Conjur: Animais também são consumidores, devendo ser garantida a proteção legal em tempos de desastres climáticos
por André Ricardo Colpo Marchesan
segunda-feira, 18 de agosto de 2025, 16h45
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Em tempos de desastres climáticos cada vez mais recorrentes, como as enchentes que assolaram boa parte do Rio Grande do Sul, em 2024, é mais comum que a atenção se volte para os impactos sobre a população humana. No entanto, é essencial acentuar que os animais também podem ser considerados como consumidores e, assim, merecerem proteção legal contra práticas comerciais que coloquem sua saúde em risco.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei nº 8.078/1990, estabelece que todos os produtos colocados no mercado devem atender a padrões mínimos de qualidade e segurança. Isso inclui alimentos destinados a animais, como rações e petiscos, que não podem ser comercializados se estiverem contaminados, deteriorados, vencidos ou comprometidos por eventos como enchentes.
Além disso, o crescimento do mercado pet e o reconhecimento jurídico dos animais domésticos como seres sencientes pelo Código Estadual do Meio Ambiente, com capacidade de sentir dor e sofrimento, tem justificado produção doutrinária no sentido de aplicar o CDC também em sua proteção.
Consumidor padrão ou por equiparação
Os animais não-humanos poderiam, deste modo, “ser caracterizados como consumidores padrão (standard), ou por equiparação (bystander) permitindo a expansão do direito animal para a seara das relações de consumo“. O direito animal, em conjunto com o direito do consumidor, ao vedar práticas cruéis e negligentes, poderia ser utilizado para responsabilizar fornecedores e prestadores de serviços por danos causados aos animais.
Ainda, para alguns doutrinadores animais de estimação “vivem com pessoas; participam das atividades cotidianas e são frequentemente vistos como membros da família com características humanas. Os consumidores em países industrializados estão investindo mais dinheiro e dedicando mais tempo aos seus animais de estimação do que nunca. O animal e o dono podem até ser considerados uma unidade que consome em conjunto“.
Mesmo que não sejam consumidores no sentido estrito da lei para a maioria da doutrina, ainda assim são protegidos indiretamente pelo CDC por meio da relação de consumo estabelecida entre seus tutores e os fornecedores de produtos e serviços voltados a eles.
Produtos afetados pelas enchentes
Por exemplo, nada obstante as proibições expressas (em nível estadual e municipal) da comercialização de produtos destinados ao consumo humano afetados pelas enchentes (não apenas os alimentícios) pelas vigilâncias sanitárias, não se pôde verificar nenhuma normativa de igual força vedando a comercialização de rações, petiscos, ou produtos de higiene para animais .
Sendo explícito, um saco de arroz que tenha ficado submerso, um xampu ou um tubo de pasta de dente que estivessem depositados em ambiente afetado pela enchente, não necessariamente alagados, não poderiam ser comercializados para consumo humano, em que pese seus equivalentes destinados a animais permaneceram livres à mercancia, ainda quando impróprios ao consumo humano .
Significativo que os produtos alimentícios impróprios ao consumo humano, e oficialmente descartados por força desta impropriedade, ainda assim fossem permitidos à produção de rações animais, retornando ao consumo humano pela cupidez de comerciantes, conforme notícia de investigação da Polícia Civil do Rio Grande do Sul.
Em casos de venda dos alimentos afetados por enchentes — seja por contaminação, umidade excessiva ou perda de validade —, estendemos aberta a possibilidade de os tutores eventualmente exigirem reparação por danos materiais e morais, conforme previsto nos artigos 6º e 18 do CDC. A responsabilidade sendo objetiva, ou seja, independente de culpa, exige apenas a comprovação do defeito no produto e do dano causado.
Produtos em condições adequadas de consumo
É dever dos fornecedores garantir que os produtos destinados aos animais estejam em condições adequadas de consumo, mesmo em situações emergenciais. E é papel da sociedade, dos órgãos de defesa do consumidor e do Ministério Público assegurar o respeito a esses direitos, promovendo um mercado mais ético e responsável.
Novamente, se “o dono e o animal compartilham experiências de consumo nas quais interagem com outros atores, como prestadores de serviços”, pode o conceito teórico de co-consumo “ser amplamente aplicado em contextos de consumo guiados pelo objetivo geral de compartilhamento de bem-estar”, o que significa dizer que alimentos, ou itens de higiene destinados a animais de estimação (eventualmente não apenas a estes animais domésticos), justificam o mesmo standard de proteção dispensado aos humanos.
Afinal, proteger os animais como consumidores é também proteger a dignidade e o bem-estar de todos os seres vivos que compartilham conosco os efeitos das tragédias ambientais, valorizando a moderna concepção de Saúde única.
Fonte: Conjur