Migalhas: Os perfis em rede sociais como ativos intangíveis empresariais
quarta-feira, 05 de novembro de 2025, 12h47
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Nos últimos anos, o valor das empresas deixou de estar apenas em bens e estruturas físicas, passando a se concentrar nos chamados "ativos intangíveis", como a marca, a reputação e a presença digital. As páginas em redes sociais são parte desse patrimônio.
Mais do que canais de divulgação, são extensões da identidade empresarial, concentrando público, dados, histórico de relacionamento e até mesmo atuando como canais de vendas. Perder esse espaço e uma conta podem representar um grave dano econômico.
Uma pesquisa recentemente divulgada pelo SEBRAE, constatou que, entre 51 países, o empreendedor brasileiro é o que mais valoriza o uso das redes sociais quando se fala no uso de tecnologias nos negócios para atrair e manter clientes. Esse e os demais dados confirmam o peso que a presença digital tem na consolidação da reputação e no crescimento das marcas.
Uma conta ou um perfil bem consolidado é, de fato, um ativo estratégico. E como todo ativo, ele deve ser protegido, avaliado e, até mesmo, pode ser integrado ao balanço patrimonial.
Na definição de Barbosa e Barbosa:
"Numa economia concorrencial, o bem intangível é uma criação estética, um investimento em imagem, ou uma solução técnica que consiste, em todos os casos, numa oportunidade de haver receita pela exploração de uma atividade empresarial."
O Direito brasileiro ainda não trata expressamente das contas em redes sociais como bens registráveis, mas já oferece instrumentos para sua proteção, especialmente a lei da propriedade industrial (lei 9.279/96) e a lei de direitos autorais (lei 9.610/98). Ambas permitem coibir o uso indevido de marca, identidade visual e conteúdo autoral.
Além disso, a proposta de atualização do CC5 propõe a inclusão de um capítulo sobre "patrimônio digital", que tende a fortalecer a proteção jurídica desses ativos: "Considera-se patrimônio digital o conjunto de ativos intangíveis e imateriais, com conteúdo de valor econômico, pessoal ou cultural, pertencente a pessoa ou entidade, existentes em formato digital.
Parágrafo único. A previsão deste artigo inclui, mas não se limita a dados financeiros, senhas, contas de mídia social, ativos de criptomoedas, tokens não fungíveis ou similares, milhagens aéreas, contas de games ou jogos cibernéticos, conteúdos digitais como fotos, vídeos, textos, ou quaisquer outros ativos digitais, armazenados em ambiente virtual."
Por isso, as empresas precisam tratar suas páginas nas redes sociais com a mesma seriedade que tratam uma marca registrada. Isso envolve planejamento, contratos e governança. O ideal é que a titularidade e as credenciais das páginas estejam sempre formalmente vinculadas à empresa e que eventuais contratos com os operadores das contas, seja por meio de agências ou prestadores de serviço, tragam cláusulas claras sobre as condições e confidencialidade.
Uma situação de risco que pode ser constatada é o uso indevido de marca alheia como nome de usuário em perfil de redes sociais, prática que tem sido reconhecida pelos tribunais como violação de direito marcário e de concorrência leal.
Nesses casos, a jurisprudência vem admitindo que o titular da marca registrada solicite a remoção do perfil ou a cessação do uso do nome, sempre que houver risco de confusão ao consumidor ou aproveitamento indevido da reputação construída pela empresa.
Decisões recentes6 dos tribunais estaduais, como o do Paraná, confirmam que o uso do nome empresarial ou da marca registrada em contas de terceiros configura infração de direito de marca e autoriza a exclusão do conteúdo ou do perfil infrator, com base no Art. 129 da lei de propriedade industrial (uso exclusivo da marca).
Esses exemplos reforçam que as páginas empresariais não apenas se limitam somente a reproduzir a marca, mas constituem ativos autônomos de valor econômico e simbólico, cuja proteção vai além de um registro formal.
Outra questão que também chama a atenção são os riscos de invasão de contas empresariais. Nessas situações, os prejuízos são imediatos: a empresa perde o alcance orgânico construído ao longo do tempo, o engajamento do público e, em muitos casos, fica impedida de se comunicar com seus próprios clientes, interrompendo campanhas, atendimentos e vendas.
Perfis invadidos podem ser usados para aplicar golpes, veicular conteúdo falso ou até pedir transferências em nome da marca, comprometendo a reputação e a confiança do consumidor. Também há o risco de exclusão total. Nessas situações, o dano é praticamente irreparável, pois o algoritmo das plataformas tende a "punir" a conta, e a recuperação da credibilidade junto ao público é lenta e incerta.
Do ponto de vista jurídico, a invasão de conta pode configurar desde uma violação de dados e privacidade, até uma responsabilização civil por dano moral e material. A depender da extensão do prejuízo, a empresa pode buscar reparação contra o invasor (se identificado) e, em certos casos, contra a própria plataforma, quando se tratar, por exemplo, de pedido de remoção de conteúdo indevidamente publicado, pedido de restituição de acesso, ocorrência de falhas de segurança9, ou pela demora injustificada na restituição da titularidade.
A jurisprudência tem reconhecido o dever das redes sociais de adotar medidas preventivas e de restabelecer contas empresariais invadidas de forma ágil, sob pena de responder por danos materiais (lucros cessantes) e morais (dano à imagem).
Assim, proteger juridicamente as páginas empresariais é assegurar a própria continuidade da marca no meio digital. Em uma economia em que a primeira impressão acontece por meio das telas, o descuido com esses ativos representa uma vulnerabilidade patrimonial.
Portanto, para que seja possível a proteção dos ativos intangíveis, se faz necessário que o Direito interprete as normas já existentes e crie dispositivos que se adequem à realidade tecnológica, de forma que possa acompanhar a velocidade das transformações no meio digital.
Fonte: Migalhas