TJPE decide sobre lei estadual que disciplina a utilização de cães para fins de guarda
quinta-feira, 30 de abril de 2020, 17h19
Decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO ESTADO DE PERNAMBUCO. DECISÃO AGRAVADA QUE DEFERIU TUTELA DE URGÊNCIA PARA SUSPENDER OS EFEITOS DAS PENALIDADES PRESCRITAS PELA LEI Nº 16.517/2018. LEI QUE TRATA DA UTILIZAÇÃO DE CÃES PARA FINS DE GUARDA NO ÂMBITO DO ESTADO DE PERNAMBUCO. TEMÁTICA DE DIREITO AMBIENTAL. PROTEÇÃO DA FAUNA. REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA PARA NEGAR A TUTELA DE URGÊNCIA AOS AGRAVADOS. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
1- Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de Pernambuco em face de decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, que nos autos da Ação de Obrigação de não fazer com pedido de declaração de inconstitucionalidade de Lei em controle difuso incidental com pedido de tutela de urgência nº 0010999-14.2019.8.17.2001, deferiu em parte, tutela provisória requerida, para reconhecer, em caráter incidente, a inconstitucionalidade da exigência prevista no art. 1º da Lei nº 16.517/2018 e determinar que o Estado de Pernambuco se abstenha de aplicar qualquer sanção aos autores em função do seu descumprimento.
(...)
24- Conforme destacado no parecer ministerial, pretendendo pôr em prática a proteção relativa à exploração de animais nos serviços de vigilância, segurança e guarda patrimonial e pessoal, a Lei Estadual n.º 16.517/2018 atendeu aos ditames constitucionais expressos no art. 225, parágrafo 1ª, inciso VII.
25- Ora, ao analisarmos a Lei Estadual nº16.517 de 26 de dezembro de 2018, verificamos que trata do regramento sobre a utilização de cães para fins de guarda, no âmbito do Estado de Pernambuco.
26- Verifica-se, assim, que o Estado atuou dentro de sua competência legislativa constitucionalmente prevista.
27- O art. 1º, objeto de insurgência dos agravados, prescreve que: “Art. 1º A utilização de cães para fins de guarda, no âmbito do Estado de Pernambuco, somente será permitida quando houver a presença de um vigilante, ou seja, como complemento ao ato de vigiar de um profissional capacitado. § 1º Cada cão deverá ser identificado obrigatoriamente através de identificação passiva por implante subcutâneo (microchip), a expensas da empresa responsável pelo animal; § 2º Os animais receberão alimentação, assistência médica veterinária e abrigo apropriado, inclusive no local da prestação do serviço, bem como deverão ser observados os dispositivos da legislação no que diz respeito aos tratos com animais; § 3º O transporte dos animais até o local de trabalho, deste para a sede da empresa contratada ou outra situação que exija a locomoção, deverá ser realizado em veículo apropriado e que garanta a segurança, o bem estar e a sanidade do animal, devendo ainda estar devidamente licenciado pelo órgão municipal responsável pela vigilância e controle de zoonoses; § 4º O local destinado ao abrigo dos cães (canil) deverá observar as seguintes determinações: I - cada célula deve abrigar somente um animal e a área coberta deverá ser construída em alvenaria e nunca inferior a 4 m² (quatro metro quadrados), sendo que a área de solário deverá ter a mesma largura da área coberta; II - instalação de um bebedouro automático; III - teto confeccionado para garantir proteção térmica; IV - as paredes devem ser lisas e impermeabilizadas com altura não inferior a 2 m (dois metros); V - para a limpeza das células dos canis devem ser utilizados produtos com eficiência bactericida e fungicida, a fim de promover a boa assepsia e eliminação de odores, duas vezes por semana, vedada a utilização de ácido clorídrico; VI - a limpeza das células do canil deve ser realizada diariamente, sem a presença do animal; e, VII - os resíduos sólidos produzidos pelos animais deverão ser acondicionados em fossa séptica compatível com o número de animais que a empresa possuir, devidamente impermeabilizada, com fácil acesso e ser limpa no intervalo máximo de 15 (quinze) dias com a utilização de produto apropriado. § 5º Os resíduos sólidos produzidos pelos animais no local da prestação de serviços devem ser recolhidos ao menos uma vez ao dia pela empresa contratante; § 6º O plantel de cães é de inteira responsabilidade da empresa proprietária, a quem caberá comprovar ao órgão fiscalizador a castração de todos os animais; § 7º Observadas às determinações da legislação federal, estadual e municipal, nenhum animal poderá ser excluído do plantel da empresa, não poderá ser abandonado, sujeito a sofrimentos físicos ou eutanasiado;”.
28- Dessa forma, nota-se que a Lei estabelece que a utilização de cães para fins de guarda, no âmbito do Estado de Pernambuco, somente será permitida quando houver a presença de um vigilante, ou seja, como complemento ao ato de vigiar de um profissional capacitado.
29- Mais adiante, o diploma legal prescreve as penalidades, para os casos de descumprimento: “Art. 2º Os infratores da presente Lei ficam sujeitos às seguintes penalidades: I - advertência, quando da primeira autuação; e, II - multa, quando da segunda autuação. § 1º A multa prevista no inciso II deste artigo será fixada entre R$ 1.000,00 (um mil reais) e R$ 100.000,00 (cem mil reais), graduada de acordo com a natureza e proporção da ocorrência, com seu valor atualizado pelo IPCA ou qualquer outro índice que venha substituí-lo. § 2º O valor da multa será dobrado na hipótese de persistência, progressivamente até a regularização da infração. § 3º Para os casos de persistência, será considerado o período de 24 (vinte e quatro) horas para a aplicação de nova penalidade. § 4º O órgão fiscalizador deverá, nos casos de reincidência de maus tratos, apreender o animal e encaminhá-lo a órgão de vigilância sanitária ou entidade credenciada de proteção de animais, sem prejuízo da aplicação de penalidades decorrentes de maus tratos constantes da legislação federal, estadual e municipal.”
30- Ora, notemos que suspender as sanções previstas (o que foi realizado pela decisão agravada), representa propriamente retirar a eficácia da referida Lei, que passa a ser letra morta.
31- Lembremo-nos do fato que o texto da Lei foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, de modo que é dotada de legitimidade e de presunção de constitucionalidade. Nesse caminhar, haja vista que o afastamento da aplicação da Lei representa grande interferência na atuação do Poder Legislativo, para a referida medida ser concedida em sede de tutela de urgência, os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil deveriam estar configurados de forma patente neste caso, o que não se verifica, ao menos até esta fase processual.
32- Assim, temos que há, neste caso, perigo de dano inverso caso fosse mantida a tutela de urgência questionada.
33- Também concluímos pela ausência de probabilidade de direito do agravante, tendo em vista que não enxergamos, neste juízo preliminar, permitido em sede de agravo de instrumento, que haja qualquer ofensa a disposições constitucionais na referida Lei.
34- Notemos que o agravado trouxe uma série de argumentos que se referem ao mérito da demanda e à apreciação da constitucionalidade da Lei. Contudo, nesta fase, incumbe-nos apenas tratar dos requisitos necessários à concessão de tutela de urgência e não julgar o mérito da causa, que é atribuição do Juízo de primeiro grau.
35- Na presente situação concluímos que os agravados não atenderam aos requisitos prescritos na lei necessários à concessão de tutela de urgência, de modo que a decisão agravada deve ser inteiramente reformada.
36- Agravo de Instrumento provido, reformando a decisão agravada para negar a tutela de urgência pleiteada por Canil Encanto LTDA- EPP e outros; restando prejudicado o Agravo Interno interposto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos nestes autos de Agravo de Instrumento nº0005081-81.2019.8.17.9000, acordam os Desembargadores que integram a Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, em DAR PROVIMENTO ao recurso, prejudicado o Agravo Interno, tudo conforme os votos constantes nas notas taquigráficas, anexos que passam a integrar o presente julgado.
(AGRAVO DE INSTRUMENTO 0005081-81.2019.8.17.9000, Rel. ALFREDO SERGIO MAGALHAES JAMBO, Gabinete do Des. Alfredo Sérgio Magalhães Jambo, julgado em 23/04/2020, DJe ).