STJ Informativo de Jurisprudência nº 0684 Publicação: 5 de fevereiro de 2021.
terça-feira, 09 de fevereiro de 2021, 16h02
TERCEIRA TURMA
Processo
REsp 1.834.231-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL
Tema
Operações de crédito pessoal. Desconto das parcelas em conta corrente na qual recebido benefício de prestação continuada de assistência social ao idoso - BPC. Pedido de limitação dos descontos. Acolhimento. Verba destinada essencialmente à sobrevivência do idoso. Princípio da dignidade da pessoa humana. Resp 1.555.722/SP.Distinguishing.
Destaque
É possível a limitação dos descontos em conta bancária de recebimento do Benefício de Prestação Continuada, de modo a não privar o idoso de grande parcela do benefício destinado à satisfação do mínimo existencial.
Informações do Inteiro Teor
Discute-se, na espécie, a limitação de descontos de prestações de mútuo em conta bancária na qual é depositado, em favor do recorrido, o Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso - BPC.
Este benefício, de matriz constitucional, cuida de mecanismo de proteção social que visa garantir ao idoso o mínimo indispensável à sua subsistência, não provida por sua família, mediante a concessão de uma renda mensal equivalente a 1 (um) salário mínimo.
No plano infraconstitucional, a Lei n. 8.742/1993 (Lei da Assistência Social - LOAS), a par de corroborar que a assistência social é política estatal que provê os mínimos sociais, estabelece que faz jus ao BPC o idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais cuja família tenha renda mensal per capita igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Assim, à toda evidência, o BPC, longe de constituir "remuneração" ou "verba salarial" - do que tratou o precedente firmado no REsp 1.555.722/SP - consiste em renda transferida pelo Estado ao idoso, de modo a ofertar-lhe, em um primeiro momento, condições de sobrevivência em enfrentamento à miséria, e para além disto, "também propiciar condições mínimas de sobrevivência com dignidade".
Nesse diapasão, constata-se que, em razão da natureza e finalidade do BPC, a margem de disponibilidade, do beneficiário, sobre o valor do benefício é consideravelmente reduzida se comparada à liberdade do trabalhador no uso de seu salário, proventos e outras rendas. O valor recebido a título de benefício assistencial, deveras, é voltado precipuamente à satisfação de necessidades básicas vitais do indivíduo, com vistas à sua sobrevivência. Diferentemente, em se tratando de verba de natureza salarial, é possível cogitar de uma maior margem financeira do indivíduo para custear suas despesas em geral, como educação, lazer, vestuário, transporte, etc, aí incluído o pagamento de credores.
Convém ressaltar, sequer há autorização legal para desconto de prestações de empréstimos e cartão de crédito diretamente no BPC, concedido pela União Federal e pago por meio do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, pois a Lei n. 10.820/2003, que regula a consignação em folha de pagamento de parcelas de empréstimos e cartão de crédito, ao dispor sobre os descontos nos benefícios pagos pelo INSS, remete, tão somente, aos benefícios de aposentadoria e pensão, ou seja, aqueles relacionados à Previdência Social, não abrangendo, assim, benefícios assistenciais.
Essa limitação dos descontos, na espécie, não decorre de analogia com a hipótese de consignação em folha de pagamento, mas com a necessária ponderação entre o princípio da autonomia da vontade privada e o princípio da dignidade da pessoa humana, de modo a não privar o devedor de grande parcela do benefício que, já de início, era integralmente destinado à satisfação do mínimo existencial.
Nesse contexto, diante desse específico quadro normativo, cabe realizar a distinção (distinguishing) entre o entendimento firmado no REsp 1.555.722/SP e a hipótese concreta dos autos, para o fim de acolher o pedido de limitação dos descontos ao percentual de 30% do valor recebido a título de Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social ao Idoso - BPC.
Processo
REsp 1.868.099-CE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020
Ramo do Direito
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
Tema
Empréstimo consignado firmado com analfabeto. Aposição de digital. Insuficiente. Validade. Assinatura a rogo, na presença de 2 (duas) testemunhas, ou or procurador público. Expressão do livre consentimento. Acesso ao conteúdo das cláusulas e condições contratadas.
Destaque
É válida a contratação de empréstimo consignado por analfabeto mediante a assinatura a rogo, a qual, por sua vez, não se confunde, tampouco poderá ser substituída pela mera aposição de digital ao contrato escrito.
Informações do Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a definir, a par da adequação da tutela jurisdicional entregue, a validade do contrato de empréstimo consignado por consumidor analfabeto mediante a mera aposição da digital ao instrumento contratual.
A liberdade de contratar é assegurada ao analfabeto, bem como àquele que se encontre impossibilitado de ler e escrever. Em regra, a forma de contratação, no direito brasileiro, é livre, não se exigindo a forma escrita para contratos de alienação de bens móveis, salvo quando expressamente exigido por lei.
O contrato de mútuo, do qual o contrato de empréstimo consignado é espécie, se perfaz mediante a efetiva transmissão da propriedade da coisa emprestada. Essa observação, ainda que pareça singela, é essencial para a identificação dos requisitos de validade do contrato, em especial, no que se refere à sua formalização, isso porque o fundamento central do acórdão recorrido foi a aplicação, ao caso dos autos, do art. 595 do Código Civil de 2002, cujo texto normativo excepcionaria a necessidade de procuração pública para assinatura de contrato de prestação de serviço.
Ainda que se configure, em regra, contrato de fornecimento de produto, a instrumentação do empréstimo consignado na forma escrita faz prova das condições e obrigações impostas ao consumidor para o adimplemento contratual, em especial porque, nessa modalidade de crédito, a restituição da coisa emprestada se faz mediante o débito de parcelas diretamente do salário ou benefício previdenciário devido ao consumidor contratante pela entidade pagadora, a qual é responsável pelo repasse à instituição credora (art. 3o, III, da Lei n. 10.820/2003).
A adoção da forma escrita, com redação clara, objetiva e adequada, é fundamental para demonstração da efetiva observância, pela instituição financeira, do dever de informação, imprescindíveis à livre escolha e tomada de decisões por parte dos clientes e usuários (art. 1o da Resolução CMN n. 3.694/2009).
Nas hipóteses em que o consumidor está impossibilitado de ler ou escrever, acentua-se a hipossuficiência natural do mercado de consumo, inviabilizando o efetivo acesso e conhecimento às cláusulas e obrigações pactuadas por escrito, de modo que a atuação de terceiro (a rogo ou por procuração pública) passa a ser fundamental para manifestação inequívoca do consentimento.
A incidência do art. 595 do CC/2002, na medida em que materializa o acesso à informação imprescindível ao exercício da liberdade de contratar por aqueles impossibilitados de ler e escrever, deve ter aplicação estendida a todos os contratos em que se adote a forma escrita, ainda que esta não seja exigida por lei.
A aposição de digital não se confunde, tampouco substitui a assinatura a rogo, de modo que sua inclusão em contrato escrito somente faz prova da identidade do contratante e da sua reconhecida impossibilidade de assinar.
FONTE: STJ