Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

TJAP. 4ª Vara Cível de Macapá confirma tutela de posse de imóvel a idosa de 87 anos e condena réu a indenizá-la em R$ 20 mil por danos morais

terça-feira, 16 de setembro de 2025, 11h49

A 4ª Vara Cível de Macapá, no Amapá, proferiu, na última quinta-feira (11 de setembro), sentença que confirmou a posse de um imóvel para uma idosa de 87 anos diagnosticada com deficiência intelectual grave. A titular da unidade, juíza Alaíde Maria de Paula, na mesma decisão, condenou o réu ao pagamento de R$ 20 mil por danos morais, além das custas processuais e os honorários advocatícios. A decisão determinou a expedição de ofício para apurar a eventual prática de crimes como estelionato e falsificação de documentos contra a idosa.

 

A ação de manutenção de posse foi ajuizada pela idosa, representada por seu curador. Ela narrou possuir os imóveis localizados no bairro do Trem, em Macapá, desde 1965, comprovando a posse ancestral com um Termo de Traspasse Familiar e guias de imposto predial antigas. A petição inicial destacou a avançada idade da autora e sua condição de saúde, sendo portadora de deficiência intelectual grave - ou (sic) "retardo mental profundo (CID F-73)” - em caráter irreversível, e totalmente dependente de cuidados de terceiros. A autora alegou que o réu, aproveitando-se de sua vulnerabilidade, praticou esbulho possessório (perda do bem de forma injusta) por meio de atos fraudulentos e falsificação de documentos, visando a apropriação indevida do imóvel.

 

Inicialmente, o juízo concedeu gratuidade judiciária e prioridade de tramitação para a autora, dada sua idade e condição de incapaz. A tutela de urgência foi deferida parcialmente para determinar que o réu se abstivesse de praticar qualquer medida de esbulho (perda total do controle do bem) ou turbação (perda ou perturbação parcial da posse) do imóvel que serve de residência da autora, sob pena de multa. O réu recorreu por meio de agravo de instrumento contra a decisão liminar, mas seu pedido de efeito suspensivo foi negado.

 

Em sua contestação, o réu argumentou em várias frentes: desde coisa julgada à prescrição decenal. Afirmou que a questão possessória já havia sido resolvida em seu favor em uma ação possessória anterior. Ele também alegou a inépcia da inicial (pedidos impossíveis ou narração ilógica de fatos) e a ilegitimidade ativa do curador da autora, em razão do vencimento do termo de curatela provisória. O réu contestou o valor da causa e argumentou a falsidade documental de diversos documentos apresentados pela autora. No mérito, o réu também refutou as alegações de fraude e esbulho e afirmou ser o legítimo proprietário do imóvel, com base em um registro de imóvel.

 

A autora manifestou-se novamente, reiterando os termos da petição inicial e questionou os documentos apresentados pelo réu, os quais classificou como resultantes de fraudes. O Ministério Público, atuando em razão do interesse da incapaz, apresentou parecer detalhado. Ele ratificou suas manifestações anteriores, rejeitou as preliminares arguidas pelo réu e manifestou-se pela procedência integral do pedido inicial da autora. O órgão também sugeriu a expedição de ofício para apuração de crimes e a determinação de perícia grafotécnica.

 

A juíza Alaíde Maria de Paula acolheu integralmente o parecer do Ministério Público pela rejeição de todas as preliminares (de coisa julgada, litispendência e conexão) por considerá-las improcedentes, pois a idosa foi expressamente excluída da ação possessória anterior. A juíza também refutou a preliminar de ilegitimidade ativa, destacando que a petição de prorrogação da curatela foi protocolada em tempo hábil e o processo de curatela definitiva estava em andamento. Quanto à alegada prescrição decenal, a decisão afirmou que o direito à proteção da posse de uma pessoa incapaz não pode ser tolhido por uma interpretação formalista da prescrição, mantendo a posse ancestral da autora.

 

No mérito, a sentença enfatizou a proteção possessória da idosa. Documentos como o Termo de Traspasse Familiar de 1965 e guias de imposto predial de 1963 e 1964 comprovaram a posse ancestral da autora sobre o imóvel. A juíza destacou a condição de vulnerabilidade da autora, atestada por laudos médicos, além de sua idade avançada.

 

A magistrada ressaltou a especial proteção que o ordenamento jurídico brasileiro confere às pessoas idosas e incapazes, com base na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seus artigos 230 e 1º, inciso III. A juíza mencionou que qualquer negócio jurídico que envolva a disposição patrimonial por uma pessoa comprovadamente incapaz, sem a devida representação legal e autorização judicial, é nulo de pleno direito. A alegada aquisição do imóvel pelo réu por R$ 30 mil, em 1999, quando o valor de mercado era substancialmente maior, e por uma pessoa já incapaz à época, foi considerada desprovida de legalidade e validade. A posse do réu, se originada de ato ilícito, seria precária e de má-fé, configurando um esbulho contra a legítima possuidora.

A juíza Alaíde Maria de Paula afirmou em sua decisão que "a presente demanda exige uma análise aprofundada, considerando a especial proteção que o ordenamento jurídico confere às pessoas idosas e incapazes". Ela reiterou o acolhimento do parecer do Ministério Público, que "oferece subsídios consistentes para o deslinde da controvérsia, rejeitando as preliminares arguidas e confirmando a procedência do pedido autoral". A magistrada sublinhou que a aplicação do direito deve buscar a justiça material, impedindo que a norma legal seja usada para convalidar atos injustos, especialmente em prejuízo de indivíduos vulneráveis.

 

A conduta do réu, que tentou desapossar a autora de seu imóvel valendo-se de supostas fraudes e ignorando deliberadamente sua condição de idosa e incapaz, foi considerada uma grave violação à dignidade e integridade psíquica da autora. A juíza declarou que "a angústia, o temor e a profunda insegurança experimentados pela idosa, uma pessoa com 'Retardo Mental Profundo (F-73)' e 87 anos de idade, ao se ver ameaçada em seu próprio lar, o único ambiente que conhece e onde recebe os cuidados essenciais para sua sobrevivência, são inegáveis". A decisão configurou o dano moral como in re ipsa, ou seja, um dano que decorre do próprio fato ilícito, tornando imperiosa sua reparação para mitigar o sofrimento imposto e coibir a reiteração de condutas reprováveis, conforme os artigos 186 e 927 do Código Civil.

 

Assim, a juíza Alaíde de Paula confirmou a liminar anteriormente concedida e determinou a manutenção definitiva da autora na posse do imóvel. O réu foi condenado a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil, corrigidos monetariamente pelo IPCA e acrescidos de juros de mora. Além disso, o réu deverá arcar com as custas processuais e honorários advocatícios do patrono da autora, fixados em 10% sobre o valor da condenação. A magistrada também expediu ofício à Coordenação das Promotorias de Justiça com atribuição criminal para apurar a eventual prática de crimes de estelionato, falsificação de documentos e outros delitos contra pessoa idosa.

 

Fonte: TJAP


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