Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Desconsideração da confissão criminal na dosimetria da pena por má-fé do réu

quarta-feira, 21 de agosto de 2024, 13h55

No âmbito do Direito Penal, a confissão do réu é um elemento que pode influenciar significativamente a dosimetria da pena. Em recente julgamento do Tribunal do Júri de Curitiba, o juiz não aplicou a atenuante da confissão do réu na dosimetria da pena em razão da má-fé, identificada nas declarações do réu em seu interrogatório na sessão de julgamento.

 

O processo tratava de um acidente de trânsito fatal ocorrido em 2020, em que um motorista embriagado, em excesso de velocidade e desrespeitando o sinal vermelho, colidiu com uma motocicleta, resultando na morte instantânea do piloto. A tragédia, que ceifou uma vida de forma abrupta e violenta, gerou comoção e um processo criminal subsequente

 

Durante o julgamento, realizado em 18 de julho de 2024, no Tribunal do Júri de Curitiba, o réu, que estava sendo julgado por homicídio com dolo eventual, cuja pena varia de 6 a 20 anos de reclusão, apresentou pela primeira vez uma nova versão dos fatos. Ele afirmou que, momentos antes de atingir a motocicleta, teria sido abordado por duas pessoas em uma moto, que bateram em seu vidro, o que o teria assustado e levado a acelerar o veículo sem observar o sinal vermelho.

 

Essa versão, entretanto, nunca havia sido mencionada nos quatro anos de tramitação do processo. Com isso, a confissão do réu foi acompanhada de um argumento inédito e contrário às provas produzidas nos autos, tendo por objetivo justificar aos jurados a sua conduta delitiva e levá-los a conclusões contrárias às provas carreadas nos autos.

 

Condições da atenuante

 

A confissão é uma circunstância atenuante na dosimetria da pena, conforme disposto no artigo 65, III, “d” do Código Penal Brasileiro, que deve ser considerada na segunda fase da dosimetria da pena, quando são analisadas as circunstâncias atenuantes e agravantes. Na prática, a confissão pode resultar na redução da pena aplicada ao réu, já que demonstra arrependimento e disposição para colaborar com a justiça.

 

A Súmula 545 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que “quando a confissão é utilizada para a formação do convencimento do julgador, a atenuante deve ser reconhecida, ainda que a confissão seja parcial e qualificada”. O destaque da utilização da confissão na formação da convicção do julgador – jurados, neste caso – dá-se porque este é o elemento que determina a aplicação (ou não) da atenuante da confissão para a redução da pena.

 

 

Assim, tem-se que a aplicação do benefício da confissão para a redução da pena não é um critério absoluto, sendo imprescindível a análise da adequação dos termos da confissão aos elementos probatórios.

 

Entendimento do júri

 

Ao fazer tal análise, o juízo justificou suas razões para afastar a atenuante da confissão:

 

“Em seu depoimento, diversamente das provas colacionadas, o réu trouxe uma informação nova quando respondeu que, na noite do ocorrido, estava estudando e saiu com uma conhecida para comer um lanche no município de São José dos Pinhais (SJP). Pediram um sanduíche e, enquanto o pedido estava sendo feito, confirmou que ingeriram bebida alcoólica. Após deixar a moça em sua residência, seguiu rumo ao seu endereço. Todavia, próximo ao local dos fatos, descreveu que, ao parar em uma das ruas, se deparou com um motociclista com garupa, o qual teria batido no vidro do carro e tentado abrir a porta, mandando-o desligar o veículo. Alegou, então, que acelerou e entrou na via, razão pela qual estava em alta velocidade e ‘se descuidou’, passando o sinal vermelho ao olhar o retrovisor para, supostamente, ver ‘a moto que estava o perseguindo’. Ocorre que, questionado, o acusado informou que não contou sobre essa versão dos fatos em nenhuma oportunidade, seja quando de sua oitiva perante a Autoridade Policial, seja em Juízo, ao argumento de que estava ‘confuso com o choque’. Nesse cenárionão se faz possível verificar a boa-fé e o real intuito de colaborar com os fatos, premissa essa indispensável ao reconhecimento da confissão, pois o argumento apresentado em nada aclarou o ocorrido; pelo contrário, tentou direcionar a convicção dos julgadores com justificativa alheia ao que foi produzido em todo o trâmite processual, na tentativa de justificar – se justificável – sua conduta. Desse modo, não se aplica a atenuante da confissão.”

 

Considerações finais

 

A decisão do Tribunal do Júri de Curitiba, ao desconsiderar a confissão do réu na dosimetria da pena, revela a importância da análise crítica das circunstâncias que envolvem a confissão no processo penal. Embora a confissão seja, em regra, uma circunstância atenuante, o seu reconhecimento exige que ela seja espontânea, verdadeira e em consonância com os elementos probatórios.

 

A tentativa de introduzir um argumento inédito com o objetivo de justificar sua conduta delitiva perante os jurados, após quatro anos de tramitação processual sem mencionar tal versão, demonstrou uma clara intenção de desviar a convicção dos julgadores, comprometendo a veracidade e a sinceridade da confissão.

 

Portanto, a decisão de desconsiderar a confissão, em razão da má-fé do réu, reafirma que a atenuante contida no art. 65, III, “d” do Código Penal não é absoluta, mas está condicionada à verossimilhança da confissão com as evidências constantes dos autos.

 

 

Fonte: Conjur

 

 

 


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