Lei estadual pode obrigar as empresas do setor têxtil a colocarem etiquetas em braile nas peças de vestuário que produzirem?
sexta-feira, 25 de agosto de 2023, 14h23
sexta-feira, 25 de agosto de 2023
O caso concreto foi o seguinte:
No Piauí, foi editada a Lei nº 7.465/2021, que obriga as empresas do setor têxtil a colocarem etiquetas em braile nas peças de vestuário com o objetivo de atender as pessoas com deficiência visual
Confira a redação da Lei, no que importa:
Art. 1º Ficam as empresas do setor têxtil obrigadas a identificarem as peças de vestuário pelas mesmas produzidas com etiquetas em braile ou outro meio acessível que atenda as pessoas com deficiência visual.
§ 1º As etiquetas de que trata o caput deste artigo deverão conter, no mínimo, informações quanto a cor e tamanho da peça.
§ 2º Fica vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza pelas empresas do setor têxtil para o cumprimento do disposto nesta Lei.
Art. 2º O descumprimento ao que dispõe a presente Lei acarretará na aplicação de multa no valor de 2.000 (dois mil) UFIR's-PI (Unidade Fiscal de Referência do Estado do Piauí) (...)
ADI
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou ADI contra essa lei.
Defendeu que a norma geraria insegurança jurídica considerando que fala em “empresas do setor têxtil”, sem definir claramente quem está abrangido pela expressão.
Sob o prisma formal, a autora alegou que a lei afrontou a competência privativa da União para legislar sobre o comércio interestadual e exterior, já que, dependendo da interpretação da norma, limitou a participação competitiva das indústrias têxteis do Estado do Piauí no mercado nacional de vestuários ou impôs alteração do processo produtivo às indústrias sediadas em outros Estados da Federação e em outros países que queiram comercializar seus produtos no Estado do Piauí.
Argumentou, ainda, que a previsão violou os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa.
O STF concordou com os argumentos da autora? Essa Lei é inconstitucional?
NÃO.
Os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa possuem natureza instrumental. Isso significa que são meios para a consecução de outros objetivos.
A lei editada está em harmonia com:
• os objetivos fundamentais da República (art. 3º, I, III e IV, CF/88);
• a garantia da existência digna de todos, conforme os ditames da justiça social (art. 170, caput, CF/88); e
• a promoção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), especialmente das pessoas com deficiência.
Confira os dispositivos constitucionais:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(...)
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
Logo, a lei é materialmente constitucional.
Também não há inconstitucionalidade sob o ponto de vista formal.
A competência para legislar sobre comércio interestadual e exterior possui natureza genérica, o que permite que os entes federados, dentro das respectivas esferas, legislem de forma específica e conforme o contexto local.
Na espécie, a norma estadual impugnada está relacionada com a competência concorrente para legislar sobre produção e consumo (art. 24, V, CF/88) e sobre proteção e integração social das pessoas com deficiência (art. 24, XIV, CF/88):
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
V - produção e consumo;
(...)
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
Em suma:
Essa lei não viola os princípios da livre iniciativa (arts. 1º, IV; e 170, “caput”), da livre concorrência (art. 170, IV), da propriedade privada (art. 170, II) e da isonomia (arts. 5º, “caput”; e 19, III).
A norma também não invade a competência privativa da União para legislar sobre comércio interestadual (art. 22, VIII).
STF. Plenário. ADI 6.989/PI, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 19/6/2023 (Info 1099).
Vale ressaltar, no entanto, que os efeitos da referida norma devem se exaurir nos limites territoriais do Estado do Piauí, sob pena de afetar, de forma inconstitucional, o mercado interestadual.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para declarar a nulidade parcial sem redução de texto da Lei nº 7.465/2021 do Estado do Piauí, a fim de excluir do seu âmbito de aplicabilidade a indústria têxtil não sediada no referido ente federado.
FONTE: www.dizerodireito.com.br