MPSP - Segundo dia do Congresso do Júri traz palestra sobre crime organizado
terça-feira, 20 de setembro de 2022, 15h56
Também ocorreram debates sobre tutela de vítimas e direitos humanos
Na manhã desta quinta-feira (15/9), durante o Congresso do Júri - 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil, o promotor de Justiça de Presidente Prudente Lincoln Gakiya relatou sua atuação no combate à organização criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital. Em sua opinião, a facção é a que mais cresceu no mundo.
Gakiya disse que o PCC teve uma fase de autoafirmação, com muitas rebeliões e mortes. "Depois veio a fase social, com a disponibilização de ônibus para familiares visitarem os presos. Hoje, o crime abandonou o sistema carcerário, atuando exclusivamente com tráfico de drogas”, afirmou. Ele também destacou a atual abrangência internacional da organização. “A inteligência do MPSP tem funcionado muito no combate ao crime organizado. A sociedade precisa ter conhecimento sobre o PCC, pois atualmente ela está em oitavo lugar entre as maiores facções criminosas do mundo”.
Segundo o promotor de Justiça Luiz Eduardo de Souza Sant’Anna Pinheiro, do Mato Grosso do Sul, “a capilaridade das organizações criminosas é inimaginável, faz parte do nosso cotidiano, está em todo o Brasil". De acordo com ele, no Estado do Centro-Oeste o crime usa os jovens para o contrabando e o tráfico de drogas. "Também é possível observar que, nas fronteiras do Brasil com o Paraguai e Bolívia, há uma guerra, uma disputa territorial pelo comando do crime, o que é preciso combater com veemência”.
A promotora de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Rio de Janeiro Simone Sibilio do Nascimento debateu sobre novas técnicas de investigação no caso da morte da vereadora Marielle Franco. “O crime teve repercussão e comoção internacionais. Em termos de uso de novas técnicas, o caso Marielle Franco só se compara ao da juíza Patrícia Accioli, morta no Rio de Janeiro em 2011”. Ela disse ainda que a investigação do caso da vereadora possibilitou o encontro fortuito de várias outras organizações criminosas. "Com essa investigação foram instaurados procedimentos investigatórios e desbaratamos as duas maiores milícias do Rio de Janeiro”, disse.
O procurador regional da República Douglas Fischer comentou a proibição da proteção deficiente e a tutela de vítimas e da sociedade. “Soberania não é autorização para qualquer arbitrariedade. O Ministério Público e o Judiciário não podem aceitar qualquer coisa na defesa do direito do réu. Ele tem direito de defesa, mas não o de usar qualquer argumento”.
O promotor de Justiça do Centro de Apoio Operacional Criminal (CAOCrim) do MPSP Rogério Sanches falou da importância da reparação, mas levantou a questão do acolhimento da vítima pelo sistema de Justiça Criminal. "Nunca vamos conseguir aniquilar totalmente a revitimização. Não se fala mais em depoimento sem dano, mas sim com redução de dano. A revitimização precisa ser deixada no espectro mínimo, mas a violência institucional precisa ser combatida veementemente", apontou Sanches ressaltando a relevância de um acesso digno à Justiça para as vítimas.
O debatedor Rafael Kurkowski, promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Sergipe, falou sobre o princípio da proibição da proteção insuficiente e atrelada à tutela de todos, seja a sociedade ou a vítima, trazendo uma reflexão de cunho mais dogmático. "Cientificismo é de que se valem os detratores do Júri, pois o jurado, sendo leigo, seria incapaz de oferecer uma decisão tão fundamentada quanto um juiz togado", opinou Kurkowski. "Temos o Júri, temos que respeitar o Júri, gostemos ou não. Ele é uma forma de o jurisdicionado participar ativa e diretamente da admnistração do Judiciário. "No Júri, é o próprio cidadão que aplica o Direito", explicou, trazendo uma leitura constitucional do dispositivo.
Durante a tarde, a palestra “O dever de proteção judicial na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) e as vítimas de homicídio no Brasil” foi presidida por Ivandil Dantas da Silva, procurador de Justiça do MPSP. Contando com 20 anos de experiência de atuação em Tribunal de Júri, ele abriu os trabalhos citando brevemente alguns desafios da atividade, apontando dificuldades estruturais como ausência de recursos.
A exposição ficou a cargo do promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios Antonio Suxberger. Salientando a importância da pauta dos direitos humanos para a instituição, Suxberger iniciou a palestra expandindo o conceito de direitos humanos. “São processos de luta para estabelecer meios de acesso igualitários a bens materiais ou imateriais". Ao salientar o papel do promotor do Júri, ele definiu o Ministério Público como peça fundamental em uma sociedade tão desigual.
O promotor explicou que a Comissão Interamericana vem publicando informes oferecendo panorama sobre os direitos humanos, com destaque para os números alarmantes de mortes violentas no Brasil, apontando a complexidade do trabalho do Júri e do processo penal no país. “O Brasil tem produzido leis ruins, não inconstitucionais”, disse.
Suxberger também abordou dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quanto à atividade dos Tribunais do Júri no Brasil: um de cada três casos não é resolvido no tempo correto. Outros pontos tratados foram a duração do fluxo do processo e prazos de resposta (o que pode impactar na percepção de impunidade). O membro do Ministério Público comentou também o que chamou de "antipatia" pelo Júri por parte de outros entes estatais: "o Tribunal do Júri é concretização de direitos fundamentais". Ele finalizou dizendo que o debate deveria ser sobre como aprimorar o Tribunal do Júri. "Mas, desafortunadamente, esse debate de hoje é de resistência".
Encerrando os trabalhos, Dantas da Silva endossou a fala de Suxberger. “O promotor do Júri é aquele resistente, aquele que não desiste", concluiu.
FONTE: MPSP