Jurisprudência TJSP - Execução de alimentos. Previsão no título executivo. Alimentante estar trabalhando com ou sem vínculo empregatício. Cobrança como se ele estivesse empregado
quarta-feira, 15 de setembro de 2021, 09h56
EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – PREVISÃO NO TÍTULO EXECUTIVO DE DIFERENTES PRESTAÇÕES NOS CASOS DE O ALIMENTANTE ESTAR TRABALHANDO COM OU SEM VÍNCULO EMPREGATÍCIO - COBRANÇA COMO SE ELE ESTIVESSE EMPREGADO – ALEGAÇÃO DO EXECUTADO DE QUE, NO PERÍODO INDICADO NO DEMONSTRATIVO DE DÉBITO, ATUOU SEM CARTEIRA ASSINADA E QUE PORTANTO NÃO DEVE PAGAR AS MENSALIDADES DA ESCOLA E DO PLANO DE SAÚDE DOS FILHOS – DESCABIMENTO – PROVAS VEEMENTES DE QUE EMPRESA PERTENCENTE AO EXECUTADO FORA CONTRATADA COMO PRESTADORA DE SERVIÇOS – O PERFIL DO ALIMENTANTE NO "FACEBOOK" NÃO DEIXA DÚVIDA QUANTO A ISSO E EQUIVALE A AUTÊNTICA CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL – DISTINÇÕES ENTRE OS VALORES DA PENSÃO DEVIDOS COM OU SEM VÍNCULO EMPREGATÍCIO VISAM A DESONERAR O ALIMENTANTE SE ESTIVER TRABALHANDO SEM CARTEIRA ASSINADA E ASSEGURAR A MANUTENÇÃO DOS ALIMENTÁRIOS – PORTANTO, A EXPRESSÃO "VÍNCULO EMPREGATÍCIO" NÃO TEM NO ACORDO O MESMO SIGNIFICADO DAS LEIS TRABALHISTAS - AS PROFUNDAS ALTERAÇÕES SOFRIDAS PELAS RELAÇÕES EMPREGATÍCIAS NO PAÍS E NO MUNDO NOS ÚLTIMOS ANOS INDICAM QUE O VÍNCULO ENTRE EMPREGADOR E EMPREGADO DE ANTES CEDEU LUGAR À CHAMADA "PEJOTIZAÇÃO" DE HOJE – NECESSIDADE DE INTERPRETAR O TÍTULO JUDICIAL SEM PERDER DE VISTA TAIS TRANSFORMAÇÕES – PREDOMINÂNCIA DA INTENÇÃO E DA BOA-FÉ SOBRE A LITERALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 112 E 113 DO CC – INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA - SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO, COM OBSERVAÇÃO. (TJSP - AC: 00014046620178260010 SP 0001404-66.2017.8.26.0010, Relator: Theodureto Camargo, Data de Julgamento: 09/09/2020, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/09/2020).
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
8ª Câmara de Direito Privado
Registro: 2020.0000737114
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0001404-66.2017.8.26.0010, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes R. M. P. S. (MENOR (ES) REPRESENTADO (S)) e E. M. P. S. (MENOR (ES) REPRESENTADO (S)), é apelado E. P. S..
ACORDAM , em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, com observação. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores THEODURETO CAMARGO (Presidente), ALEXANDRE COELHO E CLARA MARIA ARAÚJO XAVIER.
São Paulo, 9 de setembro de 2020.
THEODURETO CAMARGO
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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8ª Câmara de Direito Privado
Apelação Cível Nº 0001404-66.2017.8.26.0010
Apelantes: R. M. P. S. e E. M. P. S.
Apelado: E. P. S.
Interessado: K. E. LTDA
(Voto nº 23.609)
EMENTA: EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – PREVISÃO NO TÍTULO EXECUTIVO DE DIFERENTES PRESTAÇÕES NOS CASOS DE O ALIMENTANTE ESTAR TRABALHANDO COM OU SEM VÍNCULO EMPREGATÍCIO - COBRANÇA COMO SE ELE ESTIVESSE EMPREGADO – ALEGAÇÃO DO EXECUTADO DE QUE, NO PERÍODO INDICADO NO DEMONSTRATIVO DE DÉBITO, ATUOU SEM CARTEIRA ASSINADA E QUE PORTANTO NÃO DEVE PAGAR AS MENSALIDADES DA ESCOLA E DO PLANO DE SAÚDE DOS FILHOS – DESCABIMENTO – PROVAS VEEMENTES DE QUE EMPRESA PERTENCENTE AO EXECUTADO FORA CONTRATADA COMO PRESTADORA DE SERVIÇOS – O PERFIL DO ALIMENTANTE NO “FACEBOOK” NÃO DEIXA DÚVIDA QUANTO A ISSO E EQUIVALE A AUTÊNTICA CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL – DISTINÇÕES ENTRE OS VALORES DA PENSÃO DEVIDOS COM OU SEM VÍNCULO EMPREGATÍCIO VISAM A DESONERAR O ALIMENTANTE SE ESTIVER TRABALHANDO SEM CARTEIRA ASSINADA E ASSEGURAR A MANUTENÇÃO DOS ALIMENTÁRIOS – PORTANTO, A EXPRESSÃO “VÍNCULO EMPREGATÍCIO” NÃO TEM NO ACORDO O MESMO SIGNIFICADO DAS LEIS TRABALHISTAS - AS PROFUNDAS ALTERAÇÕES SOFRIDAS PELAS RELAÇÕES EMPREGATÍCIAS NO PAÍS E NO MUNDO NOS ÚLTIMOS ANOS INDICAM QUE O VÍNCULO ENTRE EMPREGADOR E EMPREGADO DE ANTES CEDEU LUGAR À CHAMADA “PEJOTIZAÇÃO” DE HOJE – NECESSIDADE DE INTERPRETAR O TÍTULO JUDICIAL SEM PERDER DE VISTA TAIS TRANSFORMAÇÕES – PREDOMINÂNCIA DA INTENÇÃO E DA BOA-FÉ SOBRE A LITERALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 112 E 113 DO CC – INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA - SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO, COM OBSERVAÇÃO
Cuida-se de apelação tirada da r. sentença de fls.
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437/440, que considerou nula a execução, por falta de exigibilidade da obrigação, julgou extinto o processo e condenou os credores a pagarem R$ 2.000,00 de honorários ao patrono do devedor.
Inconformados, apelam os vencidos alegando ter havido cerceamento de defesa e que fazem jus à concessão de tutela antecipada recursal, para liberação em favor deles do dinheiro bloqueado via BacenJud, para saldarem as dívidas com estabelecimentos de ensino e, além disso, obrigar o apelado a matriculá-los e honrar o pagamento das respectivas mensalidades ou, subsidiariamente, obrigar o executado a pagar as mensalidades escolares de 2017. Quanto ao mais, pedem o provimento do recurso quer para anular a sentença e ensejar a produção de provas, quer para reformá-la (fls. 442/460).
Contrarrazões às fls. 496/506, com preliminar de não conhecimento, em virtude de deserção.
O parecer da d. Procuradoria Geral da Justiça foi pelo provimento da apelação (fls. 511/514).
Depois de apelantes e apelado manifestarem oposição ao julgamento virtual (fls. 530 e 532), os recursos por eles interpostos foram recebidos nos efeitos devolutivo e suspensivo (fls. 542/543).
Por fim, foi acostada aos autos a cópia da r. sentença proferida na reclamação trabalhista que E.P.S.
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moveu em face de Kostal Eletromecânica Ltda. (fls. 550/559), sobre a qual os apelantes se manifestaram às fls. 563/565).
É o relatório.
1.- BREVE SÍNTESE DA CONTROVÉRSIA Discute-se nestes autos se o executado está ou não trabalhando com vínculo empregatício e, em caso positivo, se deve aos filhos os alimentos correspondentes a tal condição, previstos em acordo celebrado em 21 de novembro de 2011 e homologado por sentença, ou, de outra parte, se está desempregado e está quite com as prestações.
2.- DO TÍTULO EXECUTIVO Pela transação reproduzida às fls. 189/190 e homologada por sentença de 21 de outubro de 2011, o pai, ora apelado, obrigou-se a pensionar os filhos no valor correspondente a 20% dos seus ganhos líquidos, com incidência também sobre o 13º salário, férias e respectivo terço constitucional, prêmios, abonos, gratificações, adicionais, comissões e verbas rescisórias, mediante desconto em folha e depósito na conta da mãe dos meninos. A par disso, comprometeu-se igualmente não só a arcar com as matrículas e mensalidades do estabelecimento de ensino e do plano de saúde, ambos do mesmo nível que estavam acostumados.
Por outro lado, restou consignado que se “o alimentante deixar de exercer atividade com vínculo empregatício”, a pensão passará a corresponder a 3,5
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salários mínimos.
Na falta de chancela judicial, o acordo que obriga o executado a arcar com os alugueres de outra moradia para a ex-mulher e filhos, à evidência, não substitui o anterior.
Entendendo que ele, devedor, exercia direta ou indiretamente, por intermédio de suas empresas, atividade profissional perante a Kostal Eletromecânica Ltda., os credores apresentaram a planilha de fls. 345/355, que aponta para o débito de R$ 76.716,32, relativo às mensalidades que, na condição de empregado, o alimentante teria deixado de pagar-lhes no período de julho de 2014 a agosto de 2017.
3.- DO MÉRITO É bem verdade que, em resposta ao ofício encaminhado pelo juízo de origem, a empresa Kostal Eletromecânica Ltda. esclareceu que o alimentante “nunca foi seu empregado, mas sim prestador de serviço” e que desempenhou tal atividade entre 2012 e abril de 2017.
Na r. sentença que proferiu na reclamação trabalhista movida pelo ora apelado, a MMª juíza observou que, muito embora não tenha havido relação empregatícia entre E.P.S. e Kostal Eletromecânica Ltda., no período indicado na inicial daquela demanda, o reclamante é sócio de diversas empresas, tais como Advance Consultoria Trein. e Particip. Ltda., Semandar Gestão Técnica em Apoio Adm. Ltda., Turia Adm. E Corretora de Seguros Ltda., Instituto de Beleza Edp Ltda.-ME e ADL Adm. Técnica em Apoio Adm. e Com. Ltda., as
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quais, segundo apurou a d. magistrada, “conforme informações prestadas pela Secretaria da Fazenda do Eztado de São Paulo, prestavam serviços a diversas outras empresas, além da reclamada”, de sorte que não havia exclusividade em relação a esta última. Por isso, salientou que, na falta de comprovação dos requisitos da pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação jurídica, impunha-se a conclusão de que, de fato, inexistia relação trabalhista entre um e outro, mas que “a formulação do contrato de prestação de serviços autônomo partiu da vontade livre e consciente de ambas as partes”, cada qual movida por suas próprias conveniências (fls.553/554).
O instrumento de distrato de fls. 294/297, firmado entre a Kostal, de um lado, e, de outro, a empresa ADL Administração Técnica em Apoio Administrativo e Comércio de Autopeças Ltda., da qual o executado é sócio e representante legal (fls. 14/15), confirma aquela informação, assim como a conclusão a que chegou a MMª juíza da 3ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo.
O já mencionado perfil do executado no Facebook, todavia, indica que, ao tempo da propositura da ação, E.P. trabalhava como Gerente de Planejamento e Vendas na Leopold Kostal GmbH & Co.KG -- que, de acordo com o contrato social de fls. 275/288, é a mesma Kostal Eletromecânica Ltda. -- há 4 anos e 8 meses, “Dates Employed Jul 2012 Present” (fls. 07/11).
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Isso significa, em tradução livre, que sua atividade nessa empresa, teve, de fato, início em julho de 2012 e que ainda perdurava em fevereiro de 2017, um mês antes do da propositura da presente demanda.
Tratando-se, como observado, de perfil no Facebook, elaborado pelo próprio alimentante, é evidente que se traduz em confissão extrajudicial quanto à alegação dos credores de que ele, executado, desempenhava sua atividade profissional naquela empresa.
Seja como empregado, seja na condição de prestador de serviço, seja ainda como autônomo, pouco importa.
Relevante, isto sim, é que atua ou trabalha naquela empresa desde meados de 2012.
Na verdade, a distinção entre trabalho com ou sem “vínculo empregatício”, constante do acordo de fls. 189/190, visa apenas a indicar as formas diversas de o alimentante pagar as prestações alimentares, mais onerosas se estiver empregado do que no caso de atuar de maneira informal ou autônoma.
Em outras palavras, não tem, evidentemente, o sentido técnico-jurídico das leis trabalhistas, que consideram trabalhador tão-somente aquele que desenvolve atividade habitual para e sob as ordens do empregador, em troca de remuneração.
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Nem poderia ser diferente sobretudo nos dias de hoje, em que o emprego passa por profundas mudanças no mundo todo e o país atravessa mais uma grave crise financeira, que se acentuou justamente no período em que o executado deixou de pagar as mensalidades da escola e do plano de saúde dos filhos.
Ao tempo da terceirização, da chamada “pejotização” etc., a tendência é de as empregadoras contratarem empresas prestadoras de serviço para realizarem as mesmas tarefas antes confiadas aos empregados, sem, no entanto, obrigá-las a arcar com os respectivos encargos sociais, representados por décimo terceiro salário, férias e o respectivo terço constitucional, e-social etc.
Disso, no entanto, não pode resultar prejuízo aos que dependem do titular dessa prestadora de serviços para fazerem frente aos gastos de alimentação, saúde, educação, transporte, vestuário, lazer e assim por diante.
Em consequência, não pode haver dúvida alguma de que, também nesses casos, os alimentos são devidos como se o alimentante estivesse empregado, isto é, com renda mais elevada do que aquela prevista para o caso de trabalho sem vínculo empregatício, que, via de regra, importa remuneração inferior.
Afinal, não é possível interpretar as regras em geral e os contratos e acordos, em particular, sem levar em conta as transformações pelas quais a sociedade passou
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desde que foram assinados.
Pelo contrário, a hermenêutica deve atualizar-se justamente para adequar-se a essas mudanças.
E para tanto o que, de fato, é importante é a intenção das partes contratantes e, em especial, a boa-fé (CC, arts. 112 e 113).
No caso presente, a intenção de estabelecer prestações alimentares de valores diversos para uma e outra situação objetivou não só aliviar o devedor de pagar mais, quando estivesse ganhando menos, mas também manter a pensão sem solução de continuidade para os alimentários, ainda que em valores inferiores, de modo que não deixassem de receber alimentos quando o alimentante estivesse enfrentando dificuldades.
Nada mais do que isso!
Como se observou, todavia, se a empresa do alimentante foi contratada para prestar serviços à Leopold Kostal GmbH & Co.KG, que, insiste-se, é a mesma Kostal Eletromecânica Ltda., na qual havia trabalhado anteriormente como Gerente de Planejamento e Vendas, dúvida não pode haver de que não está enfrentando adversidades ou agruras.
Portanto, é certo não só que os exequentes não sofreram cerceamento de defesa, mas também que a r.
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sentença deve ser reformada, para obrigar o executado, ora apelado, a pensionar os filhos como se, efetivamente, estivesse trabalhando com vínculo empregatício, ou seja, pagando as matrículas e mensalidades tanto da escola em que os filhos estudam, como também do plano de saúde, impondo-se, ainda, a liberação da quantia bloqueada pelo sistema BacenJud, a fim de que os credores possam solver as obrigações pendentes ao longo de todos esses anos, deduzindo-se tal quantia do quantum debeatur, para não ocasionar enriquecimento sem causa.
4.- CONCLUSÃO Daí por que se dá provimento ao recurso, com observação.
THEODURETO CAMARGO
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