Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Complexo de Homer Simpson

quarta-feira, 30 de junho de 2021, 15h57

Em 1987, o cartunista Matt Groening criou Os Simpsons, que, em 1989, virou série de animação. Trata-se de uma sátira ao estilo de vida da classe média estadunidense na cidade fictícia de Springfield. É premiadíssima. Em 1999, foi eleita pela revista Time como a melhor série do século XX. A Fox comprou os direitos de transmissão até 2082. Homer Simpson, casado com Marge e pai de Bart, Lisa e Maggie, é o grande protagonista do seriado. É autor de frases e pensamentos inesquecíveis.

Cada episódio leva cerca de 7 meses para ficar pronto. No episódio "Thanks God, it's Doomsday", da 16ª Temporada, Homer, após a prática de malfeito, busca se safar da responsabilidade e, assim, tenta terceirizar a culpa com desculpas esfarrapadas, porém, ao ser desmascarado, afirma isto: “It's my fault and I put it on whoever I want!”. Em bom português, “a culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser!”. 

A partir daí, no campo da psicologia, criou-se o denominado “Complexo de Homer Simpson”, que é a transferência de responsabilidade, a terceirização da culpa: “eu fiz mas não fui eu!”.

No Tribunal do Júri, é bem comum a defesa, amparada no “Complexo de Homer Simpson”, tentar livrar o acusado da devida responsabilização criminal através de sua sustentação oral perante o Conselho de Sentença.

É o famoso - mas nunca revelado aos jurados - “matou, mas não foi ele”.

Nunca é demais lembrar que o caso para ser submetido a julgamento popular é filtrado pelo Ministério Público, em suas alegações finais, e pelo Judiciário através da pronúncia, quando houver provas idôneas (acima de qualquer dúvida razoável) da materialidade e da autoria/participação. Ou seja, se há um risco no Júri não é o de condenar inocente mas o de absolver culpado. É regra decorrente da lógica humana.  

Diante desse quadro, no plenário do Júri a estratégia defensiva é basicamente buscar transferir a culpa para a vítima ou para terceiras pessoas, com olhos voltados ao conhecido in dubio pro reo, cujo alvo é a impunidade (absolvição ou pena mitigada). Para tanto, expõe-se uma série de desculpas, justificativas e até acusações, tais como:

“a vítima era usuária de drogas, pode ter sido algum traficante”;

“a vítima estava se relacionando com mulher comprometida, pode ter sido o homem traído”;

“a vítima estava traindo o acusado, violando a honra familiar”;

“a vítima quem xingou/agrediu o acusado”;

“a vítima colocou a mão na cintura fazendo menção que sacaria uma arma”;

“a vítima era criminosa, pode ter sido alguma de suas vítimas ou a polícia”;

“a vítima se suicidou”;

“a vítima é quem provocou tudo”;

“foi uma limpeza social, pois a vítima era perigosa”;

“a polícia não investigou direito, havia outras linhas de investigação”;

“a promotoria não trabalhou corretamente”;

“cadê as provas x, y ou z? Por que não as produziram?”

“o juiz errou ao pronunciá-lo para o julgamento popular”;

“o tribunal não conhece bem a realidade do caso”;

“a família enlutada, na ânsia de achar um culpado, escalou a pessoa errada como bode expiatório”;

“a testemunha mentiu, pois falou o que não viu”;

“a polícia torturou”;

“o advogado anterior falhou na defesa”;

“a defensoria pública, por conta do excesso de serviço, não fez o que deveria ter feito”;

“o advogado não produziu as provas necessárias e agora sobrou para a defensoria pública”;

“a polícia perseguiu o acusado em razão de seus maus antecedentes”;

"estavam todos embriagados, foi o álcool”;

“foi a droga”;

“o perito errou”;

“isso são falsas memórias da vítima/testemunha”;

“o reconhecimento feito pela vítima/testemunha não respeitou a lei”;

“cadeia não ressocializa, é universidade do crime";

“isso foi obra de facção criminosa, não do acusado”;

“na cadeia, se não matar, morre”;

“ele cresceu sem pai”;

“se o acusado não fosse pobre, não estaria aqui”;

"foi o diabo";

"assinou o depoimento sem ler"...

Em suma, são sempre as mesmas palavras que dizem as mesmas desculpas e falsidades em busca da impunidade.

É bíblico: Deus impõe uma única lei no Éden (“não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal”), que, sem demora, fora violada. Ele, então, inquiriu Adão sobre a infração, que, rapidamente, transferiu a culpa para a mulher, que, por sua vez, a lançou sobre a cobra. Há muito tempo que as pessoas detêm a arte de culpar os outros por suas faltas. O assassino que agiu para enviar a vítima ao cemitério não quer ir para a cadeia e por isso mente. É expert na transferência de sua culpa para terceiros. 

Logo, no plenário do Júri, a defesa, porta-voz do acusado, adotará argumentos (im)possíveis para livrá-lo da cadeia ou, subsidiariamente, obter pena minorada. É o seu papel. Também é bíblico: "Ninguém pode servir a dois senhores; pois se dedicará a um e desprezará o outro". O compromisso da defesa, pública ou privada, é com os interesses do assistido/cliente, ao passo que o do Ministério Público é com a sociedade.

Por isso, o Ministério Público deve esclarecer essa velha tática defensiva aos jurados, informando-os sobre o “Complexo de Homer Simpson”, para que a verdade e a justiça não sejam as próximas vítimas do assassino. 

 

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.

 

 

 

Fonte: Blog Promotor de Justiça


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