Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência TJMG - Curatela. Limites. Não restrições aos atos patrimoniais e negociais. Dignidade da pessoa humana

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021, 16h56

EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DE INTERDIÇÃO/CURATELA - DEMONSTRAÇÃO DA INCAPACIDADE DO CURATELADO - LIMITES - CASO CONCRETO - NÃO RESTRIÇÃO AOS ATOS PATRIMONIAIS E NEGOCIAIS - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Em certas e determinadas situações concretas, a limitação da curatela mostrar-se-á insuficiente e gravosa à proteção que se pretende; em verdadeira ofensa ao princípio maior da Dignidade da Pessoa Humana; devendo ser, portanto, estendida a abrangência da curatela. (TJMG - AC: 10000205305089001 MG, Relator: Geraldo Augusto, Data de Julgamento: 26/01/2021, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/01/2021).

 

Segue abaixo colacionado inteiro teor do acórdão:

 

EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DE INTERDIÇÃO/CURATELA - DEMONSTRAÇÃO DA INCAPACIDADE DO CURATELADO - LIMITES - CASO CONCRETO - NÃO RESTRIÇÃO AOS ATOS PATRIMONIAIS E NEGOCIAIS - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Em certas e determinadas situações concretas, a limitação da curatela mostrar-se-á insuficiente e gravosa à proteção que se pretende; em verdadeira ofensa ao princípio maior da Dignidade da Pessoa Humana; devendo ser, portanto, estendida a abrangência da curatela.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.20.530508-9/001 - COMARCA DE UBERLÂNDIA

APELANTE (S): (...) ASSISTIDO (A)(S) PELO (A)(S) DEFENSORIA PÚBLICA -

APELADO (A)(S):

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. GERALDO AUGUSTO

RELATOR.





DES. GERALDO AUGUSTO (RELATOR)



V O T O

Trata-se de apelação interposta em face da sentença que, nos autos da ação de Interdição, julgou procedente o pedido inicial, decretando a interdição de J.C. de S.P., declarando-o incapaz de exercer pessoalmente todos os atos da vida civil, e nomeando como curadora sua filha, M.A. de S.P.; e, julgando extinto o processo nos termos do art. 487I do Código de Processo Civil.



Irresignada recorre a Defensoria Pública de Minas Gerais, em exercício do seu "munus" de curadoria especial, pretendendo a reforma da sentença, ao argumento, em resumo, que, a sentença deve ser reformada no capítulo em que se impôs a curatela para todos os atos da vida civil; que não há que se falar em incapacidade absoluta no caso em tela; que, pela atual legislação, apenas em casos excepcionais, em que as circunstâncias específicas do caso exijam, ainda é permitida a nomeação de curador para o deficiente; que, havendo constatação de que no caso concreto é efetivamente necessária a proteção extraordinária, ao deficiente poderá ser nomeado um curador, o qual, todavia, só atuará nos atos relativos às questões patrimoniais e negociais, mantida a capacidade e a autonomia do curatelado para os demais atos da vida civil.



Não foram apresentadas Contrarrazões.



Parecer da d. Procuradoria de Justiça, em resumo, pelo desprovimento do recurso.



É o relatório.



Examina-se o recurso.



Conhece-se do recurso, presentes os requisitos à sua admissibilidade.



A ação de interdição, tratada pelo Código de Processo Civil, nos arts. 747 e seguintes, tem por escopo a proteção da pessoa e dos bens do próprio interditando que, em razão de provisória ou plena incapacidade, se torna incapacitado para os atos da vida civil.



No caso em comento, conforme acima relatado, foi decretada a interdição e curatela de J.C. de S.P., que, conforme a perícia médica realizada, é portador de Demência (Alzheimer) (ff.59/60 - documento único); sendo-lhe nomeado curadora a sua filha M.A. de S.P., requerente.



Do laudo pericial extrai-se que o interditando é totalmente incapaz de gerir sua pessoa e seus bens; que essa doença afeta totalmente a sua capacidade cognitiva; que sua doença lhe causa incapacidade; que essa doença é de caráter permanente; que o paciente não tem condições de reger seu patrimônio e negócios; que o paciente não tem condições de discernir ou entender sobre situações da vida cotidiana; que o paciente não consegue emitir vontade de forma consciente; que o paciente não compreende as consequências civis ou criminais dos seus atos; que há necessidade de que terceira pessoa exerça a representação do paciente para questões relacionadas à vida e à proteção dos seus interesses; que o paciente não tem condições de tomar decisão por si, compreendendo o seu caráter e consequências; que o paciente não compreende "o caráter, a natureza, as implicações e consequências do ato de casa, constituir união estável, exercer direitos sexuais e reprodutivos, de ter filhos, de conservar sua fertilidade, de votar, de se candidatar a cargo eletivo"; que o paciente não reserva capacidade alguma de auto-gestão e condições de exercer os seus direitos.



Nesse diapasão é importante destacar que o denominado Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa portadora de necessidades especiais, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida, inclusão social e cidadania, promoveu uma profunda mudança no sistema das incapacidades.



Deste modo, no que tange especificamente à curatela, assim dispõe:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1o Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.

§ 2o É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

§ 3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.

(...)

Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. (g.n.)

Assim, em regra, a curatela apenas se limitará, repisa-se, aos atos referentes aos aspectos de natureza patrimonial e negocial.



Entretanto, há que se considerar que a interpretação destes dispositivos legais deve ser feita levando-se em consideração todo o ordenamento jurídico em que se insere. Deste modo, é de inarredável conclusão que, em certas e determinadas situações concretas, a limitação da curatela mostrar-se-á insuficiente e gravosa à proteção que se pretende; em verdadeira ofensa ao princípio maior da Dignidade da Pessoa Humana.



Ainda, destaca-se o art. 775, I do CPC:

Art. 755. Na sentença que decretar a interdição, o juiz:

I - nomeará curador, que poderá ser o requerente da interdição, e fixará os limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do interdito; (g.n.)

Assim, razão não assiste à apelante ao requerer a limitação/ redução do alcance da curatela.



Com efeito, da análise detida dos autos, restou evidente a incapacidade da curatelada de praticar/ exercer todos os atos da vida civil, como bem asseverado pelo d. Procurador de Justiça:

"em que pese a supressão da incapacidade absoluta com o advento da Lei nº. 13.146, verifica-se que o quadro apresentado pelo curatelando não pode se limitar aos atos patrimoniais e negociais, e outrossim, considerando a natureza protetiva da curatela, é cabível sua ampliação para além dos atos elencados no art. 85 do estatuto, ainda mais considerando o disposto no art. 755I do CPC, que estabelece que o juiz, ao decretar a interdição, deverá fixar os limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do curatelado." (f.133 - d.ú.)

Portanto, ante o vasto conjunto probatório no sentido de que o curatelado não possui condições mentais para gerir sua vida civil, em atenção ao caso concreto e específico, mostra-se irretocável a d. sentença.



Com tais razões, NEGA-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO, nos termos acima.



DES. EDGARD PENNA AMORIM - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. ARMANDO FREIRE - De acordo com o (a) Relator (a).



SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."


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