Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência STF - Proteção constitucional. Decreto que exclui a adaptação de provas físicas para candidatos com deficiência. Inconstitucionalidade

quinta-feira, 16 de setembro de 2021, 09h37

DECISÃO: EMENTA: Direito Constitucional e Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Concurso Público. Decreto que exclui a adaptação de provas físicas para candidatos com deficiência. Medida cautelar concedida. 1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra decreto que tem por objeto “excluir a previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência e estabelecer que os critérios de aprovação dessas provas poderão seguir os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos”. 2. De acordo com o art. 2º da Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD, considera-se discriminação por motivo de deficiência a recusa de adaptação razoável. 3. O art. 3º, VI, do Decreto nº 9.508/2018, que prevê a possibilidade de o candidato com deficiência utilizar nas provas físicas suas próprias tecnologias assistivas, sem a necessidade de adaptações adicionais, estabelece uma faculdade em benefício do candidato com deficiência. É inconstitucional a interpretação que exclua o direito desses candidatos à adaptação razoável. 4. O art. 4º, § 4º, do Decreto nº 9.508/2018, que estabelece que os critérios de aprovação nas provas físicas poderão ser os mesmos para candidatos com e sem deficiência, somente é aplicável às hipóteses em que essa exigência for indispensável ao exercício das funções próprias de um cargo público específico. É inconstitucional a interpretação que submeta candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios nas provas físicas, sem a demonstração da sua necessidade para o desempenho da função pública. 5. Medida cautelar concedida. 1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB contra o Decreto nº 9.546/2018, que tem por objeto “excluir a previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência e estabelecer que os critérios de aprovação dessas provas poderão seguir os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos”. O diploma altera o Decreto nº 9.508/2018, que reserva às pessoas com deficiência percentual de cargos e de empregos públicos da Administração Pública Federal, para modificar normas relativas à forma de avaliação desses candidatos. Confira-se o teor do decreto impugnado: “DECRETO Nº 9.546, DE 30 DE OUTUBRO DE 2018 Altera o Decreto nº 9.508, de 24 de setembro de 2018, para excluir a previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência e estabelecer que os critérios de aprovação dessas provas poderão seguir os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 34, § 2º e § 3º, e no art. 35 da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, DECRETA: “Art. 1º O Decreto nº 9.508, de 24 de setembro de 2018, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 3º ..................................................................... ................................................................................... III - a previsão de adaptação das provas escritas e práticas, inclusive durante o curso de formação, se houver, e do estágio probatório ou do período de experiência, estipuladas as condições de realização de cada evento e respeitados os impedimentos ou as limitações do candidato com deficiência; IV - a exigência de apresentação pelo candidato com deficiência, no ato da inscrição, de comprovação da condição de deficiência nos termos do disposto no § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, sem prejuízo da adoção de critérios adicionais previstos em edital; V - a sistemática de convocação dos candidatos classificados, respeitado o disposto nos § 1º e § 2º do art. 1º; e VI - a previsão da possibilidade de uso, nas provas físicas, de tecnologias assistivas que o candidato com deficiência já utilize, sem a necessidade de adaptações adicionais, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência.” “Art. 4º ..................................................................... ................................................................................... § 4º Os critérios de aprovação nas provas físicas para os candidatos com deficiência, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência, poderão ser os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos, conforme previsto no edital.” Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.” (Grifos acrescentados) 2. O requerente alega que o ato normativo é inconstitucional porque viola: (i) os princípios da reserva legal e da legalidade (art. 5º, II, e art. 37, c/c o art. 84, IV, CF), pois extrapola os limites da lei regulamentada; (ii) o direito à igualdade (art. 5º, caput, CF), (iii) a previsão constitucional de proteção da pessoa com deficiência (art. 23, II, CF); (iv) a proibição de critérios discriminatórios para a admissão de pessoas com deficiência (art. 7º, XXXI, CF, c/c o art. 27 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência); e (v) o objetivo republicano de promover o bem de todos, sem preconceitos ou formas de discriminação (art. 3º, IV, CF). 3. Ao final, o requerente formula pedido de concessão de medida cautelar, a fim de que se suspendam os efeitos do Decreto nº 9.546/2018 até o julgamento final da ação. No mérito, requer a declaração de inconstitucionalidade integral do Decreto nº 9.546/2018 ou, subsidiariamente, que lhe seja conferida interpretação conforme a Constituição, a fim de que se declare a inconstitucionalidade de qualquer interpretação que cause prejuízos a candidatos com deficiência, como decorrência da adoção de critérios de avaliação idênticos aos aplicados a candidatos sem deficiência nos concursos da Administração Pública Federal. 4. A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestaram-se pelo não conhecimento da ação direta, em razão da existência de ofensa meramente reflexa à Constituição Federal, dada a natureza regulamentar do ato normativo impugnado. A AGU sustentou, ainda, o descumprimento do ônus de impugnação de toda a cadeia normativa que disciplina a matéria, destacando que “não houve pedido de inconstitucionalidade em face dos incisos IV e V do Decreto nº 9.508/2018, cuja redação é praticamente idêntica àquela que veio a ser estipulada pelo Decreto nº 9.546/2018”. De forma subsidiária, caso conhecida a ação direta, a AGU e a PGR manifestaram-se pelo indeferimento da medida cautelar, alegando que o dispositivo ora impugnado não viola o princípio da legalidade, assim como não contém previsão de tratamento discriminatório a candidatos com deficiência. 5. A Presidência da República manifestou-se pelo não conhecimento da ação direta, tendo em vista a existência de ofensa meramente reflexa à Constituição Federal, em razão da natureza regulamentar do ato normativo impugnado. Subsidiariamente, caso conhecida a ação, manifestou-se pelo indeferimento da liminar, na medida em que o dispositivo impugnado tem como objetivo “resguardar a seleção de cargos de natureza operacional, como as carreiras policiais”. 6. Por meio da Petição nº 66233/2020, a parte autora reiterou a argumentação exposta na petição inicial, destacando que, no caso, a ofensa à Constituição Federal é direta, em razão da natureza autônoma do ato normativo impugnado. 7. É o relatório. Decido. 8. De início, afasto a preliminar de não conhecimento do pedido, uma vez que a hipótese seria de ofensa reflexa à Constituição, em razão da natureza regulamentar do ato impugnado. No presente caso, as normas que possibilitam a exclusão de adaptação para candidatos com deficiência em provas de concursos públicos inovam no ordenamento jurídico. Elas, por si só, podem conduzir à extinção de deveres da Administração Pública na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Trata-se de hipótese de ofensa direta às normas constitucionais e, por isso, o pedido deve ser conhecido. 9. Observo, contudo, que o requerente somente apresentou impugnação específica com relação aos arts. 3º, VI, e 4º, § 4º, do Decreto nº 9.546/2018, por mais que o pedido seja de suspensão do decreto como um todo. Os demais dispositivos apenas promoveram ajuste de redação pontual no decreto. Por esse motivo, conheço do pedido somente com relação aos dispositivos expressamente questionados. 10. Estão presentes os requisitos para o deferimento da medida cautelar, para se fixar interpretação conforme a Constituição dos arts. 3º, VI, e 4º, § 4º, do Decreto nº 9.546/2018. O risco concreto de que pessoas com deficiência sejam preteridas em concursos públicos evidencia a urgência da medida. O cotejo entre as normas impugnadas e o sistema constitucional de proteção à pessoa com deficiência, por sua vez, demonstra a verossimilhança das alegações. 11. A Constituição Federal e a Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD, que possui status constitucional, garantem à pessoa com deficiência a reserva de vagas em concursos públicos (art. 37, VIII, CF e art. 27, g, CDPD) e estabelecem o direito à adaptação razoável nos processos seletivos (art. 7º, XXXI, CF, c/c os arts. 2º e 9º da CDPD). Além disso, a referida Convenção considera discriminação a recusa de adaptação razoável (art. 2º, CDPD). 12. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), por sua vez, veda “qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, (...) bem como exigência de aptidão plena” (art. 34, § 3º), assim como estabelece que as políticas públicas devem “promover e garantir condições de acesso” no mercado de trabalho (art. 35). Além disso, prevê como crime punível de dois a quatro anos obstar o “acesso de alguém a qualquer cargo ou emprego público em razão de sua deficiência” (art. 98). 13. É à luz desse quadro que se deve analisar a constitucionalidade das normas impugnadas. Elas promovem alterações no decreto que regulamenta a política afirmativa de reserva de vagas para “excluir a previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência e estabelecer que os critérios de aprovação dessas provas poderão seguir os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos”. 14. O art. 3º, VI, do Decreto nº 9.546/2018 prevê a possibilidade de o candidato com deficiência utilizar nas provas físicas suas próprias tecnologias assistivas, sem a necessidade de adaptações adicionais. Confira-se, uma vez mais, a sua redação: “Art. 3º Para os fins do disposto neste Decreto, os editais dos concursos públicos e dos processos seletivos de que trata a Lei nº 8.745, de 1993, indicarão: (...) VI – a previsão da possibilidade de uso, nas provas físicas, de tecnologias assistivas que o candidato com deficiência já utilize, sem a necessidade de adaptações adicionais, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência.” 15. Há uma única interpretação constitucionalmente adequada desse dispositivo: ele prevê uma faculdade em favor do candidato com deficiência. Assim, por exemplo, um candidato surdo que usa aparelho auditivo e reputa não ser necessário nenhum tipo de adaptação adicional pode, ele próprio, dispensar, por exemplo, a presença de intérprete de LÍBRAS. O direito à adaptação razoável assegura “as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido” (art. 2º, CDPD). Não se garantem as adaptações irrazoáveis e que não atendam a critérios de proporcionalidade. A intenção, evidentemente, não é admitir a pessoa que não esteja apta ao exercício da função pública. Por outro lado, é preciso eliminar toda a barreira de acesso a cargos públicos àquelas pessoas com deficiência que são aptas ao exercício da função. 16. Essa não parece ter sido a intenção do decreto impugnado, todavia. A ementa fala expressamente em “excluir a previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência”, o que evidentemente viola o bloco de constitucionalidade composto pela Constituição em conjunto com a CDPD. Em razão disso, faz-se necessária a fixação de interpretação no sentido de que o art. 3º, VI, do Decreto nº 9.546/2018 estabelece uma faculdade em favor do candidato com deficiência, que pode fazer uso de suas próprias tecnologias assistivas se assim preferir. É inconstitucional a interpretação que exclua o direito à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos. 17. O art. 4º, § 4º, do Decreto nº 9.546/2018, por sua vez, estabelece que os critérios de aprovação nas provas físicas poderão ser os mesmos para candidatos com e sem deficiência. Confira-se novamente a sua redação: “Art. 4º (...) § 4º Os critérios de aprovação nas provas físicas para os candidatos com deficiência, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência, poderão ser os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos, conforme previsto no edital.” 18. A única leitura constitucionalmente adequada desse dispositivo é aquela de acordo com a qual a pessoa com deficiência somente poderá ser submetida aos mesmos critérios de avaliação física em concursos públicos quando essa exigência for indispensável ao exercício das funções de um cargo público específico, não se aplicando indiscriminadamente a todo e qualquer processo seletivo. 19. O Supremo Tribunal Federal (STF) já enfrentou questões semelhantes. No RE 676.335, afastou-se o entendimento de que os cargos da carreira de policial federal não se coadunam com nenhum tipo de deficiência. De acordo com o precedente, a presunção de que nenhuma das atribuições dos cargos de natureza policial pode ser desempenhada por pessoas com deficiência é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, que lhes garante a destinação de vagas em concurso público, nos termos do art. 37, VII, CF. Na ocasião, também se esclareceu que, a depender do cargo postulado, a deficiência pode se revelar incompatível com o exercício da função pública a ser desempenhada. Nessas hipóteses, a incompatibilidade deve ser avaliada pela Administração Pública seguindo os princípios do concurso público, da legalidade, da igualdade e da impessoalidade. Destaco os seguintes trechos da decisão: “A presunção de que nenhuma das atribuições inerentes aos cargos de natureza policial pode ser desempenhada por pessoas portadoras de uma ou outra necessidade especial é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, marcadamente assecuratório de direitos fundamentais voltados para a concretização da dignidade da pessoa humana. A igualdade, a liberdade e a solidariedade passam, necessariamente, pela tutela de instrumentos jurídicos que permitam o acesso de todos, devidamente habilitados, aos cargos públicos, nos termos postos na Constituição. Também não é possível – e fere frontalmente a Constituição da República – admitir-se, abstrata e aprioristicamente, que qualquer tipo de deficiência impede o exercício das funções inerentes aos cargos postos em concurso. Mas também é certo que os cargos oferecidos pelos concursos ora promovidos pela Polícia Federal não podem ser desempenhados por portadores de limitação física ou psicológica que não disponham das condições necessárias ao pleno desempenho das funções para as quais concorrem. A depender da natureza e da intensidade da limitação apresentada pelo pretenso candidato, poderá haver prejuízo/comprometimento das atividades a serem desempenhadas, próprias do cargo, o que impede possa ele ser admitido ou aprovado na seleção pública. Parece óbvio que o domínio dos sentidos, das funções motoras e intelectuais pelo candidato é fator que o habilita para o cumprimento das atribuições do cargo. Daí a possibilidade de os candidatos portadores de necessidades especiais, que os torne incapacitados para as atividades policiais típicas dos cargos serem excluídos do concurso público. As razões dessa exclusão deverão, todavia, estar pautados pelos princípios do concurso público, da legalidade, da igualdade e da impessoalidade, visando, também, assegurar a eficácia da prestação do serviço público e o interesse social. À Administração Pública, pelos órgãos competentes para avaliar e resolver as questões do concurso, caberá avaliar, seguindo critérios objetivos previstos em lei e reproduzidos no edital do concurso, as limitações físicas ou psicológicas experimentadas pelos portadores de necessidades especiais que efetivamente comprometem o desempenho das atividades inerentes aos cargos a serem preenchidos. Incompatibilidade haverá de ser afirmada a partir do cotejo objetivo e transparente entre as limitações/necessidades especiais dos candidatos e as atribuições de cada qual dos cargos oferecidos. O que a Constituição da República determina é a possibilidade de se ter acesso aos cargos públicos, cujo desempenho não fique comprometido pela limitação do candidato. O que se busca é impedir a discriminação do portador de necessidade especial e a garantia de que, estando apto a desempenhar as funções inerentes ao cargo, não se lhe veda o acesso. Mas também é certo que não se admite possa alguém, impossibilitado de exercer as funções do cargo, ser admitido ou aprovado em concurso em detrimento do interesse público. Fosse esse o caso se teria o interesse particular sobrepondo-se ao interesse público, o que não é admissível. O cargo público – mais ainda em se cuidando daquele que compõe os quadros da Polícia Federal – não pode ser inutilizado ou mal desempenhada por limites do servidor público. Compete à Administração Pública cuidar para que se garanta, em igualdade de condições, a quem queira concorrer aos cargos a plena condição de desempenhar as funções a eles inerentes. 9. Esclareço, ainda, como consta do requerimento da União, que o concurso público tem como requisito fundamental a igualdade de condições entre os participantes, pelo que não seria admissível que se garantissem condições diferenciadas aos concorrentes, sob pena de se desobedecer ao princípio constitucional da isonomia. A demonstração da igual condição do concorrente, em termos de desempenho e possibilidade de cumprir as funções do cargo disputado, é próprio do concurso público, não se distinguindo pela peculiar condição de um ou outro candidato. 10. No caso em exame, como já afirmado na decisão agravada e confirmado no julgamento da Reclamação n. 14.145/DF, os concursos públicos para os cargos de escrivão de Polícia Federal, perito criminal federal, delegado de Polícia Federal e agente de Policia Federal são válidos, devendo neles ser observada a norma constitucional que exige a reserva de vagas para pessoas portadoras de necessidades especiais, que se submeterão ao evento seletivo em igualdade de condições aos demais concorrentes, apenas na cota que lhes seja reservada. Cumpre esclarecer, entretanto, como pleiteado pela União, que a banca examinadora responsável, conforme anunciado acima, respeitando critérios objetivos, poderá declarar a inaptidão de candidatos inscritos e cujas necessidades especiais os impossibilite do exercício das atribuições inerentes ao cargo para qual estiver concorrendo. À luz do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, a depender do cargo e das previsões legais, deverão ser asseguradas condições para que os candidatos portadores de necessidades especiais possam participar das provas e das etapas sugeridas no certame. Assim, as provas, as disciplinas (teóricas e práticas) e o curso de formação deverão guardar pertinência com o cargo para o qual o candidato concorre e a igualdade de oportunidade dos concorrentes, garantindo-se aos que reclamem necessidades especiais sejam-lhes assegurado reserva de vaga, desde que a ela possam aceder pelo atendimento de condições de exercício do cargo posto em concurso, de modo a impedir prejuízos na consecução dos fins buscados pela Administração ao convocar concurso público para provimento de cargos na Polícia Federal.” 20. Por esse motivo, não se deve acolher o argumento da AGU e da PGR, no sentido de que a medida tem por objetivo viabilizar “um nível mínimo de aptidão física, necessário nas seleções para cargos de natureza operacional, como as carreiras policiais, em que o desempenho de atividades físicas é fundamental para a segurança pessoal do servidor público e para o pleno exercício das suas atribuições”. O requerente trouxe aos autos um edital de concurso público para o cargo de perito criminal da carreira de Polícia Civil do Distrito Federal, que ilustra a questão (Doc. 21). Nesse edital, há vagas reservadas para candidatos com deficiência ao cargo de perito nas áreas de ciências biológicas, ciências contábeis, ciência da computação/informática, engenharia, farmácia e bioquímica. Não é razoável negar a adaptação de provas práticas que envolvem testes de flexão em barra ou abdominais, se tais aptidões não são indispensáveis para o regular exercício da função de perito contábil, por exemplo. 21. Nesse sentido, a previsão genérica de submissão de pessoas com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas pode, na prática, resultar em burla à garantia de reserva de vagas prevista no art. 37, VIII, CF. 22. Com efeito, na ADI 5.760, o STF declarou inconstitucional norma que afastava a reserva de vagas no caso de trabalhadores marítimos embarcados. O art. 16-A da Lei nº 7.573/1986, inserido pelo art. 1º da Lei nº 13.194/2015, estabelecia que esses trabalhadores, por serem submetidos às exigências contidas em convenções e acordos internacionais ratificados pelo Brasil relativos às condições físicas, médicas e psicológicas, não integram a soma dos trabalhadores das empresas de navegação que devem cumprir os percentuais reservados às pessoas com deficiência pelo art. 93 da Lei nº 8.213/1991. Na ocasião, o Tribunal invocou os termos da CDPD e entendeu que “a deficiência física, por si só, não incapacita generalizadamente o trabalhador para o desempenho de atividades laborais em embarcações, não existindo exigência legal ou convencional de plena capacidade física para toda e qualquer atividade marítima. A eventual incompatibilidade entre determinadas atividades e certas limitações físicas não justifica a exclusão do trabalho marítimo do alcance da política pública de inclusão social das pessoas com deficiência”. Confira-se a ementa do precedente: “Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTUTUCIONALIDADE. ART. 16-A DA LEI 7.573/1986, INSERIDO PELO ART. 1º DA LEI 13.194/2015. CONVENÇÃO DE NOVA YORK. EXCLUSÃO DOS TRABALHADORES MARÍTIMOS EMBARCADOS DO CÁLCULO PARA APURAÇÃO DAS VAGAS RESERVADAS A PESSOAS COM DEFECIÊNCIA (ART. 93 DA LEI 8.213/1991) EM EMPRESAS DE NAVEGAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL OU CONVENCIONAL AO TRABALHO DE PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA EM EMBARCAÇÕES. PROTEÇÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. ISONOMIA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. 1. A Convenção de Nova York, a qual tratou dos direitos das pessoas com deficiência, foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro como norma constitucional (Decreto 6.946/2009), nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição Federal. 2. A deficiência física, por si só, não incapacita generalizadamente o trabalhador para o desempenho de atividades laborais em embarcações, não existindo exigência legal ou convencional de plena capacidade física para toda e qualquer atividade marítima. A eventual incompatibilidade entre determinadas atividades e certas limitações físicas não justifica a exclusão do trabalho marítimo do alcance da política pública de inclusão social das pessoas com deficiência. 3. A exclusão de postos de trabalho marítimo embarcado do cálculo destinado a apurar o número de vagas destinadas aos deficientes (art. 93 da Lei 8.213/1991)é desprovido de razoabilidade e desproporcionalidade, caracterizando-se como diferenciação normativa discriminatória. 4. A previsão dificulta arbitrariamente o acesso de pessoas com deficiência ao trabalho nas empresas de navegação, pois diminui a disponibilidade de vagas de trabalho para pessoas com deficiência. 5. Ação Direta julgada procedente.” (ADI 5760, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno) 23. Diante de todo o exposto, defiro o pedido cautelar para, ad referendum do Plenário (RI/STF, art. 21, V), fixar interpretação conforme a Constituição dos dispositivos impugnados na redação conferida pelo Decreto nº 9.546/2018, no sentido de que: (i) o art. 3º, VI, do Decreto nº 9.508/2018, que prevê a possibilidade de o candidato com deficiência utilizar, nas provas físicas, suas próprias tecnologias assistivas sem a necessidade de adaptações adicionais, estabelece uma faculdade em benefício do candidato com deficiência. É inconstitucional a interpretação que exclua o direito desses candidatos à adaptação razoável; (ii) o art. 4º, § 4º, do Decreto nº 9.508/2018, que estabelece que os critérios de aprovação nas provas físicas poderão ser os mesmos para candidatos com e sem deficiência somente é aplicável somente às hipóteses em que essa exigência for indispensável ao exercício das funções próprias de um cargo público específico. É inconstitucional a interpretação que submeta de forma genérica candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios avaliativos nas provas físicas, sem a demonstração da sua necessidade para o exercício da função pública. 24. Em conclusão, proponho as seguintes teses de julgamento: (i) É inconstitucional a interpretação que exclui o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos e (ii) É inconstitucional a submissão genérica de candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas, sem a demonstração da sua necessidade para o exercício da função pública. Dê-se ciência ao Exmo. Sr. Presidente da República. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 04 de março de 2021. Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO Relator. (STF - ADI: 6476 DF 0096922-19.2020.1.00.0000, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 04/03/2021, Data de Publicação: 08/03/2021).

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