Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Expor filhos nas redes sociais pode ter implicações jurídicas; entenda

terça-feira, 15 de julho de 2025, 16h32

A exposição da rotina dos filhos nas redes sociais tem se tornado cada vez mais comum entre influenciadores e celebridades. Nomes como Viih Tube e Virginia Fonseca acumulam milhões de visualizações ao mostrar momentos íntimos da maternidade, desde o nascimento até o dia a dia das crianças. Para essas criadoras de conteúdo, o compartilhamento constante faz parte da construção de suas marcas pessoais e do engajamento com o público.

 

Essa discussão ganhou força com a popularização da prática denominada sharenting, termo que une as palavras share (compartilhar) e parenting (parentalidade), e descreve a prática de pais ou responsáveis que divulgam repetidamente imagens, vídeos e informações da vida dos filhos nas redes sociais - muitas vezes desde o nascimento e, em alguns casos, com finalidade comercial.

 

O fenômeno tem sido cada vez mais debatido também no Judiciário. Tribunais do país têm solicitado a retirada de fotos com base na prática do sharenting. Em decisão inédita no TJ/AC, a juíza de Direito Maha Manasfi, da 3ª vara da Família de Rio Branco/AC, proibiu os pais de divulgarem imagens do filho de forma excessiva nas redes sociais. Já o TJ/SP reconheceu casos de responsabilidade civil decorrentes da superexposição infantil, com decisões que determinam indenização por danos à personalidade, conforme artigo publicado pela USP.

 

 (Imagem: Arte Migalhas)

 

Exposição de crianças nas redes sociais já preocupa tribunais e especialistas.(Imagem: Arte Migalhas)

 


Liberdade dos pais x privacidade dos filhos

 

Para a doutora em Direito e professora da UFMA - Universidade Federal do Maranhão Bruna Barbieri Waquim, é fundamental compreender que pais e mães são titulares do chamado "poder familiar" - um conjunto de deveres e direitos voltados ao cuidado e à responsabilidade legal sobre os filhos -, mas que esse poder deve ser entendido muito mais como responsabilidade do que como autoridade.

 

"Pais e mães não são titulares dos direitos de personalidade dos seus filhos, e sim responsáveis pelo cuidado e boa gestão desses direitos, como o direito à vida, à imagem, à privacidade, à intimidade."

 

A especialista aponta que a atual era é marcada por uma autoexposição sem precedentes nas redes sociais, o que tem gerado riscos reais à infância.

 

"Por vezes, a liberdade de expressão dos pais acaba invadindo a esfera da privacidade e imagem dos filhos, pois falta a muitos pais o bom senso e a noção de responsabilidade sobre a postagem sobre suas crianças e seus adolescentes."

 

Bruna destaca que esse cenário se agrava diante da monetização gerada pelo conteúdo publicado na internet.

 

"São crianças e adolescentes que crescem sob holofotes e se tornam pessoas públicas sem nem terem escolhido viver as pressões e as angústias dessa vida, e sem sequer possuírem a maturidade necessária para enfrentar os problemas daí decorrentes."

 

Judiciário x sharenting

 

Em 2023, a Safernet, ONG que promove e defende os direitos humanos na internet, recebeu 71.867 novas denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infantil online. O número é o recorde absoluto de denúncias novas (não repetidas) desse tipo de crime que a organização recebeu ao longo de 18 anos de funcionamento da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos.

 

Diante desse quadro, a especialista ressalta a importância da atuação do Judiciário na proteção das crianças. Segundo Bruna, pais podem ser responsabilizados civilmente pelos danos morais causados aos filhos em decorrência de publicações constrangedoras ou vexatórias.

 

De acordo com Bruna, tanto a Constituição Federal quanto o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente determinam que a proteção da infância contra negligência, opressão e violência é responsabilidade da família, do Estado e da sociedade, cabendo à família o papel central na preservação da imagem, honra, privacidade e intimidade dos filhos.

 

"A família tem um lugar de destaque na promoção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente."

 

Bruna explica que o ECA garante o direito ao respeito e à dignidade (art. 15), incluindo a proteção da integridade física, psíquica e moral (art. 17), e permite que a criança ou adolescente tenha curador especial para defender seus interesses contra familiares em casos de exposição vexatória.

 

"O artigo 142, parágrafo único, assegura à criança o acesso à Justiça mesmo contra os próprios responsáveis."

 

Segundo a especialista, o Código Civil, pelo art. 187, considera abuso de direito o excesso cometido na liberdade de expressão, o que pode configurar ato ilícito sujeito à responsabilização judicial.

 

"O uso da imagem da criança sem respeito ao seu melhor interesse pode ser entendido como uma violação passível de reparação."

 

Mesmo que não o faça durante a menoridade, Bruna destaca que a ação de indenização poderá ser proposta após os 18 anos.

 

"Segundo o art. 198, I, do Código Civil, o prazo prescricional de três anos só começa a correr a partir da maioridade civil."

 

Em situações mais extremas, a especialista observa que é possível até a responsabilização penal com base no art. 232 do ECA.

 

"Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade a vexame ou constrangimento é conduta tipificada penalmente, com pena prevista de detenção de seis meses a dois anos."

 

Glamourização x trabalho infantil

 

Segundo Bruna, ainda há um grande vácuo legal e ético entre a glamourização da exposição de crianças e adolescentes em redes sociais monetizadas e a legislação que trata do trabalho infantil.

 

Ela observa que não existem estudos conclusivos sobre qual nível de exposição seria seguro, o que torna essencial adotar a cautela. "Na dúvida, o ideal é evitar a exposição em perfis públicos", orienta.

 

Diante dessa lacuna normativa e dos riscos envolvidos, Bruna defende que a conscientização é o caminho mais eficaz para enfrentar essa forma de abuso. Segundo ela, a educação para a Parentalidade Positiva, como prevê a lei Federal 14.826/24, é essencial para orientar pais e cuidadores.

 

"Pais e mães precisam ser melhor esclarecidos sobre os limites entre sua autoridade e a dignidade da pessoa dos seus filhos, e a filosofia da Parentalidade Positiva e as ações de educação parental buscam justamente isso: fornecer orientações seguras, éticas e responsáveis sobre o melhor cuidado físico e emocional de nossas crianças e adolescentes."

 

 

Fonte: Migalhas.


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