Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

As distâncias que separam crianças negras e brancas

quarta-feira, 02 de julho de 2025, 16h54

“Tivemos mais tempo de processo escravagista do que de pessoas negras vivendo livres em nosso país”, lembra Tainá Alvarenga, assistente social e coordenadora do eixo direito à segurança pública e acesso à justiça, da entidade Redes da Maré. Segundo ela, em um país com desigualdade racial como o Brasil, e que, ao mesmo tempo, possui uma legislação robusta sobre o tema, o que falta é melhorar as políticas públicas, sobretudo para as infâncias negras.

 

Isso porque, crianças negras não conseguem chegar aos 6 anos de idade da mesma forma do que crianças brancas. É o que explica Mônica Sacramento, pedagoga e coordenadora programática da organização Criola, que defende e promove os direitos das mulheres negras. Entre os obstáculos, estão a desnutrição, doenças evitáveis e falta de acompanhamento adequado no pré e no pós-parto, por exemplo.

 

Ou seja, há controvérsias na narrativa da democracia racial, como explica Ednéia Gonçalves, socióloga e coordenadora-executiva da organização Ação Educativa. Segundo ela, a ideia de que somos todos iguais, na prática, revela que pessoas negras têm os direitos básicos menos garantidos do que pessoas brancas.

 

Ao revelarem dados alarmantes sobre essa realidade, Tainá, Mônica e Ednéia contam o que a sociedade civil tem feito para cobrar o Estado, enquanto preenchem os vazios deixados pelos governos federal, estaduais e municipais.

 

Forças policiais deveriam cuidar das crianças negras

 

“Um policial entra na casa de uma família, abre a geladeira, tira um iogurte de lá e o espalha todo pelo chão. Depois, ameaça a mãe de violência sexual. Enquanto isso, um cachorro enorme cheira a cama das crianças, que estão ali, observando tudo bem diante de seus olhos”. O relato é um dos muitos de violências cotidianas que a assistente social Tainá Alvarenga ouve trabalhando há anos em favelas da cidade do Rio de Janeiro.

 

Coordenadora do eixo Direito à segurança pública e acesso à justiça, da entidade Redes da Maré, ela afirma que, frequentemente, as crianças dessas histórias são negras. Por isso, pontua o quanto o fator classe social aprofunda o racismo em um país desigual como o Brasil. Sobretudo, segundo ela, em um contexto em que policiais – servindo ao Estado – deixam de cumprir a função de cuidar da população.

 

Nesse sentido, ela denuncia a conduta das ações da polícia. Para ela, falar de segurança pública é também falar das interações que os policiais têm com as pessoas, pois isso molda a forma como crianças e suas famílias vivem o dia a dia.

 

“A polícia aqui usa fuzil ao entrar nas favelas. Acho que é a única no mundo que faz isso. Não tem formação nem experiência para uma maior proximidade com a população, afetando completamente suas rotinas”, explica.

 

O último boletim “Direito à segurança pública na Maré”, elaborado pelas Redes da Maré com dados de 2023, mostra as consequências das 34 operações policiais ocorridas nas favelas do complexo. Foram 20 a mais do que no ano de 2022.– 31 registros de tiro (1 confronto entre grupos armados)– 26 dias sem atendimentos nas unidades de saúde (cerca de 9.500 atendimentos deixaram de ser realizados)– 25 dias sem aulas em escolas em decorrência da violência armada (em média, são 20 escolas fechadas e cerca de 8.100 estudantes sem aulas por operação policial)

 

 

Para Tainá, esses dados poderiam ser menores se a ADPF das Favelas, que visa proteger a comunidade ao restringir os locais para as operações policiais, fosse seguida. Diante desse não cumprimento e da letalidade que não diminui, organizações do terceiro setor, como a Redes da Maré, por exemplo, criam outras estratégias. Uma delas é a Ação Civil Pública da Maré, articulação criada em 2017 para garantir que o direito e as lesões causadas aos moradores das favelas da Maré chegassem até o Poder Judiciário. Dentre as medidas estão:

 

  • proibição de operações para cumprimento de mandatos à noite;
  • disponibilização de ambulâncias em dias de operações policiais;
  • instalação gradual de câmeras e GPS em viaturas na Maré;
  • elaboração de plano de redução de danos em dias de ação policial.

 

 

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