Perda da propriedade usada no tráfico deve respeitar boa-fé de terceiros
quinta-feira, 06 de novembro de 2025, 14h42
A análise da perda da propriedade usada no crime de tráfico, autorizada pela Constituição, deve levar em conta as garantias fundamentais de terceiros que, de boa-fé, não estão envolvidos na prática criminosa.
A conclusão é da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu limitar a perda de uma propriedade rural familiar apenas à parte do integrante da família que a utilizou de maneira ilegal.
A posição foi firmada em um caso que chegou a ser julgado pelo colegiado em junho. Na ocasião, a posição foi de que caberia a expropriação total do imóvel em favor da União.
Em setembro, no entanto, a 5ª Turma anulou o acórdão porque o julgamento não havia sido incluído na relação dos processos julgados em mesa, o que impediu a realização de sustentação oral pela defesa.
Escritório do crime
O caso é sobre um sítio que, conforme o Ministério Público do Paraná, foi transformado em “escritório do crime” e serviu para armazenar drogas e para a negociação de 400 quilos de maconha.
A expropriação de bens em favor da União pela prática do crime de tráfico foi determinada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, após julgamento de embargos de terceiros interpostos pela família.
A corte regional concluiu que os proprietários dos imóveis, parentes do réu, não conseguiram comprovar que desconheciam as práticas delitivas ou que não agiram de forma culposa.
Essa posição é condizente com a forma como o Supremo Tribunal Federal tratou o tema em 2016, ao entender que cabe ao proprietário do imóvel comprovar que não teve culpa do ato criminoso ocorrido no local.
O STF entendeu que ao proprietário cabe zelar pelo uso lícito do bem, ainda que não esteja em sua posse direta. A falha na supervisão do local (culpa in vigilando) ou a negligência (culpa in eligendo) não afastam a perda do imóvel.
Direito de terceiros
Relator do recurso especial julgado pelo STJ, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca concluiu que a tese do STF não pode ser automaticamente transposta para todo e qualquer caso.
A análise de sua aplicação deve considerar garantias fundamentais de terceiros não envolvidos com a prática criminosa. Ele defendeu a impossibilidade da expropriação por presunção de culpa de terceiro.
“A perda da propriedade é uma das mais severas sanções civis, motivo pelo qual a interpretação das normas que a determinam deve ser realizada com parcimônia, sempre tendo em mente sua conexão com o direito à moradia e com a dignidade da pessoa humana”, sublinhou.
Considerou-se, também, que a tese do Supremo havia sido firmada em um caso em que a propriedade era usada para plantio de maconha e exclusivamente para o tráfico de drogas.
Imóvel produtivo
No caso do “escritório do crime” paranaense, o sítio é um imóvel produtivo, com exploração de pecuária leiteira. Ele pertence aos pais do réu acusado de tráfico de drogas. O casal se afastou da administração por causa de idade avançada e de problemas de saúde.
Quando os embargos de terceiro foram ajuizados, a mãe já era falecida, e o pai tinha 81 anos. Para o ministro Reynaldo, esse contexto não pode ser desprezado. Não há indicação de que seria necessário se preocupar com o uso do sítio pelos filhos.
O ministro também afastou a perda do imóvel pela esposa, pois o direito não impõe à mulher o dever de evitar a companhia do cônjuge dedicado a atividades criminosas, como já reconheceu o STF. A medida determinada na sentença criminal em favor da União deve ser limitada à meação do bem que pertence ao réu.
“Rememore-se que se trata de propriedade rural produtiva, cujo perdimento integral atingirá meeira e herdeiros inocentes, violando, assim, a princípio da instranscendência da pena. Debate que abrange inúmeros outros valores constitucionais relevantes — proteção do idoso, da saúde, da família — que não podem ser desconsiderados pelo intérprete.”
Fonte:Conjur