Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Pesquisa pioneira em culturas de cobertura abre portas para agricultura mais sustentável no Brasil

por Redação USP

quinta-feira, 03 de abril de 2025, 18h02

Victória e colegas realizando amostragens de solo para realização de experimentos - Foto: Arquivo pessoal/Victória Souza

 

 

Um experimento realizado por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP em Rio Verde (GO) avaliou a influência das culturas de cobertura na produtividade das lavouras, em detrimento dos modelos convencionais de plantio. Em quatro sistemas alternativos, o cultivo da soja foi seguido tanto por culturas de cobertura — coberturas verdes que cobrem e protegem o solo, como braquiárias ou mix de gramíneas e leguminosas — quanto por culturas comerciais. Constatou-se que o sistema de cobertura aumenta a resiliência e o rendimento das lavouras.

 

O projeto foi conduzido ao longo de cinco anos, com apoio do Instituto Federal Goiano e do Gapes (Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano). Victória Souza, responsável pela pesquisa, é mestre em agronomia e doutoranda pela Esalq. Segundo ela, a saúde do solo é um conceito essencial para compreender a relevância do estudo: ela engloba fatores diversos, como a habilidade de sequestro de carbono, a fertilidade, a porosidade e o nível de erosão do solo regional.

 

Com o avanço do aquecimento global, os climas extremos tornam o solo cada vez mais instável, e a agricultura tropical fica fragilizada.

 

artigo aponta uma solução para adaptar-se a essa instabilidade e, simultaneamente, reduzir danos que já estão acontecendo: as culturas de cobertura maximizam a produtividade do solo sem insumos químicos e enriquecem nutricionalmente a matéria orgânica. Assim, o risco de erosão e escoamento diminui e a retenção de água aumenta, auxiliando as plantas a sobreviver durante secas, pragas e doenças.

 

“A saúde do solo não interfere apenas na sustentabilidade e na mitigação de mudanças climáticas, mas também na habilidade produtiva. Então o agricultor, além de beneficiar o meio ambiente [ao implementar culturas de cobertura], também se auto-beneficia”, aponta Victória.

 

Maurício Cherubin é professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq e vice-diretor do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon/USP). Coordenador do SOHMA (Grupo de Pesquisa em Manejo e Saúde do Solo), Cherubin orientou o trabalho de Victória.

 

Segundo o professor, um solo saudável em larga escala impacta na segurança alimentar de todo o País, fator crucial para a qualidade de vida da população. “Se viajamos do Rio Grande do Sul ao Amazonas, estamos sistematicamente observando uma série de fenômenos climáticos negativos para a agricultura”, reflete Cherubin, e questiona: “como o Brasil pode aumentar a produção nos próximos anos e, ao mesmo tempo, enfrentar um clima cada vez mais adverso?

 

Metodologia e indicadores

 

O trabalho avaliou a saúde do solo por meio de oito indicadores, divididos entre componentes químicos, físicos e biológicos. “Os químicos foram pH, fósforo e potássio, e os biológicos foram a atividade da beta-glicosidase — uma enzima que expressa a atividade biológica do solo — e do carbono”, explica Victória. Os indicadores físicos foram a estabilidade de agregados do solo, a densidade e a capacidade de aeração.

 

Coletar a produtividade durante as cinco safras foi uma etapa central no estudo de campo. A alta variabilidade de rendimento da soja em sistemas tradicionais revelou que o setor agrícola depende de um regime organizado de chuvas e temperaturas — o que ocasiona perdas drásticas em condições adversas.

 

 

Em situações de estresse, os resultados indicam que as plantas de cobertura tornam a produtividade mais constante a longo prazo, aumentando a resiliência da lavoura. “Se o produtor tem uma estabilidade produtiva alta e previsibilidade durante as safras, vai ser um um ganho para todos”, explica Victória. Economicamente, os gastos com efeitos indiretos das altas temperaturas, períodos de estiagem ou de muita chuva são minimizados. O professor destaca que, para efetivar esse processo, o primeiro passo a ser tomado é a sensibilização. “Através de dados científicos, idas em eventos, reuniões e palestras, precisamos evidenciar os fatos: que o clima está mudando e a agricultura é vulnerável”, diz.

 

“Se o produtor não sair da monocultura de soja e milho e introduzir uma diversidade de plantas, ele vai ficar à mercê de um clima cada vez mais castigante”

 

 

Avanços em escala nacional

 

Métodos alternativos de produção agrícola já vêm se consolidando no Brasil há décadas, mas este estudo é inédito ao fornecer dados práticos que comprovam teorias exploradas previamente por agrônomos e ambientalistas. 

 

“Nós completamos 50 anos do sistema plantio direto [estratégia de agricultura conservacionista e sustentável] em 2022”, aponta o professor. “Nos últimos anos, avançamos com sistemas complexos que envolvem o animal e o componente arbóreo, como o sistema de integração lavoura-pecuária-floresta”, continua. “Mas isso não tira nosso dever de olhar para a outra metade da agricultura, que ainda tem margem para melhoria”.

 

“Há 10, 15 anos, praticamente não se via plantas de cobertura no Mato Grosso. […] Hoje, é um dos mercados que mais cresce no País”

 

Segundo Cherubin, há uma sinalização inequívoca de que o governo considera essa iniciativa importante para o Plano Clima — elaborado desde o segundo semestre de 2023 pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) e integrado por representantes de 23 ministérios.  Empresas especializadas em diversas regiões do Brasil têm realizado o papel de fomentar o uso de plantas de cobertura para aprimorar a qualidade das lavouras.

 

“Eu participei de uma reunião no Ministério da Agricultura e Pecuária, onde discutimos a introdução de um mecanismo financeiro para subsidiar a compra dessas sementes pelo produtor no Plano Safra do País”, comenta o professor. Ambos os planos são agendas concomitantes e centrais para o mercado de créditos de Carbono.

 

Perspectivas para o futuro

 

Atualmente, o experimento está sendo reproduzido em diversos locais do Brasil. “Goiás foi um pioneiro e por isso tem um protagonismo importante, mas estamos trabalhando com dados em Tocantins, no Paraná, no Mato Grosso e na Bahia”, explica o professor. “Fora do Brasil, o CCARBON tem colaborações com colegas da África e da Ásia, para entender a região [do hemisfério sul] mais vulnerável à mudança climática”.

 

A faixa tropical global possui o maior nível de degradação de solo e, simultaneamente, as populações com maior índice de crescimento, por isso esses projetos são essenciais. Ele pontua que em países como Paquistão, Nigéria, Bangladesh, Índia e China, a demanda por alimento aumenta todo ano.

 

A doutoranda está dando continuidade à pesquisa durante intercâmbio em Hampstead, na Inglaterra. “É o centro de pesquisa mais antigo do mundo, e aqui também estou desenvolvendo modelagens de carbono”, salienta Victória. O dióxido de carbono é o grande responsável pelas mudanças climáticas pois está em excesso na atmosfera. Por outro lado, o solo é o maior reservatório de carbono terrestre que existe, e as plantas são o elo para capturá-lo.

 

 

Micróbios atuam como decompositores, recicladores de nutrientes, escavadores de raízes, aeradores e estabilizadores do solo, auxiliando a reduzir o carbono atmosférico -Infográfico: Naylor D, et al. 2020/Wiki Commons. Adaptado pelo Jornal da USP

 

 

Fonte: https://jornal.usp.br/ciencias/pesquisa-pioneira-em-culturas-de-cobertura-abre-portas-para-agricultura-mais-sustentavel-no-brasil/


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