haia), o caso concreto aponta que o vínculo dos autores permaneceu no Paraná.
“A manutenção de vínculos materiais e jurídicos com a Comarca de Assaí — como contrato de locação vigente, conta bancária ativa e comprovante de residência — indica que a apelante não se desvinculou do espaço territorial que constitui o centro de sua vida civil”, avaliou o magistrado.
O TJ-PR aplicou o princípio da superioridade e do melhor interesse da criança para afastar a incompetência. O relator observou que remeter o caso para o Judiciário japonês implicaria em “barreira ao acesso à Justiça, devido às maiores exigências burocráticas e custos elevados, o que desestimularia a parte vulnerável a pleitear seus direitos”.
Por fim, o acórdão reforçou a competência nacional com base no artigo 22, inciso I, alínea “b”, do CPC, visto que o pai também mantém vínculos no Brasil. O magistrado ressaltou que o genitor “encontra-se recolhido em estabelecimento prisional no país”, o que facilita a execução de alimentos e a efetivação da prestação jurisdicional em território nacional. A decisão foi unânime.
O advogado Enzzo Murilo Bueno da Silva representou a mãe e a criança na ação.
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Processo 0002010-78.2025.8.16.0047
FONTE: CONJUR