O milagre de Barra do Chapéu
domingo, 29 de abril de 2007, 00h00
GILBERTO DIMENSTEIN
Folha de São Paulo 29 04 07
Ninguém poderia imaginar que aquela cidade, perdida no Vale do Ribeira, iria surpreender todo o país
EM 2005, a Faap decidiu adotar um município para ensinar-lhe técnicas de gestão, o que, além de ajudá-lo a se desenvolver, serviria de laboratório acadêmico.
Procurou-se o que havia de mais pobre em São Paulo para que o desafio fosse maior. Encontraram um lugar em que a maioria das casas não tinha banheiro, o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) paulista.
Ninguém poderia imaginar, rigorosamente ninguém, que aquela cidade, perdida no Vale do Ribeira, iria, na semana passada, surpreender todo o país. Entre várias tarefas, como melhorar o saneamento básico, criar um plano diretor e estimular a vocação econômica, os universitários introduziram o xadrez no currículo, ensinaram informática para professores e alunos, distribuíram computadores conectados à internet.
Nesta semana, a escola está recebendo lousas digitais; o giz, portanto, está prestes a ser aposentado. Com pouco mais de 4.000 habitantes, Barra do Chapéu entrou, na semana passada, na história, por ser o campeão da quarta série no ranking de qualidade de ensino, elaborado pelo Ministério da Educação.
Para chegar à nota média deles, o Brasil terá de aguardar pelo menos mais 20 anos. Isso se tudo o que foi proposto pelo plano educacional do governo federal der certo. Os alunos e professores da Faap foram para lá ensinar, mas aprenderam uma lição -assim como todo o país.
Como a primeira ação da Faap ocorreu em 2005, não se pode atribuir-lhe a maior responsabilidade pelos resultados de Barra do Chapéu. Mas a receptividade com que aceitaram a colaboração externa e o empenho de implementar mudanças dão as pistas do sucesso da cidade.
A disposição da comunidade para o estudo está simbolizada no vice-prefeito de Barra do Chapéu, Gentil Alves, que, neste momento, está cursando a sétima série do ensino fundamental. Ele tem 67 anos e, orgulhoso, vai à escola todas as noites.
A receita deles é infalível em qualquer canto do planeta.
Se o aluno falta, a diretora manda chamar os pais; se eles não comparecerem, aciona-se o Conselho Tutelar. Considera-se a família um elemento essencial no processo de aprendizagem.
Os estudantes não são números numa sala superlotada, mas indivíduos. São 25 alunos por classe. São feitas avaliações de cada estudante a cada 15 dias.
Para os que não aprendem, são oferecidos reforço fora do horário regular e um serviço diário para tirar dúvidas. Com isso, as repetições de série ocorrem apenas em casos excepcionais.
Há investimento especial em leitura e escrita, base para os demais aprendizados. Impede-se, assim, a bola de neve. Como não se aprende a ler direito, as carências se avolumam sem parar.
Os professores não são papagaios de apostilas escolares, mas produtores de conteúdo. Sentem-se valorizados, inclusive no bolso.
Eles recebem em média R$ 980 por mês; mais que o dobro do que ganham os trabalhadores locais.
Com essas ações, cria-se um círculo virtuoso. Os governantes valorizam as escolas, os professores se sentem estimulados e são respeitados pela comunidade. Compreensível que, neste ambiente, um professor local não se considere ameaçado - pelo contrário-, com a interferência de forasteiros universitários.
E até se disponha a jogar fora o giz e usar um smartboard, permitindo a ampliação da tela do computador para que os alunos possam juntos navegar na internet -isso numa cidade em que quase todas as ruas são de terra.
PS- Vê-se, nesse exemplo, como universitários conseguem ajudar concretamente o país. Já que parece impossível cobrar mensalidade no ensino superior público, deveria ser obrigatório que os estudantes pagassem de volta com serviços comunitários. O que ajudaria também em sua empregabilidade.
Vale a pena conhecer a experiência de Minas Gerais, onde alunos de dez universidades estão dando aulas, fora do horário regular, para estudantes da rede pública; usam-se jogos e brincadeiras, muitas vezes em parques.
O projeto começou neste ano e, apesar do pouco tempo, já se percebem resultados. Coloquei no meu site (www.dimenstein.com.br) as experiências dos alunos da Faap e das universidades mineiras.
gdimen@uol.com.br