Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência TJRS - Habeas Corpus. Execução de alimentos. Prisão domiciliar. Possibilidade

terça-feira, 28 de julho de 2020, 18h19

HABEAS CORPUS. FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RITO DA COERÇÃO PESSOAL (ART. 528 DO CPC). PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. RECOMENDAÇÃO 62/2020 DO CNJ. PRECEDENTE STJ. INTELIGÊNCIA DO ART. 15 DA LEI N. 14.010/2020 SOBRE O REGIME JURÍDICO EMERGÊNCIA E TRANSITÓRIO DAS RELAÇÕES DE DIREITO PRIVADO DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19. Diante da situação excepcional e urgente trazida pela COVID-19, imperiosa a decretação da prisão do devedor, mas em regime domiciliar, com base nas garantias constitucionais à saúde e à dignidade da pessoa humana, observando a recomendação nº. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça e recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus Coletivo nº 568.021/CE. Além disso, a recentíssima Lei n. 14.010/2020, publicada em 10/06/2020 (com vigência da data de sua publicação), dispõe no seu art. 15º que até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar.CONCEDIDA A ORDEM, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Habeas Corpus Cível, Nº 70084322627, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 26-06-2020).(TJ-RS - HC: 70084322627 RS, Relator: Vera Lucia Deboni, Data de Julgamento: 26/06/2020, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 29/06/2020).

Segue abaixo colacionado o inteiro teor do acórdão:

 

 

Nº 70084322627 (Nº CNJ: 0070621-17.2020.8.21.7000)

2020/Cível


HABEAS CORPUS. FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. RITO DA COERÇÃO PESSOAL (ART. 528 DO CPC). PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. RECOMENDAÇÃO 62/2020 DO CNJ. PRECEDENTE STJ. INTELIGÊNCIA DO ART. 15 DA LEI N. 14.010/2020 SOBRE O REGIME JURÍDICO EMERGÊNCIA E TRANSITÓRIO DAS RELAÇÕES DE DIREITO PRIVADO DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19.
Diante da situação excepcional e urgente trazida pela COVID-19, imperiosa a decretação da prisão do devedor, mas em regime domiciliar, com base nas garantias constitucionais à saúde e à dignidade da pessoa humana, observando a recomendação nº. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça e recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus Coletivo nº 568.021/CE.
Além disso, a recentíssima Lei n. 14.010/2020, publicada em 10/06/2020 (com vigência da data de sua publicação), dispõe no seu art. 15º que até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar.
CONCEDIDA A ORDEM, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.

Habeas Corpus


Sétima Câmara Cível



Nº 70084322627 (Nº CNJ: 0070621-17.2020.8.21.7000)


Comarca de Barra do Ribeiro



J.D.L.

..
IMPETRANTE

V.A.D.S.

..
PACIENTE

J.D.C.B.R.

..
COATOR


DECISÃO MONOCRÁTICA


Vistos.
Trata-se de habeas corpus impetrado por Jeferson D. L. em favor do paciente Vagner A. D. S., apontando como autoridade coautora o Juiz de Direito da Comarca de Barra do Ribeiro que despachou nos autos do processo de EXECUÇÃO DE ALIMENTOS (n. 140/1.12.0000985-2) decretando a prisão civil do executado.

Alega o impetrante, em sínteses, que a autoridade coatora expediu ordem para prisão civil do paciente em regime aberto, devendo a segregação obedecer ao prazo de 30 (trinta) dias. Refere que na primeira tentativa de cumprimento do mandado pelo oficial de justiça, o paciente não se encontrava no local, não sendo efetivado seu recolhimento, contudo, tal fato demonstra a necessidade da impetração do writ. Refere que pandemia mundial do coronavírus causou muitos impactos econômicos, embora saiba não estar desobrigado da responsabilidade de pagar todas as suas despesas. Aduz que o CNJ expediu orientações sob as modalidades das prisões nesse momento de crise, através da portaria nº 62/2020, destacando que a prisão cível por dívida de alimentos deve ser cumprida em regime domiciliar. Menciona decisão STJ sobre o tema. Relata, ainda, que para o paciente cumprir a prisão civil em regime aberto, em casa do albergado, teria que se deslocar diariamente à cidade de Porto Alegre, sendo distante 122,8 km (ida e volta) do local que trabalha - cidade de Barra do Ribeiro. Informa que Barra do Ribeiro não conta com estabelecimento prisional para presos do regime aberto. Faz referências a Lei de Execucoes Penais e a Constituição Federal. Assim, requer o recebimento do presente Habeas Corpus preventivo, para que seja concedido o pedido liminar de revogação da prisão em regime aberto, com a imediata colocação do paciente em regime de prisão domiciliar. No mérito, pleiteia pela a confirmação da liminar, com a concessão definitiva da ordem.
É o relatório.

Decido.

2. Adianto que, no caso dos autos, é de se conceder a ordem do writ.

A prisão civil por dívida de alimentos está disciplinada no art. 528 do Código de Processo Civil:

Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.


§ 1o Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517.


§ 2o Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento.


§ 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.


§ 4o A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.


§ 5o O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.


§ 6o Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.


§ 7o O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.


§ 8o O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.


§ 9o Além das opções previstas no art. 516, parágrafo único, o exequente pode promover o cumprimento da sentença ou decisão que condena ao pagamento de prestação alimentícia no juízo de seu domicílio.

Com efeito, tal coerção, em situações excepcionais, tem admitido o cumprimento em regime domiciliar, com aplicação analógica do art. 117 da Lei nº. 7.210/84 (LEP).
Além disso, inegável dissociar a questão da prisão por dívida alimentar, das questões postas na atualidade, uma vez que o mundo enfrenta uma pandemia viral.


Com isso, foi necessário que autoridades adotassem medidas preventivas para evitar aglomerações, ocasionando em isolamento social, objetivando conter a disseminação do COVID-19. Assim, a Portaria nº. 454, do Ministério da Saúde refere que a prisão civil do devedor de alimentos está sendo examinada sob outro prisma, o de proteção à saúde dos cidadãos e redução do contágio pelo coronavírus.


E, nesse sentido, foi publicada a Recomendação n.º 62, de 17 de março de 2020, pelo Conselho Nacional de Justiça, tratando da adoção de medidas preventivas à propagação da infecção, e, no artigo 6º, apregoa que se considere ?a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, o que culminou no deferimento de liminar no Habeas Corpus Coletivo nº 568.021/CE, de Relatoria Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em 23.03.2020, que pondera:


(...) Referiu que, no atual contexto, em que ocorre o surto da COVID-19 em todo o território brasileiro, quase duas mil pessoas estão com suas liberdades cerceadas por força de decretos de prisão civil decorrentes de dívida de alimentos Diante da excepcionalidade do caso concreto, acolho o pedido da DPU, determinando o seu ingresso nos autos na qualidade de impetrante e determino a extensão dos efeitos da decisão que deferiu parcialmente a medida liminar para determinar o cumprimento das prisões civis por devedores de alimentos em todo o território nacional, excepcionalmente, em regime domiciliar. Ressalto que as condições de cumprimento da prisão domiciliar serão estipuladas pelos juízos de execução de alimentos, inclusive em relação à duração, levando em conta as medidas adotadas pelo Governo Federal e local para conter a pandemia do Covid-19. A presente decisão, entretanto, não revoga a adoção de medidas mais benéficas eventualmente já determinadas pelos juízos locais.
Reforço, pois, importante registrar, consoante o § 4º do art. 528 do Código de Processo Civil, a prisão civil decorrente da inadimplência de obrigação alimentar deve ser cumprida, em regra, em regime fechado, sendo cabíveis exceções diante da inexistência de vagas separadas dos presos comuns (Ofício-Circular 055/2016-CGJ), ou por comprovada necessidade de trabalho, por exemplo.


Além disso, a recentíssima Lei n. 14.010/2020, publicada em 10/06/2020 (com vigência da data de sua publicação), dispõe sobre o regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de direito privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), traz no seu art. 15º a seguinte determinação: Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações. Grifei.


Desse sentido, à luz de todas as considerações feitas, diante da situação excepcional e urgente trazida pela COVID-19, imperiosa a decretação da prisão do devedor, mas em regime domiciliar, o que faço com base nas garantias constitucionais à saúde e à dignidade da pessoa humana.
A propósito, os precedentes desta Câmara:


HABEAS CORPUS. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. PANDEMIA DO COVID19. PRECEDENTE STJ E DESTA CÂMARA. CONCEDIDA A ORDEM.(Habeas Corpus Cível, Nº 70084263219, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Arriada Lorea, Julgado em: 02-06-2020)


AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RITO COERCITIVO. ATUALIDADE DO DÉBITO. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE CUMPRIMENTO DA PRISÃO CIVIL EM REGIME DOMICILIAR. PANDEMIA COVID-19. ART. 6º DA RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020, EM 17 DE MARÇO DE 2020, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PRECEDENTE STJ. O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo, a teor do artigo 528§ 7º, do Código de Processo Civil É possível a decretação da prisão, porque há o débito, o débito é atual, não houve o pagamento integral do débito e muito menos desídia da parte exequente. No entanto, em razão da pandemia do COVD-19, excepcionalmente, tem-se admitido o cumprimento da prisão civil em regime domiciliar. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 70083104067, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto, Julgado em: 28-04-2020).


HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. ALIMENTOS. EXECUÇÃO PELO RITO DO ART. 528 DO CPC. 1. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUITAÇÃO DA DÍVIDA. PAGAMENTOS PARCIAIS QUE NÃO ELIDEM O DECRETO PRISIONAL. DISCUSSÃO A RESPEITO DO BINÔMIO ALIMENTAR QUE NÃO CABE NA ESTREITA VIA DO WRIT. LEGALIDADE DA ORDEM. DECRETO PRISIONAL MANTIDO. 2. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE CUMPRIMENTO DA PRISÃO CIVIL EM REGIME DOMICILIAR. PANDEMIA. COVID-19. ART. 6º DA RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020, EM 17 DE MARÇO DE 2020, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO. (Habeas Corpus Cível, Nº 70083780734, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em: 07-04-2020).


EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL DA DEVEDORA. REGIME DOMICILIAR. CABIMENTO. 1. Como a dívida alimentar é líquida, certa e exigível, e a justificativa do devedor é inconsistente, sendo corretamente rejeitada, fica mantida a decretação de sua prisão civil, que deverá observar o regime de prisão domiciliar. 2. Não demonstrada a impossibilidade absoluta de pagar os alimentos, é cabível o decreto de prisão civil do devedor, pois não se trata de uma medida de exceção, senão providência prevista na lei para a execução de alimentos que tramita sob a forma procedimental do art. 528CPC. 3. Descabe questionar em ação de execução de alimentos questões relativas ao binômio possibilidade e necessidade, pois a adequação ou não da verba alimentar somente poderá ser examinada em ação de revisão de alimentos, sendo que a obrigação alimentar permanece inalterada até que seja lançada nova decisão judicial alterando o valor. Recurso provido em parte. (Agravo de Instrumento, Nº 70083731760, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em: 28-04-2020).


AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. REGIME FECHADO. CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME DOMICILIAR, COMO MEDIDA EXCEPCIONAL PREVENTIVA AO COVID-19. PEXT NO HABEAS CORPUS COLETIVO Nº 568.021. Tratando-se de dívida de alimentos, não havendo o pagamento do débito (que engloba as três prestações devidas antes do ajuizamento da ação e aquelas que se vencerem durante o seu curso), correta a ordem de prisão do devedor. Consoante reiterado entendimento jurisprudencial, descabe a discussão do binômio possibilidade-necessidade em sede de execução. Tendo em vista o julgamento proferido pelo STJ na PExt no Habeas Corpus nº 568.021, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, em face da amplitude e dos impactos provocados pela pandemia da COVID-19, os presos por dívida alimentar, em todo o território nacional, devem cumprir pena em regime domiciliar, como medida excepcional preventiva à pandemia pelo Coronavírus - COVID-19, impositivo o cumprimento da decisão, proferida em habeas corpus coletivo, publicada no DJe em 30/03/2020. Agravo interno provido em parte. (Agravo Interno, Nº 70083477257, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 28-04-2020).
Portanto, tenho que a prisão conforme determinada pela autoridade coautora apresentará riscos à incolumidade pública e ao próprio paciente. Assim, com base nas garantias constitucionais à saúde e à dignidade da pessoa humana, sopesando as peculiaridades do momento atual, autorizo o cumprimento da prisão civil decretada em regime domiciliar.


Dito isso e, com fundamento no precedente do Superior Tribunal de Justiça, concedo a ordem de habeas corpus em favor do paciente, substituindo o cumprimento da prisão civil em regime aberto por prisão domiciliar devido ao surto de coronavírus (COVID19) que atinge o território nacional.

Intimem-se, com a urgência que o caso requer.

Porto Alegre, 25 de junho de 2020.

Des.ª Vera Lúcia Deboni,

Relatora.

 


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