Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência TJES - Limites da curatela. Atos patrimoniais. Obrigação contratual de reserva de parte do benefício

segunda-feira, 20 de setembro de 2021, 15h43

EMENTA APELAÇÃO CÍVEL EM PEDIDO DE INTERDIÇÃO. LIMITES DA CURATELA. ATOS PATRIMONIAIS E/OU NEGOCIAIS. OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DE RESERVA DE PARTE DO BENEFÍCIO DO APELANTE. RECURSO PROVIDO. 1 Considerando que a dignidade de pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CRFB), tem-se que a curatela visa, não apenas resguardar os bens do incapaz, mas, também, o próprio indivíduo como ser humano que merece proteção. 2 A curatela deve se limitar aos atos relacionados aos direitos patrimoniais e negociais (artigo 85, da Lei n.º 13.146/2015). 3 - A obrigação contratual de reserva em conta bancária de titularidade do Apelante de 30% (trinta por cento) do valor de seu benefício deve ser observada. 4 - Recurso provido.(TJES - AC: 00015232520188080032, Relator: Arthur José Neiva de Almeida , Data de Julgamento: 03/02/2020, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/02/2020).

 

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO

GAB. DESEMB - ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA

03 de Fevereiro de 2020

Apelação Cível Nº 0001523-25.2018.8.08.0032

MIMOSO DO SUL - 2ª VARA

Advogado (a) BRUNO DANORATO CRUZ

Advogado (a) RICARDO BENEVENUTI SANTOLINI

APDO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO

RELATOR DES. ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível em razão da sentença de fls. 38-38V por meio da qual o MM Juiz julgou procedente a pretensão deduzida na presente ação, para decretar a interdição de (...)  e nomear a Apelada como Curadora.

O Apelante (fls. 41-45) alega que a sentença não exigiu que a Apelada comprove a destinação mensal do saldo remanescente de 30% do benefício assistencial, na forma do artigo 1753§ 2º, do Código Civil.

Afirma que a conclusão genérica pela curatela abrangendo todos os atos da vida civil não resguardou o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto, desrespeitando aspectos pessoais e íntimos de sua vida.

O Ministério Público Estadual (fls. 46-49) apresentou contrarrazões requerendo o desprovimento do recurso.

Parecer da douta Procuradoria de Justiça (fls. 55-57v) opinando pelo parcial provimento do recurso.

A Associação de Apoio Terapêutico Reviver apresentou contrarrazões (fls. 67-63v) alegando (1) a desnecessidade de reserva em conta bancária de titularidade do Apelante e (2) a necessidade de reconhecimento da incapacidade total do Apelante.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Vitória (ES), 19 de dezembro de 2019.

DESEMBARGADOR ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA

RELATOR

VOTO

Trata-se de Apelação Cível em razão da sentença de fls. 38-38V por meio da qual o MM Juiz julgou procedente a pretensão deduzida na presente ação, para decretar a interdição de (...) e nomear a Apelada como Curadora.

O Apelado ajuizou a presente Ação de Interdição c/c Curatela Provisória em desfavor do Apelado.

O MM Juiz julgou procedente a pretensão deduzida decretando a interdição do Apelante e atribuindo sua curatela à Apelada.

Seguiu-se o presente recurso no qual o Apelante (fls. 41-45) alega que a sentença não exigiu que a Apelada comprove a destinação mensal do saldo remanescente de 30% do benefício assistencial, na forma do artigo 1753§ 2º, do Código Civil.

Afirma que a conclusão genérica pela curatela abrangendo todos os atos da vida civil não resguardou o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto, desrespeitando aspectos pessoais e íntimos de sua vida.

Considerando que a dignidade de pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. IIICRFB), tem-se que a curatela visa, não apenas resguardar os bens do incapaz, mas, também, o próprio indivíduo como ser humano que merece proteção.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº. 13.146/2015), que teve por base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (status de emenda constitucional - art. § 3ºCF/88) alterou substancialmente o instituo da curatela, estabelecendo que:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

[...]

§ 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

§ 4º Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano.

Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

§ 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

O Código de Processo Civil assim dispõe:

Art. 755. Na sentença que decretar a interdição, o juiz:

I - nomeará curador, que poderá ser o requerente da interdição, e fixará os limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do interdito;

II - considerará as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências.

Assim, o interditando deve ser visto como sujeito de direitos a serem tutelados por meio da interdição, devendo se atentar para suas particularidades, percepções e vontades.

No caso em análise, como ressaltado pela Procuradoria de Justiça, embora se esteja diante de caso de interdição:

[…] mostra-se absolutamente inadequada a sentença de piso quando se limita a afirmar que “a curatela deverá ser exercida no

que se refere a todos os atos da vida civil”

[…]

Desse modo, deve ser levado em consideração tão somente a resposta n.º 2 do Laudo Pericial de fl. 32, estabelecendo a curatela para todos os atos patrimoniais e negociais de interesse do interditando, respeitando, assim os limites estabelecidos no artigo 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência

[…]

Tal medida é imperativa até mesmo porque a curatela não fora acometida a um familiar próximo do interditando ou mesmo outra pessoa física, mas uma pessoa jurídica de direito privado (Associação de Apoio Terapêutico REVIVER), o que faz com que seja necessária especial cautela na aferição dos limites da representação.

Desse modo, a sentença deve ser reformada no que se refere aos limites da curatela, para restringi-la a todos os atos patrimoniais e/ou negociais. Neste sentido:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - INTERDIÇÃO - PESSOA IDOSA ENFERMA - CURATELA PARA TODOS OS ATOS DA VIDA CIVIL - NÃO CABIMENTO -ESPECIFICIDADES DO CASO CONCRETO-LIMITAÇÃO

OS DIREITOS DE NATUREZA PATRIMONIAL E NEGOCIAL - RECURSO PROVIDO. 1. A curatela deve se limitar às necessidades da pessoa com deficiência, permitindo o maior exercício possível de sua autonomia, o que impõe a fixação dos limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do idoso, considerando suas características pessoais, potencialidades, habilidades, vontades e preferências. 2. Se o conjunto probatório não evidencia ser o interditado incapaz para a prática de todos os atos da vida civil, deve ser mantida a sua independência no tocante aos atos relativos aos direitos existenciais. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.18.080340-5/001, Relator (a): Des.(a) Edilson Olímpio Fernandes , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/09/2018, publicação da sumula em 24/09/2018)

contas da destinação mensal do saldo remanescente de 30% do benefício assistencial, razão assiste ao Apelante, devidamente representado pela Defensoria Pública Estadual.

A Apelada, em contrarrazões, afirma a desnecessidade de reserva em conta bancária de titularidade do Apelante de 30% (trinta por cento) do valor de seu benefício, sob o fundamento de que a legislação não estabelece a necessidade de tal reserva.

Ocorre que a obrigação está prevista na cláusula 4 do contrato (fls. 10-14) apresentado pela Apelada na petição inicial, in verbis:

Cláusula 4ª – O contratante deverá contribuir mensalmente para o custeio da entidade com valor de 70% (setenta por cento) de seu benefício recebido.

I – O contratante deverá fornecer todas as informações necessárias ao saque ou realizar diretamente o pagamento do valor acima em favor da contratada;

II – O saldo do benefício do contratante, não poderá ser inferior a 30% do valor líquido recebido, e deverá ser entregue diretamente ao contratante ou representante legal, ou depositado em conta específica de sua titularidade, com a entrega do referido comprovante de depósito ao CONTRATANTE, sendo assegurado a este o uso que melhor lhe aprouver (fl. 12)

Assim, a obrigação contratual assumida pelas partes deve ser respeitada, ao menos até que a mesma seja alterada.

Registra-se que a obrigação de prestar contas decorre de lei, mesmo que não tenha constado expressamente na sentença.

Desse modo, as razões recursais são suficientes para justificar a reforma da sentença recorrida.

DO EXPOSTO , dou provimento ao Recurso de Apelação para restringir os limites da curatela para todos os atos patrimoniais e/ou negociais, bem como reconhecer que a obrigação contratual de reserva em conta bancária de titularidade do Apelante de 30% (trinta por cento) do valor de seu benefício deve ser observada.

É como voto.

O SR. DESEMBARGADOR MANOEL ALVES RABELO

Voto no mesmo sentido

O SR. DESEMBARGADOR ROBSON LUIZ ALBANEZ

Voto no mesmo sentido

CONCLUSÃO: ACORDA O (A) EGREGIO (A) QUARTA CÂMARA CÍVEL NA

CONFORMIDADE DA ATA E NOTAS TAQUIGRÁFICAS DA SESSÃO, QUE

INTEGRAM ESTE JULGADO, À unanimidade: Conhecido o recurso de PAULO MEDINA VIANA e provido. .

 

Detalhes da Jurisprudência

Processo

AC 0001523-25.2018.8.08.0032

Órgão Julgador

QUARTA CÂMARA CÍVEL

Publicação

11/02/2020

Julgamento

3 de Fevereiro de 2020

Relator

ARTHUR JOSÉ NEIVA DE ALMEIDA

 


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