Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Expor crianças online: A condenação de influenciadora e os deveres do ECA no digital

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025, 16h34

Marco Aurelio Fernandes dos Santos
 

Condenação de influenciadora por expor filha ilustra a urgência de aplicar o ECA ao mundo digital, responsabilizando pais, plataformas e Estado por violações à dignidade e intimidade de menores.
 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Atualizado às 11:53

 

Recentemente, a TJ/SP condenou uma influenciadora digital por expor sua filha bebê em vídeo postado nas redes sociais, entendimento de que a conduta violou a intimidade, dignidade e o direito à proteção integral previstos no ECA. Mesmo diante de alegações pessoais ou conflitos familiares, a divulgação de imagens e situações de vulnerabilidade não pode se tornar palco público: a lei exige sigilo e proteção especial. Esse caso ressalta uma importante demanda contemporânea: a necessidade de aplicar os princípios do ECA - originalmente formulado para o ambiente físico - também ao universo digital, reconhecendo que crianças e adolescentes transitam, aprendem e se relacionam online.

 

Diante disso, torna-se imperativo refletir sobre os deveres atribuídos não apenas aos responsáveis e à família, mas também às plataformas, escolas e ao Estado, para prevenir e coibir violações de direitos fundamentais em ambiente digital. Este artigo analisa a condenação, sua relevância jurídica e os reflexos práticos do ECA para proteção de menores na internet.

 

2. O caso: exposição indevida de criança nas redes sociais

Em novembro de 2025, o TJ/SP condenou uma influenciadora por publicar nas redes sociais vídeo em que a filha, ainda bebê, aparecia tomando banho com o pai, com o intuito de acusá-lo de abuso. A divulgação buscava mobilizar seguidores para expressarem opinião pública, com intuito de mídia social. A corte entendeu que, mesmo admitindo-se a suspeita de abuso, a conduta extrapola os limites legais de tutela da intimidade e dignidade da criança, violando o dever de proteção especial imposto pelo ECA - mesmo com motivações declaradas de denúncia.

 

A pena foi fixada em nove meses e 22 dias de reclusão em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade, o que evidencia a gravidade atribuída ao ato e o reconhecimento da vulnerabilidade da criança, independentemente de seu consentimento ou idade.

 

Esse precedente recente expõe duas lições centrais: (i) a internet não é espaço livre de responsabilidade; (ii) os direitos da criança e do adolescente permanecem invioláveis no ambiente digital, exigindo proteção plena.

 

3. O ECA e a proteção da criança/adolescente no ambiente digital

O ECA (lei 8.069/1990), em seu art. 4°, consagra o princípio da proteção integral, estabelecendo corresponsabilidade de família, sociedade e Estado na garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes - inclusive dignidade, honra, intimidade e imagem. A norma não foi concebida com a internet em mente, mas seus princípios têm aplicação direta ao contexto digital.

 

Com a crescente digitalização da vida social, personalidades, influenciadores, usuários comuns e plataformas passaram a circular conteúdos que envolvem menores. A conduta de expor crianças a situações constrangedoras, vexatórias ou de risco é tão lesiva quanto a violência física ou moral tradicional. A decisão do TJ/SP demonstra que o ordenamento jurídico trata esse tipo de ato com a mesma gravidade: a divulgação indevida de imagens e fatos íntimos constitui ofensa aos direitos da personalidade e sujeita o autor à sanção penal e civil.

 

Assim, mesmo sem uma norma específica para cada modalidade de exposição digital, o ECA continua vigente e aplicável - e os tribunais têm interpretado sua lógica protetiva como apta a alcançar infrações cometidas no ciberespaço.

 

4. Responsabilidades dos agentes envolvidos

 

4.1. Família / Responsáveis

Dever de cuidado especial: orientar o uso da internet, proteger dados e imagem das crianças, evitar exposição de menor sem necessidade.

 

Prioridade absoluta da proteção: em situações de suspeita de abuso ou conflito, o meio adequado é acionar autoridades competentes, não recorrer à exposição pública como forma de acusação - preservando sigilo, dignidade e o direito de defesa.
 

4.2. Plataformas digitais e provedores

Embora o ECA não preveja diretamente deveres para provedores, o contexto exige que redes sociais e plataformas adotem políticas de moderação eficazes, removam conteúdos nocivos envolvendo menores, permitam denúncia e cooperação com as autoridades competentes - sob pena de responsabilidade civil por omissão.

 

4.3. Estado, Poder Judiciário e Ministério Público

O Judiciário exerce papel essencial na concretização do princípio da proteção integral, interpretando o ECA de forma expansiva e adaptada aos desafios digitais.
 

O Ministério Público deve atuar na defesa dos direitos infantojuvenis, inclusive em casos de exposição indevida ou negligência digital, promovendo tutela coletiva quando necessário.
 

Órgãos estatais devem incentivar políticas públicas de educação digital e de proteção da infância no ambiente online.
 

5. Impactos práticos e advertências para famílias e profissionais do direito

O precedente reforça que:

 

Expor crianças nas redes sem cuidado e sem contexto apropriado pode configurar crime - mesmo com suposta intenção de denúncia.
 

A responsabilidade não se limita à pessoa que publica, mas atinge todos os envolvidos na produção e divulgação: influenciadores, responsáveis legais, plataformas.
 

O tratamento jurídico acompanha a lógica de proteção contínua: o ambiente digital não é exceção à tutela dos direitos infantojuvenis.
 

Para advogados, gestores de conteúdo digital e famílias, a lição é clara: a internet exige sensibilidade jurídica e ética, sob pena de responsabilização penal e civil.

 

6. Conclusão

A condenação da influenciadora por expor sua filha nas redes sociais não é apenas um caso isolado - é um marco jurisprudencial que reafirma a vigência do ECA no ciberespaço e a necessidade de adaptação da proteção infantojuvenil aos novos meios de convivência. A dignidade, intimidade e o direito à imagem das crianças são invioláveis, seja em ambiente físico ou digital.

 

Cabe à sociedade, às famílias, às plataformas e ao Estado assegurar que o alcance das redes sociais não se transforme em ambiente de violação de direitos, mas em espaço de convívio responsável e seguro para as novas gerações.

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Referências

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Tribunal de Justiça de São Paulo - Comunicação Social. Justiça condena influenciadora por exposição indevida de filha em rede social. 30 nov. 2025. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=112940&utm_source=chatgpt.com

"Influencer publica vídeo íntimo da filha para incriminar pai." Reportagem. 30 nov. 2025. Disponível em: https://atarde.com.br/brasil/influencer-publica-video-intimo-da-filha-para-incriminar-pai-1370587?utm_source=chatgpt.com

https://www.metropoles.com/sao-paulo/condena-influenciadora-exposicao-filha?utm_source=chatgpt.com


Marco Aurelio Fernandes dos Santos
Fundador da M A Segurança Digital e Palestrante. Formado em Segurança Pública e Direito, com especialização em Perícia Digital Forense, atua em Direito Digital, Segurança da Informação e investigações

FONTE: Migalhas  


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