Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Um convite à criatividade: coronavírus versus convivência familiar

sexta-feira, 03 de abril de 2020, 10h55

 

Autor: Daniel Alt da Silva | Data de publicação: 30/03/2020

 

Uma certa letra musical (samba) entoa, na estrofe inicial, que “o ar que se respira agora inspira novos tempos”. Sem sofismas, estamos vivenciando experiências jamais antes imaginadas. A reclusão social traz a reboque o sentimento de “sofridão” (mistura de sofrimento com solidão) em razão da impossibilidade de estarmos próximos de amigos e familiares. À vista disso, surge a extraordinária necessidade de comunicação pelas ferramentas virtuais, as quais – não há dúvida alguma – estão à disposição para encurtar distâncias. Acessamos, com um simples clique, inúmeras informações.


Nessa toada, e sobretudo diante do atual cenário de clausura, estamos submetidos à uma enxurrada diária de notícias, mensagens de WhatsApp, lives no Instagram, entre outros exemplos. Em verdade, tal fato é a mais pura representação daquilo que se denominou de information overload, ou apenas infoxication. Ou seja: de forma muito singela, a expressão busca significar a dificuldade de entendimento ante a sobrecarga de informações.


Especialmente no que tange ao Direito das Famílias, o assunto mais comentado – com segurança – é a convivência familiar em tempos de COVID-19 (coronavírus), nos casos de pais separados. As diversas opiniões manifestadas pelos especialistas intentam, com toda razão, responder aos clamores da sociedade. Enfim, o convívio deve ser mantido nesta época de pandemia?


A resposta, evidentemente, não é fácil. Aliás, sinceramente, é possível conjecturar que a solução nem deva ser insculpida pelo advogado familista. Pode até soar utópico, sobretudo no âmbito dos litígios afetivos, mas a decisão sobre o assunto em questão é de responsabilidade originária dos genitores, no legítimo exercício do poder familiar.


De qualquer sorte, num simples desempenho de curadoria das informações, alguns autores sustentam que, observados – por óbvio – alguns cuidados, “a melhor interpretação a ser realizada a qualquer sentença ou acordo firmado, enquanto perdurar essa situação, é seguir a estipulação já existente quanto às férias, em especial, ao período de verão, que é o maior tempo sem aulas que os filhos desfrutam”.[1] Outros argumentam que “devemos estabelecer uma limitação de convivência pessoal e a mesma é para atender o Princípio da Proteção Integral e não configura alienação parental, pois não se trata de uma conduta injustificada, mas sim uma necessidade social”.[2]


Em complemento, existe posicionamento de que o “convívio paterno-filial pode vir a sofrer algumas modulações se assim indicarem o melhor interesse e a proteção integral do próprio filho”, ideário que, inclusive, está vinculado aos casos de guarda compartilhada, tendo em vista o indesviável dever de observância das condições fáticas e os interesses dos filhos, nos exatos termos do art. 1.583, §2º, do Código Civil.[3] Ao depois, há posição alinhada no sentido de que “os progenitores precisam encontrar as prioridades da prole que um dia trouxeram ao mundo [...], não cerceando sem qualquer critério a convivência e a comunicação do outro progenitor, respeitando ambos as datas e pautas acordadas ou ordenadas em precedente decisão judicial”. O último pensamento arremata: “somente causas graves que afetem a saúde e o interesse dos filhos e que também afetem a saúde e o interesses dos maiores e em especial dos mais idosos, é que justificaria a tomada de medidas de exceção”.[4]


Em termos mais técnicos, e sublinhando que não existe um script a ser seguindo, um modelo padrão para ampla aplicação nos mais variáveis arranjos familiares, cumpre esclarecer que o juízo de ponderação, ao que tudo indica, parece ser o instrumento mais adequado para a solução das controvérsias. No ponto, válido ressaltar – em linhas gerais – que se está lançando luzes sobre um conflito de normas, devidamente representadas, s.m.j, pelos direitos fundamentais de convívio familiar e saúde pública. À vista disso, é plenamente viável a utilização da ponderação como elemento de proporcionalidade, a fim de averiguar – caso a caso – a conformação de eventual risco à integridade física da criança e/ou adolescente. É curial anotar que o princípio da convivência familiar, de suma importância ao desenvolvimento da prole, pode ser mitigado por razões superiores (situações excepcionais). Logo, em havendo circunstâncias ensejadoras de maior cautela sanitária, factível acatar a hipótese de suspensão temporária da convivência física, com a utilização alternativa das tecnologias.


Encerrando, resta muitíssimo conveniente ressaltar que, muito embora existam pareceres distintos em certa medida, todos vaticinam – à unanimidade – que a melhor escolha, ao fim do dia, é a utilização do bom senso, do diálogo. Além disso, há quem diga (autoria desconhecida) que “o propósito da vida é o amadurecimento da alma”. Portanto, estimando que os momentos de dificuldade ensinam lições valiosas, fica o derradeiro convite para a busca por soluções mais criativas e sensatas para os impasses da vida cotidiana, máxime para aqueles que labutam no Direito das Famílias.

 

Daniel Alt da Silva

Membro do Instituto Proteger

Conselheiro Fiscal do IBDFAM/RS

 

 [1] ROSA, Conrado Paulino da. Coronavírus e Direito de Convivência. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos/1385/Coronav%C3%ADrus+e+direito+de+conviv%C3%AAncia>. Acesso em: 27 mar. 2020.

 

[2] IBIAS, Delma Silveira; SILVEIRA, Diego Oliveira da. Coronavírus e o Direito de Convivência com os Filhos. Disponível em: <https://www.espacovital.com.br/publicacao-37761-coronavirus-e-o-direito-de-convivencia-com-os-filhos>. Acesso em: 27 mar. 2020.

[3] CALDERÓN, Ricardo. Pandemia do Coronavírus Pode Levar a Suspensão Compulsória da Convivência dos Pais com os Filhos. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/322284/pandemia-do-coronavirus-pode-levar-a-suspensao-compulsoria-da-convivencia-dos-pais-com-os-filhos>. Acesso em: 27 mar. 2020.

[4] MADALENO, Rolf. Guarda Compartilhada e Regulação de Visitas: pandemia ou pandemônio. Disponível em: <https://direitocivilbrasileiro.jusbrasil.com.br/artigos/823639053/guarda-compartilhada-e-regulacao-de-visitas-pandemia-ou-pandemonio?ref=serp>. Acesso em: 27 mar. 2020.

 

FONTE: www.ibdfam.com.br


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