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terça-feira, 22 de abril de 2025, 16h06

 

NOTA TÉCNICA Nº 2/2025/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 08012.001002/2023-93

 

EMENTA: Direito da mulher consumidora. Dever de proteção do Estado como ordem constucional. Vulnerabilidade como referência de aplicação e interpretação. Diretrizes de Proteção e Defesa das Consumidoras.

 

I. APRESENTAÇÃO

 

A Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), por meio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), junto à Coordenação Geral de Estudos e Monitoramento de Mercado (CGEMM), apresenta posicionamento e orientação em Nota Técnica sobre a violação aos direitos assegurados no Código de Defesa do Consumidor, em delimitação específica à mulher consumidora.

 

Desde o visionário discurso sustentado pelo Presidente John Kennedy, em 15 de março de 1962, no qual se fundam os quatro pilares estruturantes da defesa dos direitos dos consumidores, percebe-se que os direitos à segurança, à informação, à liberdade de escolha e à parcipação, enaltecidos há seis décadas, permanecem em evidência quando contextualizados às novas conjunturas da sociedade.

 

Uma sociedade que oprime, renega, segmenta, discrimina e abusa, valendo-se da condição do gênero feminino para opor tratamento como objeto de consumo, exige posicionamento do Estado de forma forte e presente, para que não seja este um agente omisso aos seus deveres.

 

Se as prácas abusivas tomam como referência as mulheres, é necessário que o Estado se posicione em defesa da mulher consumidora. As diversas prácas comerciais abusivas, com efeitos prejudiciais às mulheres, precisam do olhar atento do Estado, como determina o art. 5º, XXXII, Constuição Federal, em que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

 

Torna-se oportuno fundamentar posicionamento sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em perspecva ao mercado de consumo contemporâneo, o que jusfica as considerações preliminares e passa-se a expor os elementos necessários que subsidiam as Diretrizes de Proteção e Defesa das Consumidoras.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

1. O dever de proteção do estado como ordem constucional A Constuição Federal, em seu argo 3º, inciso IV, veda qualquer po de discriminação, sendo dever do Estado promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, o art. 5º, caput, incisos I e XLI, da Constuição Federal dispõe que todos são iguais perante a lei, sem disnção de qualquer natureza, sendo homens e mulheres iguais em direitos e obrigações, de modo que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. O argo 5º, inciso XXXII, CF, garanu o direito do consumidor como direito e garana fundamental. Vejamos:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem disnção de qualquer natureza, garanndo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constuição;

[...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

[...]

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

 

Ao retrato constucional tem-se no caput a norma-guia para entender que não se fará disnção, ao passo que somos todos iguais perante a lei, e se disnto for, este se dará em razão da norma, no intuito de promover um tratamento para suprir relações desiguais, para assim, promover a igualdade. Eis a premissa que elenca o direito do consumidor como direito fundamental (art. 5º, XXXII, CF) e princípio da ordem econômica (art. 170, V, CF). O direito do consumidor investe-se como um direito de proteção, “direito à proteção do Estado contra intervenções de terceiros” ou ainda “dever do Estado de promover este direito”.[4] O sendo de criação e consequente aplicação do Código de Defesa do Consumidor, reconhecer a vulnerabilidade e promover a tutela.

 

O Código de Defesa do Consumidor trouxe a vulnerabilidade entre os princípios da Políca Nacional das Relações de Consumo (art. 4º, I), que conduz a aplicabilidade do Código. O sendo de existência do Código de Defesa do Consumidor está no reconhecimento da vulnerabilidade. A vulnerabilidade funda-se na base dos princípios constucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.[1] A incorporação, pela Constuição da República, de relações jurídicas, antes determinadas pelo direito civil, faz com que os direitos de tularidade dos sujeitos, destas relações jurídico-privadas, também comportem uma alteração qualitava de status. Passam a se caracterizar como direitos subjevos de matriz constucional[2], ou seja “um novo sujeito pós-moderno de direitos.”[3]

 

Além disso, pode-se observar que o Código de Defesa do Consumidor em seu argo 4º, assegura como princípio a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações. O CDC não só estabelece como direitos básicos dos consumidores a igualdade nas contratações e o direito à informação, como também os protege de prácas abusivas e ilegais. No mesmo sendo, o CDC proíbe a recusa de atendimento às demandas dos consumidores, com base no argo 39, inciso II. O argo 39, incisos IX e X veda a recusa de venda de bens ou de prestação de serviços e a elevação injusficada de preços. Assim, inexiste jusficava plausível para o tratamento diferenciado das consumidoras, de modo que, o acontecendo, os fornecedores devem ser penalizados pelas prácas.

 

Cabe mencionar que em 2002 foi promulgado o Decreto nº 4.377/2002, que raficou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, aprovada em 1979 pela ONU (Organização das Nações Unidas). O art. 1º da Convenção dispõe que “a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda a disnção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos políco, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”.

 

Por sua vez, disciplinam os arts. 2º e 3º que:

 

Argo 2º

Os Estados Partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma políca desnada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objevo se comprometem a:

 

a) Consagrar, se ainda não o verem feito, em suas constuições nacionais ou em outra legislação apropriada o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados a realização práca desse princípio;

b) Adotar medidas adequadas, legislavas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher;

c) Estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garanr, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instuições públicas, a proteção efeva da mulher contra todo ato de discriminação;

d) Abster-se de incorrer em todo ato ou práca de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instuições públicas atuem em conformidade com esta obrigação;

e) Tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher pracada por qualquer pessoa, organização ou empresa;

f) Adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislavo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e prácas que constuam discriminação contra a mulher;

g) Derrogar todas as disposições penais nacionais que constuam discriminação contra a mulher.

Argo 3º

Os Estados Partes tomarão, em todas as esferas e, em parcular, nas esferas políca, social, econômica e cultural, todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislavo, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher, com o objevo de garanr-lhe o exercício e gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem.

 

Diante disso, a proteção andiscriminatória das mulheres nas relações de consumo assume um papel fundamental na promoção da igualdade e no combate à exclusão social.

 

2. A vulnerabilidade como referência de aplicação e interpretação

 

A singularidade humana é razão de disnção, ao mesmo tempo que promove o desejo por igualdade. Nesta perspecva, clama-se por uma nova liberdade com autonomia dos mais fracos; uma nova igualdade com o direito de ser diferente; e uma (nova) fraternidade apta ao encontro de uma origem comum, para promover o diálogo das diferenças, que remonte a aplicação e interpretação jurídica a parr do que nos faz iguais em absoluto, ou seja, a condição de ser humano.[5] A dignidade da pessoa humana, declarada como direito e assegurada como garana fundamental, tem no rol dos direitos fundamentais a sua proteção, que segue a mesma finalidade dos direitos humanos. Permite-se assim, pensar em um direito humano aos consumidores, nesta Nota Técnica às consumidoras.

 

O Código de Defesa do Consumidor invoca não apenas a proteção diante do que elencou como princípio da vulnerabilidade, mas também uma proteção efeva ao que se constata como princípio da efevidade[6]. Adoção da vulnerabilidade como critério básico para definição de consumidor e da aplicação das normas de proteção previstas no microssistema de proteção e defesa do consumidor é acompanhada da revisão e ampliação do próprio significado e alcance do princípio da vulnerabilidade, que em condições pontuais é classificado em três espécies clássicas: fáca - técnica - jurídica.[7]

 

O posicionamento de Claudia Lima Marques e Bruno Miragem[8] iluminam as bases de uma teoria (geral) da vulnerabilidade ao expor a necessária disnção entre vulnerabilidade e igualdade. Enquanto esta vincula uma análise macro, a vulnerabilidade dispensa confrontar instutos e objetos, por ser um estado do sujeito e não, obrigatoriamente, um resultado deste em contraste a outros. Marca-se a disnção conceitual com o registro que a vulnerabilidade é oriunda da (des)igualdade, mas não se confundem.

 

Em uma primeira análise a vulnerabilidade é um conceito associado à relação, exisndo diante de algo ou alguém, ou ainda é a condição de ser ferido diante de quem tenha potência para tanto.[9] Contudo, ao se afirmar a relação como premissa à vulnerabilidade, é oportuno o entendimento diverso, uma vez que é caracterísca da humanidade estar exposta ao sofrimento e vulnerabilidade, neste sendo, é intrínseca ao ser humano, o que não exige relação.[10] Todos podem, mesmo que transitoriamente, ser/estar vulneráveis, sem ter relação que defina tal condição.[11]

 

Por esta razão, ao estudo sobre vulnerabilidade, delimitado às relações de consumo, é pernente idenficar, em alguns casos, a existência prévia à relação (jurídica de consumo) de um sujeito vulnerável. O idoso[12], a criança[13], o analfabeto[14], como o próprio amparo constucional assegurou, são vulneráveis, independente de relação[15]. Em espaço ampliado de estudo[16], acrescenta-se outros grupos[17] como as pessoas com deficiência, analfabetos funcionais, LGBTQ+, negros, os indígenas, as mulheres, os refugiados, os excluídos ou com dificuldades de acesso às novas tecnologias[18], os dependentes químicos[19] e inúmeras outras situações humanas que geram, no âmbito das relações de consumo, vulnerabilidades potencialmente idenficadas.

 

Ao passo que “somos todos consumidores”[20], o que é razão de vulnerabilidade, haver condições de fragilidade que antecedem a relação de consumo, corroboram a dois aspectos preliminares: a) a relação não é obrigatória para caracterizar vulnerabilidade; e b) há o agravamento da vulnerabilidade[21] quando esta é pré-existente à relação (de consumo).

 

Para delimitação aqui proposta, oportuna as considerações que reconhecem uma vulnerabilidade de gênero, ou seja, uma percepção de vulnerabilidade caracterizada pela razão de ser mulher, incluindo também a pessoa trans que se idenfica ao gênero feminino, o que é percepvel na sociedade como um todo, seja nas relações de trabalho, relações familiares e, por certo, também nas relações de consumo.

 

A discussão de gênero é obrigatória ao contribuir com a desnaturalização das desigualdades entre homens e mulheres e, ao passo, que as relações de consumo potencializam a vulnerabilidade da mulher em prácas abusivas diversas, torna-se fundamental o dever do Estado de promover a proteção e defesa, o que jusfica a publicação da presente Nota Técnica.

 

Esta Secretaria já se manifestou em Nota Técnica sobre um dos temas que envolve a discussão de consumo e gênero. A Nota Técnica nº 2/2017/GAB-DPDC/SENACON, tratou a diferenciação de preço entre homens e mulheres como afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao princípio da isonomia, definindo-a como práca comercial abusiva.[22] A Nota Técnica nº 11/2019/CGEMM/DPDC/SENACON entendeu não haver nenhuma regra no Código de Defesa do Consumidor proibindo preço diferenciado aos consumidores.

 

Percebe-se que o tema das referidas Notas não é a única modalidade que faz uso do gênero para discriminar. O acesso de mulheres em eventos, inclusive, com disponibilidade abundante de bebidas alcoólicas, tendo na sequência a entrada de homens, é pauta oportuna, mas não exclusiva. Deve-se ampliar o debate para promover o respeito à dignidade da mulher, à defesa e proteção das consumidoras.

 

O ordenamento jurídico tem por premissa a proibição à discriminação e a igualdade entre homens e mulheres, garanas da Constuição Federal (argo 3º, IV, argo 5º, II). O Código de Defesa do Consumidor elenca o princípio da liberdade de escolha e a igualdade nas contratações (argo 4º, II). Em sede internacional, o direito comunitário europeu trouxe direva específica sobre o tema, em que a diferenciação só será admida “se o fornecimento de bens e a prestação de serviços exclusivamente ou prioritariamente aos membros de um dos sexos for jusficado por um objevo legímo e os meios para angir esse objevo forem adequados e necessários” (argo 4º, item 5, da Direva 2004/113/CE).

 

Como bem observa Bruno Miragem[23], a diferenciação de preços entre homens e mulheres permite espaço para uma discussão mais ampla, e de grande interesse no direito do consumidor. São diversas as situações que elevam o debate entorno da objeficação da mulher em campanhas publicitárias com olhar machista, ao se jusficar pela criavidade e bom humor, argumentos que não podem ser tolerados em um país que luta pela igualdade. Mulheres em campanhas publicitária com textos e/ou imagens ambíguas, com conotação sexual em clara e absoluta práca abusiva, em regra dentro de um padrão social de beleza, oferecidas como recompensa, em comerciais diversos que anunciam de cerveja a lingeries.

 

A objeficação existente que patrocina a desigualdade ao gênero feminino na condição de consumidora não deve ser tolerada, sob pena do Estado deixar de atender o dever constucional de proteção/defesa/tutela, na forma do Código de Defesa do Consumidor. É incontestável que o consumidor, seja homem ou mulher, atua como sujeito de direitos, e deve receber tratamento isonômico. A parr do momento em que o fornecedor faz a oferta de produto ou serviço, deve promover de maneira igualitária, sem disnções.

 

3. Desafios impostos às mulheres no mercado de consumo

 

As diversas mudanças ao longo dos úlmos anos impactaram significavamente os papéis desempenhados pelas mulheres. A presença feminina conquista parcipação significava na sociedade. Essa perspecva histórica, além de mudar a posição da mulher no contexto social, trouxe novas dinâmicas nas relações femininas. Os novos arranjos sociais femininos e o seu comportamento passaram a ter influência direta no funcionamento do mercado e do consumo.

 

Desse modo, compreender as necessidades e desejos do público feminino tornou-se crucial para atender de maneira adequada e eficaz ao mercado consumidor. Na medida que as mulheres ingressaram de forma definiva no mercado de trabalho formal, elas não só passaram a controlar o orçamento familiar, mas também a ter poder de compra. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apesar da dificuldade de disnguir bens e serviços consumidos com base no gênero, haja vista que mulheres constuem um grupo heterogêneo de consumidores, e a maioria das compras do consumidor é registrada no nível do domicílio, as mulheres realizam ou influenciam cerca de 80% das compras de consumo nos países da OCDE[24].

 

Mesmo assim, o mercado de consumo impõe desafios às mulheres consumidoras em razão das desigualdades ainda muito presentes na sociedade. A discriminação de gênero pode ser atribuída a vários fatores, sendo um deles a falta de representação adequada das mulheres na produção do conhecimento cienfico e no desenvolvimento de novas tecnologias. Em estudo realizado em 2019 pelo Centro de Biomecânica Aplicada da Universidade da Virgínia dos Estados Unidos revelou que as mulheres têm 73% mais chance de se ferirem em um acidente de carro do que homens[25].

 

Isso pode estar relacionado com o fato de que os testes de segurança veiculares são realizados com bonecos de teste que representam corpos masculinos médios, os chamados “crash test dummies”. Somente em 2023 que foi desenvolvido o primeiro manequim de teste de colisão feminino do mundo para garanr mais segurança às mulheres no mercado automobilísco. O primeiro protópo “dummy” feminino, chamado de SET 50F, foi projetado por Astrid Linder, uma engenheira sueca, pesquisadora em segurança veicular e diretora de segurança no trânsito no Instuto Sueco de Pesquisa Rodoviária Nacional e Transporte.

 

Segundo Linder, "no padrão mínimo exigido para que um carro seja vendido, a regulamentação dispõe que é necessário usar o modelo de um homem médio para todos os testes, e ponto final".[26] Assim, por todos esses anos, as montadoras têm ulizado versões de tamanho menor de manequins masculinos para representar mulheres e crianças, mas esses não levaram em consideração a morfologia diferente dos corpos femininos. De acordo com a engenheira sueca, "ambos, homens e mulheres, devem ser igualmente representados ao avaliarmos a proteção dos ocupantes ou usuários durante o acidente. Com isso, teremos uma avaliação inclusiva, enquanto hoje é exclusiva."

 

Outro exemplo de discriminação de gênero reside no fato de que as mulheres foram historicamente excluídas dos ensaios clínicos farmacêucos até 1993, quando da edição de uma norma[27], nos Estados Unidos, que exigiu a inclusão de mulheres em ensaios desta natureza. Segundo argo publicado em junho de 2020 na revista Biology of Sex Differences[28], mulheres estão mais susceveis a sofrerem efeitos adversos aos medicamentos do que os homens. Isso porque, historicamente, a maioria dos ensaios clínicos foi conduzida com a parcipação deles e, portanto, acabaram ignorando as parcularidades do metabolismo feminino.

 

Os desafios impostos à consumidora dentro da relação de consumo perpassam também pelo campo do sobrepreço de produtos direcionados às mulheres. De brinquedos, roupas, calçados, produtos de higiene, de beleza e até medicamentos, quando direcionados ao público feminino, apresentam preços mais elevados. Nos Estados Unidos, este fenômeno denomina-se: pink tax. Embora seja denominado como “taxa”, não se trata de um imposto, mas sim da práca de estabelecer preços mais altos para produtos iguais ou semelhantes.

 

No campo informacional, destaca-se a recente descoberta relava aos testes dos absorventes. A maioria das lojas de conveniência ou farmácias possui um corredor dedicado à "higiene feminina", repleto de prateleiras de diversos produtos menstruais, como absorventes internos, externos, copos e discos. No rótulo consta a informação que indica a capacidade de absorção de sangue líquido pelo produto. No entanto, esse número pode ser enganoso, de acordo com um argo publicado em 2023 no periódico BMJ Sexual & Reproducve Health[29].

 

Uma equipe de pesquisadores da Oregon Health & Science University descobriu que muitos produtos menstruais nham uma capacidade líquida muito menor ou maior do que a anunciada quando se ulizava sangue real em vez de uma solução salina - uma mistura de água, sal e bicarbonato mais comumente empregada no processo de desenvolvimento do produto. Este é o primeiro estudo conhecido que testa a absorção de produtos menstruais com sangue, afirmam os pesquisadores. Assim, as consumidoras, além de sujeitas aos vazamentos, podem ser induzidas a pensar que sangram em excesso, levando-as a buscar tratamento. Isso porque, em um passado recente, um dos critérios considerados para avaliar se uma mulher nha seu fluxo sanguíneo menstrual elevado e fora dos padrões da normalidade era a quandade usada de absorvente e a frequência dos vazamentos.

 

No argo Going with the flow: the emergence of menstrual science [30], o Dr. Paul Blumenthal, professor de ginecologia e obstetrícia no Centro Médico da Universidade de Stanford[31], e outros pesquisadores, observaram que, embora as mulheres possam esperar ter mais de 400 ciclos menstruais em suas vidas, a pesquisa sobre a saúde das mulheres em geral, assim como aquela focada na menstruação, tem sido, e connua sendo, pouco representava na literatura médica. A corroborar, destacou o resultado de uma busca no PubMed[32] por "menstrual blood" (“sangue menstrual”), que trouxe apenas uma publicação entre 1941 e 1950, seguida por um aumento constante e estagnação em apenas 400 publicações nas úlmas décadas, período em que houve aproximadamente 10.000 publicações relacionadas à disfunção erél.

 

Verifica-se, assim, não apenas a violação de um direito básico da mulher consumidora, que adquire produto sem saber suas caracteríscas essenciais, já que as informações do rótulo foram baseadas em testes que não reproduzem a realidade de uso do produto, como também a ausência de pesquisas desnadas aos produtos e à saúde da mulher, o que gera impactos no mercado de consumo.

 

Em que pese tenham conquistado protagonismo no cenário econômico, as mulheres ainda enfrentam desafios no âmbito do consumo, evidenciados pela discriminação de gênero em setores como segurança veicular, ensaios clínicos, preços diferenciados, dentre tantos outros. A baixa representavidade reflete não apenas uma violação de direitos, mas também impõe desafios substanciais às consumidoras, destacando a necessidade urgente de uma abordagem mais inclusiva e equitava no mercado de consumo.

 

III. DAS DIRETRIZES DE PROTEÇÃO E DEFESA DA CONSUMIDORA

 

A Secretaria Nacional do Consumidor, a parr do uso das suas atribuições, em coordenação aos membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, ao orientar ações e instaurar polícas de proteção, considerando a intenção de estabelecer diretrizes com o objevo de apresentar princípios e prácas para a proteção da mulher consumidora, em consonância com os compromissos assumidos pela comunidade internacional para a promoção da igualdade de gênero e fortalecimento de polícas às mulheres; considerando a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que reconhece a igualdade de gênero como um direito humano fundamental e um dos princípios norteadores do desenvolvimento sustentável; considerando as polícas de proteção da mulher consumidora adotadas pela União Europeia e por países avançados, que buscam garanr o respeito à dignidade da mulher e a eliminação de todas as formas de discriminação e violência contra a mulher no contexto do consumo;

 

E considerando os diplomas legais nacionais, em especial, a Constuição Federal e o Código de Defesa do Consumidor, e a aderência do Brasil à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Secretaria Nacional do Consumidor, apresenta atualização das Diretrizes de Proteção e Defesa da Consumidora:

 

I) Igualdade de gênero e não-discriminação: A proteção da mulher consumidora deve ser baseada nos princípios da igualdade de gênero e da não-discriminação, garanndo o respeito à dignidade da mulher e a eliminação de todas as formas de discriminação e violência contra a mulher no contexto do consumo.

II) Proteção de direitos das mulheres consumidoras: A proteção dos direitos das mulheres consumidoras deve ser assegurada por meio da garana da proteção contra prácas comerciais desleais e contra a discriminação de gênero nas condições de acesso aos produtos e serviços.

III) Educação e conscienzação: A educação e a conscienzação sobre direitos das mulheres consumidoras devem ser promovidas, visando a formação da sociedade para eliminação de estereópos e preconceitos de gênero no contexto do consumo.

IV) Comunicação não sexista: Os fornecedores de produtos e serviços devem adotar uma comunicação não sexista, evitando a objeficação, sexualização da mulher em campanhas publicitárias e a ulização de estereópos de gênero não deve ser admida, bem como a promoção de produtos ou serviços que reforcem esta condição.

V) Preços justos e igualdade de acesso: Os fornecedores de produtos e serviços devem garanr preços justos e a igualdade de acesso às mulheres. Não devem ser aplicados preços diferenciados sem jusficava clara e objeva.

VI) Garana de segurança e qualidade: Os fornecedores de produtos e serviços devem garanr medidas de controle de qualidade e segurança desde a fabricação até a comercialização e as informações sobre os riscos associados ao uso devem ser claramente comunicadas às consumidoras, levando em consideração, de modo especial, a mulher consumidora gestante.

VII) Parcipação das mulheres na tomada de decisão: As mulheres devem ser representadas e ter voz ava em órgãos e instâncias de proteção aos direitos provenientes das relações de consumo, de forma a garanr que as polícas de proteção sejam sensíveis às necessidades e aos seus interesses.

VIII) Cooperação e parceria: A proteção da mulher consumidora deve ser promovida em cooperação entre os membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, órgãos de proteção, as organizações de mulheres e de defesa dos direitos humanos, além dos fornecedores de produtos e serviços para estabelecer a harmonia das relações de consumo.

IX) Regulamentação e fiscalização: As prácas de proteção da mulher consumidora devem ser baseadas em uma legislação clara e efeva, que assegure a igualdade de tratamento entre homens e mulheres no acesso a produtos e serviços de consumo.

X) Promoção de ações afirmavas: Os fornecedores de produtos e serviços e os órgãos de proteção devem promover ações afirmavas para fomentar igualdade de gênero nas relações de consumo, com incenvo à inclusão de mulheres.

XI) Polícas empresariais internas de reconhecimento das mulheres consumidoras: Os fornecedores devem considerar as mulheres como consumidoras no âmbito de suas avidades, incluindo testes de produtos, quando aplicável, atendendo às especificidades do público feminino no mercado de consumo.

XII) Polícas para combater a exclusão social, promover inclusão financeira, preservar o mínimo existencial, prevenir e tratar o superendividamento das consumidoras: Promoção de iniciavas para esmular a criação de condições especiais para mulheres que vivem em condições de vulnerabilidade social e econômica.

XIII) Protocolos de proteção à mulher em espaços de entretenimento: União de esforços com os sistemas vinculados à proteção das mulheres e os órgãos integrantes do SNDC, para aumentar o alcance de divulgação dos programas de prevenção, proteção e tratamento de violência sofrida por consumidoras em espaços de entretenimento.

 

Fonte: Gov


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